Rodrigo Capez fala da atuação do TJ no caso Pinheirinho

Por Lilian Milena, da Agência Dinheiro Vivo

Durante duas horas de conversa o juiz Rodrigo Capez, assessor do presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), expôs os argumentos que levaram o juízo estadual a decidir pela reintegração de posse de Pinheirinho, terreno de 1,3 milhão de metros quadrados, situado na zona sul de São José dos Campos, São Paulo.  Foram oito anos de batalha judicial, entre a proprietária do imóvel – a Massa Falida da Selecta S/A – e as 1.700 famílias que foram ocupando, desde 2004, o terreno e o transformando numa espécie de bairro, sem recursos de Estado ou prefeitura.

Segundo Capez a justiça agiu cumprindo o que manda a Constituição Federal e o Código Civil, no que diz respeito ao direito de propriedade, e a função social do terreno só poderia ser contemplada após a liquidação dos débitos da Selecta S/A para com seus credores. Assim a expropriação do imóvel para fins habitacionais, como pediam as famílias, só poderia ser feita mediante indenização do proprietário, em situação de falência.

Pinheirinho é um terreno que foi extremamente valorizado ao longo dos últimos anos. Seu valor saltou de 8 milhões de reais, segundo dados de 2007 que constam no Processo de Falência da Selecta S/A, para mais de 100 milhões, conforme avaliação da juíza da 6º Vara Cível de São José dos Campos, Márcia Loureiro, quem determinou a reintegração de posse.

LuiLuiz Carlos Botelho Ferreira, presidente regional do Sindicato da Construção de São Paulo (SindisCon), em São José dos Campos, diz que esse salto é plausível. Ele explica que o crescimento da cidade e a construção de um condomínio industrial, logo em frente, foram os principais fatores de valorização de Pinheirinho no mercado imobiliário. “Corre por aí que o terreno já está sendo negociado por R$ 140 milhões”, revela. 

O fato de a área ser “muito valorizada” foi apontado por Capez entre os motivos para não haver possibilidades da população continuar assentada no local. O juiz calculou que seriam necessários R$ 200 milhões em recursos gastos, tanto para indenizar a Massa Falida da Selecta S/A, quanto para levar asfalto, saneamento e eletricidade que faltavam ao bairro. Valor que, na região do Vale do Paraíba, poderia assentar um número maior de famílias do que as 1.700 que viviam em Pinheirinho.

Segue um resumo dos argumentos de Capez sobre a atuação da Justiça Estadual no caso.

Porque a função social não foi considerada pelo TJ-SP

“A justiça agiu cumprindo o que manda a Constituição Federal e o código civil: direito de propriedade”.

A falência da Selecta foi decretada em abril de 1990, dois anos após a quebra da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. Existe um princípio na lei de falências chamado de Juízo Universal da Falência pelo qual todas as ações contra a massa falida, ou em que nela tenha interesse, devem ser propostas no juízo falimentar.

O procedimento, após a falência, é arrecadar todos os bens do falido, bloqueando seus recursos em conta bancária e lacrando empresas ou propriedades que tenha. Em seguida todos os credores devem se dirigir até o juízo falimentar onde é formado o chamado quadro geral de credores. A partir desses dados o juiz coloca em ordem de preferência quem deve receber primeiro: trabalhadores, previdência, tributos, créditos com fornecedores etc.

Assim, argumenta Capez, a Selecta S/A estava impossibilitada de cumprir a função social, seja econômica ou habitacional, do terreno de Pinheirinho, porque antes necessita liquidar os débitos da falência.

O patrimônio arrecadado da empresa, hoje, é contabilizado em 56 imóveis em um condomínio em Itu, chamado Vila Real; Pinheirinho, em São José dos Campos e R$ 4 milhões em conta. Já os débitos com a massa falida são: R$ 3 milhões da União, ainda em processo de habilitação no juízo falimentar, e outros R$ 3,5 milhões em débitos com IPTU dos imóveis da cidade de Itu. “Não tem nenhum débito habilitado pela prefeitura de São José dos Campos, e nenhum débito habilitado por trabalhadores”, revela Capez.  Existem prazos para a habilitação, literalmente até o encerramento da falência, o que não ocorreu até agora, no caso da Selecta.

Capez destaca que a única possibilidade de, juridicamente, as famílias serem regularizados viria da União, com poder para desapropriar. Mas isso só seria possível se o governo federal também estivesse disposto a indenizar o proprietário. “As pessoas têm direito à moradia, dignidade, não podem ficar ao léu. Podemos compelir a prefeitura a dar abrigo para essas pessoas. Mas daí tem outro conflito que é não ser capaz de resolver todos os problemas existentes”, pondera o juiz, lembrando que São José dos Campos possui déficit habitacional de 27 mil pessoas – em Pinheirinho moravam 8 mil.

Sobre o conflito de competência entre as justiças Estadual e Federal

Quatorze anos depois de decretada a falência, em 2004, a área começa a ser ocupada por famílias lideradas pelo movimento sem-teto e PSTU. Capez conta que, por conta do princípio do Juízo Universal da Falência, explicado anteriormente, a massa falida entrou com pedido de reintegração de posse na 18ª Vara Civil Central, o juízo falimentar no estado de São Paulo.

Quem recebe o pedido é o juiz Luiz Beethoven Giffoni Ferreira que concede a liminar. Entretanto, como Pinheirinho estava fora de sua área de competência, em São José dos Campos, Beethoven envia uma carta precatória, “documento pelo qual solicita cooperação de outro juiz para praticar um ato fora de sua jurisdição”.

Quem recebe é o juiz Marcius Geraldo Porto de Oliveira, da 6ª Vara Cível de São José dos Campos que, na terminologia de Capez,  “comete uma aberração”, porque, ao invés de cumprir, reforma a decisão de Beethoven, considerando que a função social de propriedade e direito a moradia, previstos na Constituição Federal, devem ser observados antes de qualquer ação por parte de prefeitura, estado ou União, e envia cartas para os governantes das três esferas para encontrarem uma solução adequada às famílias e a situação de litígio da propriedade.

Primeira discussão de competências

Capez explica que Marcius errou porque “só um tribunal poderia reformar a decisão de um juiz”, porque tanto Beethoven quanto Marcius são juízes de mesma hierarquia.

Esse foi o primeiro conflito de competências jurídicas no caso Pinheirinho, que só foi solucionado após decisão do Superior Tribunal de Justiça que determinou que a competência para decidir a reintegração de posse era da 6ª Vara Cível de São José dos Campos, e não do juízo falimentar.

“Se você pegar o processo de reintegração de posse [em 2005] verá uma foto tirada do Google Maps mostrando poucos barracos espalhados no terreno. Teria sido uma ação tranqüila a retirada daquelas pessoas”, observa.

Depois da decisão do STJ, de que o processo deveria ser julgado em São José dos Campos, a questão judicial de Pinheirinho volta à estaca zero e a decisão de Beethoven anulada. Em 1º de julho, a juíza da 6ª Vara Cível de São José dos Campos, Márcia Loureiro, decide pela reintegração de posse.  Em 17 de outubro a Loureiro reitera sua decisão.

Os moradores entram com um agravo de instrumento no Superior Tribunal de Justiça pedindo suspensão da decisão da juíza, porque na sua primeira decisão, havia “ressuscitado” a liminar da 18ª Vara de Falência, concedida em 2004 por Beethoven.

Quem recebe o agravo de instrumento dos moradores é o ministro Antonio Carlos Ferreira, que, no dia 9 de dezembro de 2011, indefere o pedido porque considera que em novo texto proferido no dia 17 de novembro Loureiro corrige os termos da decisão.

Segunda discussão de competências

A desocupação é agendada para 17 de janeiro de 2012. Mas, quando as tropas de policiais militares e civis já se dirigiam para Pinheirinho, o comandante da operação recebe um mandado da justiça federal para interromper a operação.

Isso porque os moradores haviam entrado com ação na 3ª Vara Federal de São José dos Campos. Quem recebe a solicitação é a juíza de plantão Roberta Monza Chiari, que defere (aceita) o pedido e, às 5h da manhã expede o mandado para abortarem a reintegração de posse.

Rodrigo Capez explica que a justiça federal só poderia ter entrado no caso se a União tivesse demonstrado claro interesse no caso Pinheirinho. A juíza Roberta considerou um ofício do Ministério das Cidades, encaminhado, no dia 6 de janeiro, à juíza Márcia Loureiro. O documento se tratava de um protocolo de intenções onde o Ministério solicitava à 6ª Vara Cível de São José 120 dias para prepararem “uma solução pacífica e que também contemple o viés habitacional para as famílias envolvidas”, em cooperação com o Estado de São Paulo e a prefeitura de São José dos Campos.

“Um protocolo de intenções é como uma carta de amor, não vale nada”, justificou Rodrigo Capez. A decisão da juíza de plantão é reformada horas depois pelo juiz da 3ª Vara Federal de São José dos Campos, Carlos Alberto Antonio Junior, que ao contrário de Roberta, entende que a União não demonstrou interesse jurídico no caso.

Os ocupantes de Pinheirinho recorrem ao Tribunal Regional Federal. Quem recebe o caso é o desembargador Antônio Cedenho que, no dia 19 de janeiro, considera a União parte interessada na regularização fundiária do imóvel e restabelece a decisão da juíza de plantão Roberta Chiari.

No dia 20 de janeiro, a juíza Márcia Loureiro manda uma carta consulta à presidência do TJ-SP, relatando os fatos. “Entendemos que a decisão de um juiz estadual só pode ser revista por um tribunal de justiça [do estado] ou pelo Superior Tribunal de Justiça”, em outras palavras o TRF não teria competência para anular ou sustar a decisão de um juiz estadual, nesse caso, de Márcia Loureiro, “de mesmo nível hierárquico”.

Sobre o interesse da União no caso

Segundo a professora de direito na PUC São Paulo, Noirma Murad, a justiça federal pode intervir em casos julgados na justiça estadual quando a União mostra interesse. E isso, na visão dos juízes da esfera federal, Roberta e Cedenho, foi feito pelo Ministério das Cidades, mediante protocolo de intenções.

O juiz Capez explica que “o único ato jurídico concreto” que a União poderia oferecer seria um ato expropriatório, ou seja, um decreto de desapropriação tirando o terreno da massa falida para fins habitacionais.

“Se União tivesse decretado a desapropriação da área em duas folhinhas de papel, uma com os termos ‘requeira a intervenção nos autos’, juntando com outra de decreto desapropriatório, a juíza estadual só teria uma alternativa: responder com os termos ‘remetam esses autos à justiça federal’”, argumenta.

Em caso de desapropriação de Pinheirinho existiriam duas possibilidades: um longo processo que envolveria documentações, perícia, assistência técnica para ambas às partes, discussão sobre o valor do terreno pago à parte inconformada. E, por fim, o depósito do valor do terreno, em juízo, na conta da massa falida.

A segunda possibilidade resultaria no uso imediato da área para habitação, mas, para tanto a justiça determina “prévia e justa indenização”. Portanto, a União teria que pagar, em dinheiro, o quanto vale Pinheirinho para os credores da massa falida da Selecta.

“Se a União põe R$ 200 milhões naquela área, incluindo o que gastaria para a regularização fundiária, não só comprar, mas as benfeitorias e melhoramentos, e o Pará? E os conflitos fundiários do país afora? Como a União iria ficar? Tem dinheiro para desapropriar em São José, então queremos dinheiro para desapropriar no Pará! Os movimentos sociais iriam colocar a faca no pescoço”, cutuca.

A valorização de Pinheirinho é o mesmo motivo dado por Capez para que o governo do Estado e prefeitura não regularizarem o assentamento, já que existem 27 mil pessoas na fila por moradia em São José dos Campos. “O justo seria comprar uma área menos valorizada para assentar mais pessoas e não pagar mais para assentar menos”.

O juiz conta que a massa falida da Selecta chegou a fazer uma proposta aos moradores de Pinheirinho, que seria comprar por R$ 8 milhões uma área cinco vezes menor, no bairro da Vila Cândida, na zona norte de São José dos Campos. A prefeitura ficaria responsável pela construção de prédios habitacionais. Mas os ocupantes não aceitaram a oferta, devido ao tamanho do terreno e a localidade do novo bairro, muito afastado do centro de São José dos Campos. 

Sobre os quinze dias prometidos

“Eles foram lá [até Pinheirinho] prometer algo que não tinham”.

Em 18 de janeiro, um dia depois da decisão da juíza federal Roberta Chiari, Eduardo Suplicy (senador do PT) e os deputados Adriano Diogo (PT), Carlos Giannazi (PSOL) e Ivan Valente (PSOL) foram até a 18ª Vara Cível de São Paulo pedir ao juiz da falência, Luiz Beethoven Giffoni Ferreira, a suspensão dos “efeitos da falência”, na tentativa de barrar a reintegração.

“Deixei claro que o doutor Beethoven não tinha poder de suspender a reintegração porque existe um princípio que é da independência funcional”, esclarece Capez. Nesse caso a decisão do juízo falimentar não poderia interferir na decisão de reintegração de posse do juízo da 6ª Vara Cível de São José dos Campos.

No mesmo dia Beethoven concede aos políticos um despacho feito à caneta suspendendo os efeitos da falência por 15 dias e solicitando à juíza Márcia a suspensão da desocupação da área pelo mesmo período. Entretanto, apenas dois dias depois (no dia 20) Beethoven volta atrás na sua decisão, a pedido dos advogados da massa falida.

Sem saber disso, senadores e deputados foram no sábado, dia 21, levar a notícia para os moradores de Pinheirinho, ainda mais aliviados com a decisão do desembargador Antonio Cedenho, do dia 19, restabelecendo a decisão da juíza de plantão Roberta Chiari. Mal sabiam que, no dia seguinte, às 5h40 da manhã cerca de 2 mil polícias entrariam no imóvel para realizar a reintegração de posse.

“[O senador e os deputados] foram prometer algo que não tinham. Mas o melhor serviço que prestaram foi esse, para a tranquilidade da reintegração. Porque com a decisão do desembargador federal de suspender a reintegração, eles [moradores de Pinheirinho] estavam crentes que nada poderia acontecer. Então toda aquela resistência preparada se desmobilizou no domingo”, reflete.

Porque Capez foi designado para ficar no local no momento da operação

No dia 20 de janeiro o presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo exige o cumprimento da liminar de reintegração de posse, expedida por Márcia Loureiro e, para garantir que a justiça federal não voltasse a interferir, requisitou a presença de Rodrigo Capez no momento da ação.

“Eu estava lá juridicamente com a tropa militar subordinada a mim, no exercício de uma delegação do presidente. Sendo que o poder jurisdicional de decidir era da juíza Márcia, e eu estava ali apenas numa posição administrativa”, explica.

Capez conta que por volta das 10h30 dois oficiais da justiça federal chegaram acompanhados do defensor público Jairo Salvador, com a ordem do desembargador Antonio Cedenho, para que suspendessem a operação.

“O coronel [Messias, comandante da operação] recebeu e ficou branco porque ficou com medo que sobre ele pesasse uma ordem de prisão por descumprimento de uma ordem federal. Por isso eu já estava ali para lhe dar um respaldo jurídico, e isso lhe deu  segurança. Eu assinei o mandado junto com ele”.

Os moradores entraram com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal. Em 24 de janeiro, o ministro Cezar Peluso nega a liminar, por entender que o pedido de mandado de segurança é inválido dentro das normas jurídicas.

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Luis Nassif

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