Voto de Minerva é uma excrescência, por Janio de Freitas

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Jornal GGN – Dificuldade em caracterizar e punir responsáveis por trabalho semiescravo ou análogo à escravidão vem acompanhada pelo desprezo com o sofrimento alheia, com a desgraça humana. É o que diz Janio de Freitas em sua coluna de hoje, na Folha. O articulista coloca o ato de dispensar agravante como de torpeza, de indignidade pessoal só possível no mais baixo nível da escala humana. E aí vemos Michel Temer e seus agrados à bancada ruralista para fugir do processo criminal que o ronda e ameaça.

Daí vamos para a outra parte desta questão. Cármen Lúcia, ministra do STF, foi o voto de Minerva na questão ‘Aécio Neves de volta ao Senado’. O Senado calou o Supremo por 44 votos. Mas Minerva se tornou o desencontro do Brasil atual, quando os desempates incidem em causas de muita relevância. Cármen Lúcia, com seu poder de Minerva, ampliou o alcance da lei da Ficha Limpa, incluiu impedimento para atos anteriores à Lei, mesmo diante do princípio de que lei não retroage.

Mas não é só, o tema é muito mais amplo. Voto de Minerva assume o poder de decisão absoluto, não importando o saber, a lucidez e a integridade de quem decide, aponta Janio. E está na hora de Minerva descansar.

Leia a coluna a seguir.

da Folha

Usado em três julgamentos recentes, voto de Minerva é uma excrescência

por Janio de Freitas

A decisão de tornar mais difíceis a caracterização e a punição do trabalho semiescravo ou análogo à escravidão origina-se em um desprezo sórdido pelo sofrimento alheio, pela própria desgraça humana. Não foi o suficiente para dispensar um agravante: esse ato de torpeza absoluta é em benefício próprio, comprovando uma indignidade pessoal só possível no mais baixo nível da escala humana. O de Michel Temer e sua decisão para assegurar-se mais votos da bancada ruralista, contra o processo criminal que o ameaça.

ELA E ELE

A ministra Cármen Lúcia, tudo indica, foi a personagem mais citada pelos revoltados com a volta de Aécio Neves ao Senado. O “cala a boca já morreu” dos senadores não precisou omitir o complemento, como o de Cármen Lúcia, que pressentidamente omitiu em voto passado o “quem manda aqui sou eu”. Até prova em contrário, se houver quem a dê, manda o Senado. Sejam quais forem as deduções que o Supremo faça da sua experiência de emudecido por 44 senadores, é improvável que aborde, mesmo de raspão, um ponto essencial no presente episódio.

Dentre os desencontros do Brasil atual, o dos magistrados tem a importância própria da função. Os desempates e quase empates tornam-se mais frequentes e incidem sobre causas de relevância especial, nas circunstâncias de divergência generalizada. O voto de Minerva —essa deusa esquisita, adaptação romana da grega Atena, com atenções contraditórias nas artes e no comércio— teve adoção recente em três julgamentos de temas influentes na vida nacional. Dois deles, só na primeira quinzena deste mês.

Por 6 a 5, portanto com o voto de Minerva de Cármen Lúcia, o Supremo tomou a polêmica decisão de ampliar o alcance da Lei da Ficha Limpa. Incluiu no impedimento de candidaturas atos anteriores à lei, quando se tem como princípio do direito brasileiro, e não só dele, que a lei não retroage. Essa decisão tem influência grande na preparação partidária de eleições, em reeleições parlamentares e em candidaturas novas.

No Tribunal Superior Eleitoral, os trabalhos e discussões em torno da última campanha de Dilma-Temer atravessaram dois anos. Duas nomeações de ministros novos, feitas por Temer, levaram com facilidade ao empate. Logo, ao voto de Minerva. De quem? Gilmar Mendes, de posição já conhecida por entrevistas suas, como pela apontada assessoria a Temer.

Agora, com novo 6 a 5, resultado do voto de Minerva outra vez de Cármen Lúcia, acrescenta-se à crise mais um tempero forte, com a oposição Senado/Supremo. É insensato que causas assim graves sejam decididas por um voto. O de Minerva é multimilenar, sendo o nome latino de um voto no que teria sido o primeiro julgamento formal —de um Orestes com menos sorte do que o enriquecido homônimo paulista. Mas o tempo não é habeas corpus contra reflexões e reconsiderações.

Já feitas, por sinal, onde menos seriam esperáveis. Levantamentos recentes sobre os grupos de Fernandinho Beira-mar, Nem, Marcola e outros têm impressionado por sua organização, mas, sobretudo, pela inteligência e criatividade nela presentes. Decisões maiores (e julgamentos em certos casos), por exemplo, são definidas por conjunto de opiniões. Número ímpar de opinantes, portanto, para o eventual voto de Minerva. Não, não. Número par. Por uma percepção extraordinária: se há empate, o assunto não está em ponto de decisão, precisa ser estudado outra vez. Tão lógico, tão simples, tão verdadeiro. E tão forte para derrubar uma pretensa sabedoria histórica.

O voto de Minerva é uma excrescência: assume o poder de decisão absoluto, na invalidade mútua de todos os demais, não importam o saber, a lucidez e a integridade de quem decide. Ainda antes da era falsamente cristã, o persa Cambises preocupou-se com julgamentos inconvincentes. Ocorrido mais um, demitiu o juiz, que desapareceu. Ao assumir, o substituto recebeu uma informação: o seu assento está forrado com a pele do juiz que errou.

A solução talvez seja um pouco exagerada, mesmo para estes dias de furiosos. Mas Minerva, com tantos anos e culpas nas costas, precisa descansar.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

8 Comentários

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  1. Não me surpreendo com mais

    Não me surpreendo com mais nada nos dias de hoje.

    Mas de uma coisa tenho certeza, a LEI DE CAUSA E EFEITO, (mais conhecida como LEI DE RETORNO) nos atinge a todos, para o BEM ou pelo MAL.

    Plantar e Colher, para tudo tem sua hora. Para mim como para todos os seres viventes.

  2. Discordo. O problema do STF é

    Discordo. O problema do STF é que Carmem Lúcia faz “parvulis despicatisque ob fibrarum inspectionem” na CF/88 sempre que vota.

  3. Cambises, o sábio.
    Nesses
    Cambises, o sábio.
    Nesses tempos modernos, entretanto, a regra tem sido sempre esfolar a pele de nós, cidadãos comuns, pobres mortais.
    De todo modo acho que Dona Carmen não tem pele suficiente para cobrir aquela cadeira larga de onde preside a casa.

  4. Algo está muito errado, ou no STF, ou na constituição brasileira

    Se a função dos ministros é interpretar a constituição, seria de se esperar que, sempre, a grande maioria deles tivessem o mesmo voto. Ou seja, empates seriam situações absolutamente improváveis, raríssimas. (não fosse assim, não faria sentido haver duas “turmas” no STF)

    Do que vem acontecendo, decorrem duas possibilidades: a) os ministros “interpretam” a constituição de maneira questionável; b) nossa constituição é uma maluquice, o que permite que seja interpretada de uma forma por metade das pessoas, enquanto a outra metade pensa exatamente o contrário.

    Imaginemos se assim ocorresse, por exemplo, na medicina: se, frequentemente, metade dos médicos tivessem um diagnóstico sobre exames de um paciente e outra metade tivesse opinião exatamente contrária. Seria possível com 2 médicos dando o seu diagnóstico, mas certamente não com 10 médicos. Seria o caos, porque seríamos lançados num universo de incertezas apavorante.

    Diferentemente de questões de saúde, entretanto, decisões do SFT não nos afetam tão direta e imediatamente. Por isso, talvez, nos conformamos tão facilmente com essas barbaridades.

    1. algo….

      O texto de Jânio mostra o porque desta aberração. Ainda não temos Estado. Cada Governo, cada ciclo um Estado Brasileiro novo. Por que rotular um Trabalho Degradante a Trabalho Escravo? Apenas para ligá-lo às Atvidades Agropecuárias ou deteminada Bancada do Congresso? Para ideologizar e partidarizar um tema que deveria ser Política de Estado? O Espetáculo do Trabalho Escravo, mostrando porteiras sendo arrebentadas, gente sendo liberta, fazendeiros sendo presos, arrastados algemados, jogados em camburões, divulgados Mundo afora. Barbárie sendo associada ao Agronegócio Brasileiro, serviu muito bem aos interesses internacionais concorrentes da nossa indústria e setor econômico mais atuante. Nacional e Internacionalmente. OPA !!! Mas quando o mesmo tema TRABALHO ESCRAVO, chegou nos grandes centros, cidades administradas há décadas por esta ideologia acusadora, comandadas por PT, PSDB ou outro partido progressista, de esquerda, socializante, então TRABALHO ESCRAVO virou trabalhos análagos, semelhantes, com caracteristicas. No máximo Condições Degradantes. Sumiram dos noticiários, caras, senzalas, Capitães do Mato, estrebarias onde funcionários eram mantidos. Sumiram da Mídia Internacional. Afinal quando Marcas Famosoas, que gastam milhões de dólares, e são vendidas em Shoppings caros e Lojas Finissimas, querem se ver expostas ao lado de cadávares em Bangladesh, Laos, Birmania, Filipinas…Soterrados em Oficinas de Costura que ruiam com estruturas apodrecidas. Ou Bolivianos, peruanos nestas mesmas Oficinas de Costura, escondidos em subsolos nos Bairros do Pari, Bom Retiro, Santa Ifigênia, Brás, embaixo das casas, escritórios e gabinetes de Lula, Haddad, Erundina, Serra, Alckmin, FHC, Marta, Dória. Ou nas Obras Públicas de Mega Usinas Hidrelétricas ou Metrô de SP…Então TRABALHO ESCRAVO sumiu da Imprensa.  Voltou agora para ser associado à Bancada Ruralista  Interessante. Por que será? O Brasil é de muito fácil explicação. 

  5. “…mais baixo nível da escala humana.”

    Janio de Freitas é preciso sobre a questão da portaria sobre o trabalho escravo. O pior é que Temer não é um capitulo à parte no sistema politico. Ele reflete todo um mundo politico de espoliadores que vivem usando a politica em beneficio proprio. Nisso, o STF esta ficando parecido.

  6. Simples , caro Jânio

    O partidarismo tomou conta de juizes de 1ª até juízes do Supremo. O nível é o mesmo : ser contra o presidente nordestino e o partido dele, e sempre a favor daqueles que tem um diplominha, mesmo que comprado na faculdade da esquina, ou sobrenomes surrupiados da família – Cunha que virou Neves. PT saudações .

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