Maierovitch mostra na CPI um Brasil que tinha tudo para ser exemplar na pandemia, mas não foi

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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País tinha sistema de resposta a pandemias instalado desde 2014. Falta de plano de Bolsonaro, na verdade, revela que o plano era não fazer nada em busca da imunidade de rebanho

Foto: Agência Senado

Jornal GGN – Em 2019, um estudo feito pela Universidade Johns Hopkins mostrava o Brasil no 22º lugar no índice global de segurança em saúde, que avalia as diferentes dimensões da preparação e organização de um País para responder a possíveis ameaças em saúde pública. Os EUA ocupavam neste hanking o primeiro lugar. A China estava dezenove posições abaixo do Brasil, em 41º. No mesmo estudo, no quesito resposta rápida ao alastramento de pandemias e mitigação, o Brasil ficou em 9º lugar no mundo. Mas a liderança fracassada de Jair Bolsonaro empurrou o Brasil para o último lugar, entre 98 países analisados, em um estudo australiano sobre a resposta à pandemia de coronavírus, divulgado em 2020. O que aconteceu?

Desde 2014 o Brasil dispunha de um “plano mestre de resposta a emergências em saúde pública” pronto, com ações pré-definidas para que as decisões governamentais fossem tomadas com velocidade. Médico sanitarista, ex-presidente da Fiocruz, da Anvisa e ex-diretor do Ministério da Saúde com participação no enfrentamento ao zika vírus, Cláudio Maierovitch esmiuçou todo o preparo de anos da Pasta e do sistema de saúde, que poderia ter sido um diferencial na crise sanitária do século. O que aconteceu?

No começo da pandemia, o Brasil de Jair Bolsonaro e os Estados Unidos de Donald Trump estavam juntos num conjunto de países sob lideranças negacionistas e que resistiram à imposição de medidas de contenção da pandemia, como Boris Johnson (Reino Unido) e Alexander Lukashenko (o presidente da Bielorrússia que dizia que vodka e sal poderiam resolver tudo). Ao longo da crise, vários líderes foram revendo sua posição. Johnson, que inicialmente falava em isolamento vertical, após ter sido afetado e internado pela doença, decidiu dar ouvidos à ciência. Trump saiu para dar lugar a Joe Biden, que priorizou a vacinação em massa.

Mas Bolsonaro, que protelou ao máximo a compra de vacinas, permanece no campo do negacionismo. Não quis coordenar o enfrentamento nem lançar mão da estrutura que estava pronta. Não ter plano, na verdade, é revelador de que o plano era justamente deixar a doença correr solta, diz Maierovitch.

O médico sanitarista resumiu tudo que foi descartado por Bolsonaro:

– O Sistema Único de Saúde, que deveria captada, tratar e acompanhar todos os casos de covid-19, particularmente através da estratégia da Saúde da Família, que tem equipes de profissionais que conhecem a realidade de cada região onde atuam

– O papel da Anvisa, uma das agências reguladoras mais bem estruturadas do mundo, nas ações de controle em pontos de entrada no país no começo da crise, na fiscalização de insumos e itens de segurança para os profissionais de saúde, na orientação à população, etc

– A rede de laboratórios em saúde pública e de pesquisa que já estava preparada. O Brasil dispõe de laboratórios públicos de produção de medicamentos invejáveis no mundo

– O Programa Nacional de Imunizações (PNI), que vai completar 50 anos de vida, também tido como exemplar no mundo inteiro, e que oferece gratuitamente todas as vacinas recomendadas pela OMS, para todas as faixas etárias da população. Ao contrário disso, o PNI na pandemia de covid é “pífio”. “Não tem critérios homogêneos para todo o País, cada estado e município define seus próprios critérios. Frente uma pandemia dessa natureza e com as escassez de recursos, isso deixa de ser democrático para produzir inequidades na medida em que é difícil para os gestores locais e estaduais gerenciar diferentes critérios da vacinação.”

– Planejamentos específicos como treinamento em epidemiologia e serviço em saúde. A Fiocruz neste momento, por exemplo, está formando 800 pessoas em especialização em epidemiologia de campo, para respostas à pandemia. Sob Bolsonaro, não houve treinamento para vacinação, algo inédito e que deixou muitas pessoas sem informação sobre a data de retorno e a importância da segunda dose

– O Brasil tem estruturas de referência em formação, tanto nas universidades como instituições próprias de governo – como a Fiocruz. Tem estrutura de comunicação que orientar a sociedade. “No entanto, mesmo com tudo isso, o que vimos desde o início da crise foi a inexistência de um plano, de coordenação nacional de resposta à pandemia.”

O que poderíamos ter tido desde o início? “Em primeiro lugar, a presença do Estado com um plano de contenção”. Isso significa preparação para barreira sanitárias, para detecção rápida, testagem, isolamento e rastreamento de contatos e casos. Planejamento em relação a insumos (oxigênio, kit intubação, EPIs, profissionais, etc). “Coordenação na Saúde, interministerial e coordenação nacional.” Nada disso vimos acontecer. “A única coordenação que teve foi para cassar a responsabilidade do Ministério da Saúde na medida em que se constituíram grupos de fora da Saúde para desautorizar”, disse, em alusão ao chamado gabinete paralelo.

Tampouco tivemos coordenação na resposta social e econômica. A principal forma de permitir às pessoas que adotassem o isolamento físico – o auxílio emergencial – foi mantido até o final de 2020. Depois, não houve qualquer auxílio por alguns meses; pelo contrário, houve incentivo para que as pessoas voltassem à vida normal. Retomaram o auxílio mais de quatro meses depois, sem valor expressivo, portanto, ineficiente para sustentar o pilar do distanciamento social.

Faltou também coordenação de um plano econômico, fosse para direcionar a produção nacional para garantir insumos, fosse para manter renda e emprego para as pessoas.

Não tivemos plano para compra de vacinas e, pior, “assistimos estarrecidos a um desestimulo oficial a que um grande laboratório nacional assumisse a produção de vacinas. Certamente o cenário seria muito diferente se tivesse uma política oficial de busca, não apenas para compra de imunizantes, mas buscar acordos para produção nacional. Certamente o Butantan poderia ter agido mais rápido, e com mais pujança, com uma produção mais relevante e até acelerando seus estudos.”

A diplomacia funcionou no sentido inverso, negando vacina de países que eram próximos ao Brasil por causa dos BRICS, particularmente a China.

Não teve investimento em atenção básica. Perdemos agentes de saúde, enfermeiros, médicos. Basta lembrar o que fizeram com o programa Mais Médicos, por causa de ideologia política.

“Tudo isso poderia ter sido evitado. Poderíamos estar em outro patamar. Alguns estudiosos, como o professor Pedro Halal, da Universidade de Pelotas, chegaram a estimar o número de mortes que poderiam ter sido evitadas se algumas dessas coisas tivesse sido utilizadas, e são dezenas de milhares de mortes, em estimativas conservadoras.”

“Por fim”, disse Maierovitch, “fico impressionado e acompanho a impressão, traduzida por estudo da Faculdade de Saúde Pública, de que a aparente inexistência de um plano [do governo federal] na verdade revela a existência de um plano” para “que a doença se espalhasse”.

Contrário ao termo “imunidade de rebanho”, Maierovitch finalizou dizendo que o Brasil foi tratado mesmo como um País de animais, enquanto o governo Bolsonaro persistia na busca pela imunidade coletiva, ao invés de acatar o que dizia a ciência.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

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