Será que os coronéis perderam a o pudor?, por Rogerio Maestri

Será que os coronéis perderam a o pudor?, por Rogerio Maestri

Ao se ver a foto de Dilma sendo julgada por um tribunal militar, se via em primeiro plano a nossa presidente altiva e de cabeça erguida com o ar de quem não se envergonhava por estar ali. Por outro lado, os oficiais que faziam parte do júri escondiam-se da foto propositalmente colocando papéis que encobriam a sua visão.

Pois durante a ditadura militar, um parente muito próximo foi julgado pela lei de segurança militar, por ter simplesmente pintado num muro frases como “Fora Rockfeller” e “Abaixo os USA”. Devido a este crime, ele e mais sua companheira da época estariam sujeitos a vários anos de cadeia fechada. No julgamento o advogado procurou demonstrar que o ato não havia sido uma afronta ao Estado brasileiro e tinham incorrido no máximo numa contravenção de dano a patrimônio privado, pois o muro pertencia a uma universidade privada que não havia movido uma palha para questionar ou reclamar este dano.

Como eles estavam sujeitos a um tribunal militar o júri era composto de um juiz togado e de dois ou quatro oficiais (não me lembro exato o número) do exército brasileiro que eram pegos aleatoriamente para compor esta corte militar.

O advogado, que tinha uma boa experiência de tribunais militares, advertiu desde o início que provavelmente o juiz togado, ou seja, um advogado que entrou na justiça militar para fazer parte da mesma, condenaria os réus, e que provavelmente os militares absolveriam. Ocorreu exatamente o previsto pelo advogado, os militares por maioria absoluta absolveram os réus e o juiz togado os condenaram, mas como o que valia era a maioria eles foram absolvidos.

Por uma das voltas que este mundo dá, muito tempo depois casei com uma pessoa que era sobrinha de um dos militares que tinham absolvido este meu parente. Este militar, quando o conheci, já estava na reserva como coronel, e pertencia aos corpos técnicos do exército. E ele numa das inúmeras reuniões de família se aproximou de mim se desculpando de ter participado daquela farsa. Como eu não sabia que ele era um dos militares que participou do júri, mas como eu sabia que todos tinham inocentado este meu parente, disse a ele que não havia o que pedir de desculpas, pois ele tinha sido justo, havia o inocentado.

Porém mais umas duas vezes, em outras reuniões de família, ele voltava ao assunto, até que sendo mais enfático falei para ele que não via nada de incorreto no que ele tinha feito. Neste momento ele me chamou a atenção que no quartel quando chegava alguém para escolher juízes para um tribunal militar, a imensa maioria dos oficiais faziam de tudo para sumir de cena e não participarem destes juris, principalmente porque tinham vergonha do papel a ser cumprido.

Como a minha família por parte de mãe era composta por vários militares de carreira, que sempre lutaram pela democracia desde o início do século XX, sendo que um de meus tios morreu lutando contra o fascismo na segunda grande guerra, via como natural que elementos das forças armadas tivessem um sentimento de justiça democrática na sua índole, logo ficou fácil acalmar o preocupado coronel que tinha aquilo como um peso nos seus longos anos que serviu ao exército brasileiro.

Em resumo, os coronéis ou mesmo de outras patentes que participavam dos julgamentos militares, muitos viam a sua participação como algo que manchava o seu currículo e ficavam literalmente com vergonha de participar destes eventos.

Nos dias atuais, vemos vários elementos das forças armadas em manifestações públicas dignificando torturadores e pregando ostensivamente regimes de força e truculentos. Isto representa uma perda do pudor, que havia durante o período da ditadura num número razoável de oficiais. Estes despudorados, que contam não com a bravura de meu tio que lutou contra o exército alemão, baseiam suas vontades antidemocráticas na mera situação que eles têm armas contra aqueles que não tem. Ou seja, vemos valentões que não teriam a mínima vergonha de se aproveitando de uma assimetria absoluta de forças, proporem prisões, maus tratos e até mortes a quem não tem condições de reagir.

Em resumo, será que trocamos nas nossas forças armadas envergonhados coronéis com sentimentos democráticos, por valentões de beco, que se prevalecem por possuírem fuzis?

 

Redação

3 Comentários

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  1. Basta olhar ‘pru’ judiciário

    Basta olhar ‘pru’ judiciário e ver como eles estão usando as leis. Quem não quer arrancar os seus 16,38%? 

  2. Agora está mais difícil

    Agora está mais difícil mesmo, caro Maestri. Que civil ou militar vai censurar um civil ou um militar por se alinhar às forças do capital estrangeiro? A “moda” não é mais defender a soberania nacional. Pelo contrário, especialmente entre a burguesia classe média, militares ou civis, a “moda” é entregar o país para a exploração estrangeira, pondo-se de candidato a gerente local (os menos agraciados) ou mudando-se para Portugal (os mais endinheirados ou com contatos).

    Defender a livre iniciativa privada como solução para o estado está, nesse momento de profunda infiltração do capital estrangeiro no nosso, apenas posar de nacionalista.

    Diria que o oficialato perdeu, além do pudor, a noção de cidadania, de patriotismo, de soberania nacional.

  3. Entre coronéis e vergonhas alheias.

    Olhem só: o perdão ou o resgate da sociabilidade do coronel se deram porque ele “absolveu” o réu, que não cometeu crime algum (ao menos não na dimensão do processe ao qual foi submetido), cujo tribunal militar NUNCA poderia estar julgando (pois era um tribunal ilegal porque estruturado a partir de um arranjo institucional derivado de um golpe), e pior, com a farsa tramada com a presença de um advogado.

    Então está tudo certo.

    Se por caso, a farsa jato virar de lado e passar a nos beneficiar, tudo bem.

    Os coronéis não perderam a vergonha, eles nunca tiveram.

    Já nós, além de sem-vergonhas, somos uns covardes.

    Repetindo: os coroneis bonzinhos e os apologistas de torturadores fizeram parte da mesma farsa golpista, como agora.

    Só não enxerga quem não quer ver. 

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