STF nega extradição de Salvador Siciliano e aprofunda dívida com Corte Interamericana, por Eugênia Gonzaga

Por Eugênia Gonzaga

Em março de 2015 escrevemos um artigo (https://jornalggn.com.br/noticia/lei-da-anistia-o-impasse-do-judiciario-com-a-corte-interamericana-por-eugenia-gonzaga) relatando que a própria CIDH, para além da condenação imposta ao Brasil em 2010, no caso relativo à Guerrilha do Araguaia,  concluiu, por meio de resolução (http://www.corteidh.or.cr/docs/supervisiones/gomes_17_10_14.pdf), que o Poder Judiciário brasileiro vem descumprindo as suas determinações.
Apesar disso, em todo esse período não tivemos avanços, especialmente, no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF). Ao contrário. Os embargos de declaração opostos na ADPF 153, julgada em 2010 contra a decisão da Corte, sequer foram analisados. Esses embargos foram apensados à  ADPF 250, que tem objeto similar, e ambos aguardam algum tipo de andamento. Ao menos em duas oportunidades, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, a Comissão sobre Mortos e Desaparecidos Políticos e a Comissão de Anistia, pleitearam ao STF, ao seu então presidente, ministro Ricardo Lewandowsky, e ao relator das ações, ministro Luiz Fux, a designação de audiência pública sobre o tema. Nenhuma providência foi adotada.

E no dia 20 de outubro de 2016, tivemos uma forte demonstração de que, se houver algum andamento a essas ações será no sentido de continuar descumprindo a sentença da CIDH.

Foi colocada em pauta, pela segunda vez, a Extradição n. 1362, requerida pelo governo da Argentina contra Salvador Siciliano,  já condenado por sequestros com violência e cárcere privado, ameaças, associação criminosa armada e homicídios, e que está foragido no Brasil. Tais crimes, cometidos durante perseguição sistemática do governo vigente à população argentina, foram considerados crimes de lesa-humanidade e, por este motivo, imprescritíveis e insuscetíveis de anistia.

Votaram a favor da extradição os ministros Edson Fachin (relator), Luís Roberto Barroso e Ricardo Lewandowsky. Porém, o ministro Teori, em voto divergente, posicionou-se contra a extradição e foi acompanhado pelos ministros Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Marco Aurélio. Para tais ministros, a despeito da condenação já ocorrida no outro país e do entendimento da CIDH, houve prescrição e a pessoa não pode ser extraditada. A ministra Cármen Lúcia pediu vista e o julgamento foi novamente suspenso, mas, se nenhum voto for alterado, a extradição será indeferida, pois já há, em favor da prescrição, votos da maioria do STF.

É o mesmo que dizer: agentes ou ex-agentes de Estado, autores de graves violações a direitos humanos, podem vir para o Brasil que daqui nenhum país cumpridor dos princípios da Justiça de Transição tirará vocês.

Por outro lado, está pendente de resposta pelo governo brasileiro, mais um pedido de informações da CIDH ao Brasil, desta vez no caso Vladimir Herzog, cujos responsáveis pelo seu assassinato nunca foram punidos, justamente por alegação de prescrição, e por isso o caso – levado pela ex-esposa Clarice Herzog à Comissão – foi admitido pela Corte.

Nosso país provavelmente vai responder genericamente que as buscas pelos corpos de desaparecidos políticos avançaram consistentemente nos últimos anos; que o Brasil já pagou indenizações pecuniárias; que novos espaços de memória e verdade foram construídos no período; que a Comissão Nacional da Verdade produziu recomendações importantes que estão paulatinamente sendo observadas; e que se  articula até a constituição de órgão de seguimento para os trabalhos da CNV e a apresentação de um pedido formal de perdão às famílias. Quanto a esta última providência, é preciso esclarecer que os familiares historicamente a recusam, justamente porque jamais foi produzida Justiça quanto aos crimes de que seus entes queridos foram vítimas. Portanto, quanto a esse tema, o país não terá o que responder.

Assim, com mais esse retrocesso na Justiça brasileira, negando a extradição de Salvador Siciliano com base em prescrição, o STF sela a sua posição contrária à da CIDH e tornará ainda mais difícil para o país se posicionar em suas já abaladas relações internacionais.

Eugênia Gonzaga é Procuradora Regional da República, presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos do Brasil

Redação

12 Comentários

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  1. Pior STF da história do Brasil “chuta” Constituição.

    Coerente esta decisão do STF com o momento político do país, de implantação paulatina de uma ditadura violentíssima. Também coerente com a decisão de revogar o princípio da presunção de inocência que representa a renúncia do STF em sua prerrogativa e dever de ser o guardião da Constituição.

    Creio que nas próximas manifestações contra os desmandos do Inominável Golpista, a palavra de ordem “abaixo a Ditadura” deverá estar sendo proferida pelos manifestantes.

     

  2. Quem deu autoridade pra

    Quem deu autoridade pra supreminho de merda e de quinta categoria brasileiro dizer quando “crime contra a humanidade” esta prescrito mesmo?????

    Isso nao eh acordo penal internacional, e mundial?!?!?!

    Alguem tem literatura a respeito???

  3. Forças ocultas

        Lendo esta matéria voltei no tempo, mais de 30 anos, recordei de pessoas simpáticas, mas nefastas, muito mais danosas que Siciliano, Gordon ou Della Chiae, mas sim de Gelli, Sindona, Ortolanni e do principal, na Argentina, ‘El Brujo” Lopez Rega, os da “Propaganda Due “, lembrei até da tentativa de contrabando de misseis Exocet durante a Guerra das Malvinas ( os misseis não vieram, mas o dinheiro desapareceu na Suiça ).

         Voltei para 2016 e reconheço o que há muito tempo me contaram, e cada vez mais creio, que certas estruturas de Poder podem ser feridas, abandonar o mainstream, submergir nas sombras, e que mesmo ocultas, após décadas, ainda se constituem fortes e atuantes.

          Quem quiser aprofundar-se no tema, procure, tem no google : P2 ( Italia, Argentina,Bolivia, Chile e Brasil ), Banco Ambrosiano, João Paulo I , Triple A ( Aliança Anticomunista Argentina ).

  4. Ué??

    Ele entrou ilegalmente no Brasil e foi preso aqui,  disse Luiz Eduardo Navajas, um agente da Polícia Federal Brasileira. “Ele foi capturado graças à cooperação intensificada durante a Copa do Mundo. “

    http://www.telegraph.co.uk/news/worldnews/southamerica/argentina/10945254/World-Cup-police-cooperation-leads-to-arrest-of-fugitive-from-Argentinas-dirty-war.html

    Resultado de imagem

     

    6:29AM BST 04 Jul 2014

     

    Enhanced international police cooperation during the World Cup has led to the arrest of a fugitive wanted for torture and murder during Argentina’s “dirty war” against leftists four decades ago, Brazilian authorities said on Thursday.

    Salvador Siciliano was a leading member of the notorious Triple A anti-communist death squad and is wanted in Argentina for the abduction, torture and murder of three people between 1973 and 1975, Brazilian and Argentine police officers said.

    Siciliano, in his mid-seventies, was arrested on Thursday morning in a house in Aruja, a town outside Sao Paulo. Procedures were pending for his extradition to Argentina.

    “He entered Brazil illegally and was hiding here,” said Luiz Eduardo Navajas, a Brazilian Federal Police officer. “He was captured thanks to heightened cooperation during the World Cup.”

    Mr Navajas did not provide details on what kind of cooperation led to the arrest. But he spoke at the International Police Coordination Center, where police forces from the 32 nations in the tournament are exchanging more information than usual to track security threats and criminals that might be in Brazil.

     

  5. Esse é o stf (associado?) que

    Esse é o stf (associado?) que nos contempla com olhos carniceiros: pronto a dar o bote em qualquer avanço civilizatório; pronto a bajular o primeiro rapa-vidas que se apresentar…

  6. Não tive estômago para terminar…

    …a faculdade de direito. A coisa mais nojenta da face da Terra são os “operadores” do Direito, piores que vísceras pútridas de abutres leprosos. Porém, lembro-me de alguns assuntos. Do primeiro ano não me esqueço que não deveria haver crime sem lei anterior que o definisse. 

    Atualmente temos a precedência do poder judiciário sobre os demais, seguido de perto pelo ministério público. Ao arrepio dos direitos e garantias individuais o devido processo é limitados apenas pelo orgulho e pela soberba de quem o preside. Sempre guiado pelos aplausos mequetrefes da claque orquestrada pelas famílias midiáticas. 

    Com pleno conhecimento do que ocorre no país causa-me espanto a postura da esquerda. Imagino eu o que poderá ocorrer no futuro próximo se a lei penal retroagir. Este repugnante pústula argentino, igual  a aquele coronel de idêntico passado e assim também nomeado, não vale absolutamente nada, mesmo assim apoiar que o seu caso seja julgado por leis posteriores aos fatos é temerário. Temos em plena ação o que setores negativos do direito chamam de direito penal do inimigo, o que não fariam se pudessem apadrinhar leis no presente para retornarem ao passado?

  7. Pensando

        Depois de certa idade, ao ler nomes que de a muito tempo acreditava esquecidos, mesmo ao ler uma manifestação de uma procuradora ( pessoas as quais tenho reservas ) sobre um assunto de extradição, cujo réu, mesmo sendo um assassino e torturador condenado, aliás em crimes que de acordo com a legislação internacional ( Haia ), são imprescritiveis, recordo que Siciliano foi um “peão” em um sinistro jogo, e que muitos personagens mais importantes que ele, ainda estão por ai, livres, leves e soltos, como por exemplo: Stefano della Chiaie ( procurem pelo nome ou pelo “Massacre de Ezeiza ” , a história desta “pessoa” dirá muito de como a “banda toca ” )

         Então após alguma taças de carmenère, volto a 2016, e transporto para hj. um perigo que poderemos encarar, o de uma democracia fragil, sendo acossada, sob dominio de pessoas frageis, as quais para se manterem no Poder, podem repetir o que já aconteceu em priscas eras, afinal é um fato, que boa parte do discurso corrente atualmente, nos remete a este passado, tipo : “vai para Cuba”, ” bando de comunistas”, ” intervenção militar é a solução” , e outras asneiras de um passado não recente, para alguns são atitudes que cheiram a naftalina ou a delirios, até mesmo como piada de mau gosto, MAS devemos perceber, ter consciência, que estas estruturas, estes esquemas, ainda estão por aqui, basta uma janela de oportunidade que eles ressurgem.

          O do porque extraditar um idoso, doente, de 74 anos, sejamos humanitários, vamos respeitar a idade dele, pois na condição que ele se encontra, brevemente morreria na cadeia, ou ele já pagou com o exilio, não representa mais ameaça.

          Nenhuma destas possiveis justificativas importam, um criminoso contra a humanidade, responde por seus crimes no coletivo, ele é um simbolo, extradita-lo, coloca-lo perante a justiça, não estaremos condenando apenas ele, a pena a ser cumprida, pouco importa o tempo, é um recado explicito aos que como ele cometeram este crime, não apenas ele é condenado, mas suas idéias e por consequencia a de seus comparsas, deixa-lo livre é concordar com que eles fizeram, não se passa a “mão na cabeça” de covardes, assassinos multiplos ideologizados.

           É como ainda ocorre na Europa, com referencia aos criminosos da 2a Guerra Mundial, alguns com mais de 80 anos – os mais novinhos – são condenados, cumprem pena, os julgamentos saem em todas as midias, não é por eles apenas, eles tambem são simbolos, ao condena-los e encarcera-los, não estamos individualizando, mas sim avisando, deixando claro que o Mundo civilizado não esquece os crimes que a ideologia deles cometeu.

     

     

     

  8. FMI e TV estatal francesa desmascaram Gilmar Mendes

    >>FMI e TV estatal francesa desmascaram Gilmar Mendes, por Romulus<<
     

     

     

    ROMULUS
     DOM, 23/10/2016 – 02:57
     ATUALIZADO EM 23/10/2016 – 03:34

    FMI e TV estatal francesa desmascaram Gilmar Mendes

    Por Romulus

    Gilmar Mendes parece ter tirado a semana para testar os (novos) limites deste Brasil pós-democrático (apud Wanderley Guilherme dos Santos).

    Num dia ataca juízes e procuradores, taxando-os de chantagistas – no que não discordo de todo!

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     (i) 20-10-16 – FMI e TV estatal francesa desmascaram ataque vil do Min. Gilmar Mendes ao programa de transferência direta de renda Bolsa-Família; (ii) Chico Buarque – “Apesar de  

     

    1. O STF do(s) Golpe(s): Vol. 2 – vamos ao cinema hoje?

      >>O STF do(s) Golpe(s): Vol. 2 – vamos ao cinema hoje?, por Romulus<<
       

       

       ROMULUS
       DOM, 23/10/2016 – 01:29
       ATUALIZADO EM 23/10/2016 – 03:32

      O STF do(s) Golpe(s): Vol. 2 – vamos ao cinema hoje?
      (série em 3 posts)

      Por Romulus

      – Quem poderia supor que o Pleno do STF era tão parecido com o clichê de uma escola secundária norte-americana, tantas vezes retratado no Cinema?

      Aquele mesmo: o high school arquetípico retratado naqueles filmes interminavelmente reprisados na Sessão da Tarde.

      – E, no final, uma pequena redenção. Porque sonhar – ainda – é permitido.
      E que não se condene de todo esse “ópio do povo”, o sonho. É, muitas vezes, a anestesia (relativa) que nos permite aguentar as chicotadas que tomamos sem enlouquecer. Se não chegar a dopar, provocando a inação, que mal tem?
       

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      1. O STF do(s) Golpe(s): Vol. 1 – que fazer com ele?

        O STF do(s) Golpe(s): Vol. 1 – que fazer com ele?, por Romulus
         

         

         ROMULUS
         SEX, 21/10/2016 – 12:29

        O STF do(s) Golpe(s): Vol. 1 – que fazer com ele?
        (série em 3 posts)

        Por Romulus

        – Mais do mesmo?
        Não… pior: menos ainda “do mesmo” – o inédito grau de genuflexão do Supremo diante das pressões externas.
        Pressões que sempre houve e que sempre haverá!

        – Chegar a Ministro do STF é, muitas vezes, a ambição de toda uma vida. Mas que tipo de ambição?
        Para que serve a cadeira aos olhos do ocupante?

        – Novos critérios de seleção para o cargo de Ministro: é hora de pensarmos em outros requisitos.
        Senão formais, ao menos para a fase discricionária de seleção de nomes para indicação pelo Executivo.

        LEIA MAIS »

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