Eleição palestina: fragmentação é o novo padrão e não há saída de curto prazo, afirma especialista

Com a atual postura de Israel, que não aceita a solução de dois Estados para dois povos, nem vai acabar com o apartheid, Beaklini acredita que a fragmentação é o novo padrão na política palestina e que não tem uma saída de curto prazo.

© AP Photo / Adel Hana

da Sputnik Brasil

Eleição palestina: fragmentação é o novo padrão e não há saída de curto prazo, afirma especialista

Após o adiamento das eleições parlamentares palestinas e a recondução de Ismail Haniyeh na liderança do Hamas, Sputnik Brasil conversou com Ualid Rabah, presidente da Federação Árabe Palestina do Brasil, e Bruno Beaklini, cientista político, sobre o panorama político da Palestina.

O movimento islâmico palestino Hamas que controla a Faixa de Gaza confirmou na segunda-feira (2) a reeleição sem oposição de seu líder Ismail Haniyeh. Antigo assessor do fundador do Hamas, Ahmed Yassin, assassinado em um ataque aéreo israelense em 2004, Haniyeh tem vivido no exílio nos últimos anos. Eleito como líder do grupo islâmico em 2017, vive entre a Turquia e o Catar desde 2019.

Por outro lado, as eleições parlamentares palestinas que estavam marcadas para maio e as eleições presidenciais que deveriam ter ocorrido em julho foram adiadas indefinidamente em 29 de abril pelo presidente palestino Mahmoud Abbas devido a preocupações sobre a capacidade dos palestinos de votar em Jerusalém Oriental.

A Sputnik Brasil conversou com Ualid Rabah, presidente da Federação Árabe Palestina do Brasil (FEPAL), e Bruno Beaklini, cientista político e professor de Relações Internacionais, sobre as eleições parlamentares palestinas e alguns dos candidatos à Presidência.

‘Era imperioso cancelar as eleições’

O presidente palestino Mahmoud Abbas culpou Israel pelo adiamento da eleição parlamentar. De acordo com o presidente da Autoridade Palestina, Tel Aviv não deixou claro se permitiria que a eleição legislativa ocorresse em Jerusalém Oriental, na Cisjordânia ocupada e em Gaza.

Apoiadores do Hamas agitam bandeiras islâmicas verdes durante comício em solidariedade aos companheiros palestinos em Jerusalém e contra a decisão do presidente palestino Mahmoud Abbas de adiar as eleições palestinas. Foto de arquivo

© AP PHOTO / ADEL HANAApoiadores do Hamas agitam bandeiras islâmicas verdes durante comício em solidariedade aos companheiros palestinos em Jerusalém e contra a decisão do presidente palestino Mahmoud Abbas de adiar as eleições palestinas. Foto de arquivo

Ualid Rabah afirma que sem Jerusalém, nenhum palestino sério pode conceber eleições na Palestina, uma vez que significaria renunciar à soberania de Jerusalém e de seus distritos.

“Diferentemente das eleições passadas, com todos os problemas que sempre houve, nesta nem sequer campanha dos candidatos e dos partidos palestinos foi possível fazer em Jerusalém. Ou seja, está claro que o processo continuado de tomada integral de Jerusalém, de sua judaização, de sua despalestinização e, consequentemente, o processo continuado de limpeza étnica, bem como sua integral descristianização e desislamização, estaria do lado palestino sendo reconhecido realizando as eleições. Era imperioso cancelar essas eleições”, garante o presidente da FEPAL.

Rabah recorda que há aproximadamente 150 mil palestinos residentes em Jerusalém aptos a votar.

Candidatos favoritos

Entre os principais candidatos para sucederem a Abbas na liderança do movimento de resistência palestino estão Salam Fayyad, ex-primeiro-ministro da Autoridade Palestina e Mohammed Dahlan, ex-chefe de segurança do Fatah que vive no exílio nos Emirados Árabes Unidos (EAU), e o líder do Hamas, Ismail Haniyeh.

Palestino carrega retrato do ex-chefe de segurança do movimento Fatah, Mohammed Dahlan, no sul da Faixa de Gaza. Foto de arquivo

© AFP 2021 / SAID KHATIBPalestino carrega retrato do ex-chefe de segurança do movimento Fatah, Mohammed Dahlan, no sul da Faixa de Gaza. Foto de arquivo

Bruno Beaklini afirma que muitos acreditam que Mohammed Dahlan é um agente de inteligência de Israel ou de alguma monarquia do Golfo, incluindo o EAU.

“Eu não vejo Mohammed Dahlan sendo aceite nem pela Fatah. Ele é considerado um traidor, embora tenha sido habilitado para disputar as eleições. Se a [revista norte-americana] Foreign Policy […] estiver correta, ele é um dos grandes operadores dos Acordos de Abraão e é totalmente aceite dentro do status quo israelense […]. [Um governo liderado por ele] vai ser visto como um governo de ocupação”, comenta o especialista.

O cientista político acredita que talvez o sucessor mais factível de Abbas seja Salam Fayyad, que conta inclusive com o apoio do presidente palestino e é o “queridinho do Ocidente”.

O então primeiro-ministro palestino Salam Fayyad participa de reunião do gabinete do governo palestino na cidade de Ramallah, na Cisjordânia. Foto de arquivo

© AP PHOTO / MAJDI MOHAMMEDO então primeiro-ministro palestino Salam Fayyad participa de reunião do gabinete do governo palestino na cidade de Ramallah, na Cisjordânia. Foto de arquivo

“[Fayyad] está em sintonia absoluta com FMI [Fundo Monetário Internacional], Banco Mundial, OMC [Organização Mundial do Comércio], com os grandes capitais que circulam no eixo Nova York, Londres […]. Fayyad me parece um reprodutor de teses econômicas conservadoras no Ocidente”, sentencia o professor de Relações Internacionais.

Para Bruno Beaklini, um governo palestino pró-Israel seria uma mescla de Dahlan com Fayyad ou Fayyad como presidente e Dahlan de bastidores, “coisa que o Fatah não admiraria, no meu entendimento”.

O especialista afirma que o Hamas sozinho não assume o poder porque, assim como a Autoridade Nacional não consegue fazer um governo sob ocupação, o Hamas sozinho não teria condições de garantir o mínimo de impacto político.

Líder do movimento islâmico palestino Hamas, Ismail Haniyeh, dirigindo-se a apoiadores durante comício. Foto de arquivo

© AFP 2021 / KARIM JAAFARLíder do movimento islâmico palestino Hamas, Ismail Haniyeh, dirigindo-se a apoiadores durante comício. Foto de arquivo

Com a atual postura de Israel, que não aceita a solução de dois Estados para dois povos, nem vai acabar com o apartheid, Beaklini acredita que a fragmentação é o novo padrão na política palestina e que não tem uma saída de curto prazo.

“Talvez a fragmentação seja o reflexo de para onde vamos e aí criar uma instituição de diálogo e de governança seja o mais próximo de um autogoverno do que um governo formal que não pode governar”, conclui.

Resolver a questão palestina

Após 13 anos com Benjamin Netanyahu no poder, Naftali Bennett assumiu como primeiro-ministro de Israel em junho deste ano. Ualid Rabah, todavia, não acredita que exista há possiblidade de uma retomada das negociações de paz com o novo premiê.

Presidente de Israel, Reuven Rivlin, sentando entre o primeiro-ministro Naftali Bennet e o chanceler Yair Lapid, na foto com ministros do novo governo de Israel, Jerusalém, 14 de junho de 2021

© REUTERS / RONEN ZVULUNPresidente de Israel, Reuven Rivlin, sentando entre o primeiro-ministro Naftali Bennet e o chanceler Yair Lapid, na foto com ministros do novo governo de Israel, Jerusalém, 14 de junho de 2021

“Estamos diante de um novo gerente do apartheid, o novo gerente do genocídio, da limpeza étnica […]. É um erro crer que a solução da ocupação virá de Israel. Ela virá da resistência palestina, até mesmo da resiliência palestina, da inteligência, da capacidade de alcançar unidade nacional, que implica em reconciliação, governo de unidade nacional, evidentemente saído de um processo eleitoral em todos os níveis, reorganização e revitalização da OLP [Organização para a Libertação da Palestina] e seu conselho nacional e, finalmente, a unificação da resistência. Ou seja, um comando comum para a resistência palestina”, sentencia.

O presidente da FEPAL também destaca a importância da pressão internacional, ressaltando que a comunidade internacional precisa se convencer de que a questão palestina precisa ser resolvida com o Estado palestino com Jerusalém oriental sua capital. E para isso é fundamental que os EUA revejam suas posições.

“É possível que essa nova realidade dos EUA, que não é exatamente [a do presidente Joe] Biden, mas de uma democracia multiétnica, que pela primeira vez começa a romper o monopólio do lobby sionista nos EUA […] que se realiza para defender interesses estrangeiros e às vezes até mesmo antagônicos aos interesses dos EUA, já que opunha os EUA a quase totalidade do mundo para os interesses de Israel”, contextualiza Ualid Rabah.

Ele acrescenta que este momento da política norte-americana parece ocorrer uma mudança, com novos atores, que estão dando novas cores multiétnicas a essa democracia.

A deputada norte-americana Radshida Tlaib, cuja avó mora nos subúrbios de Ramallah, cidade palestina na Cisjordânia. Foto de arquivo

© AP PHOTO / ANDREW HARNIKA deputada norte-americana Radshida Tlaib, cuja avó mora nos subúrbios de Ramallah, cidade palestina na Cisjordânia. Foto de arquivo

“É muito provável que essa realidade é que esteja produzindo novos efeitos. Acreditamos que em virtude dos maléficos promovidos à Palestina pelo governo [do ex-presidente norte-americano Donald] Trump, há a probabilidade desse governo, por exemplo, permitir a representação da OLP em Washington, o que é muito importante”, pondera.

Além disso, Ualid Rabah defende que os EUA precisam permitir que o povo palestino promova eleições livres e democráticas em todo o território palestino reconhecido internacionalmente.

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Redação

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