Não vejo refluxo do autoritarismo no Brasil, mas uma grande turbulência social a caminho, diz Boaventura à TVGGN

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Pandemia mostra importância do Estado forte, mas crise é insuficiente para acabar com o neoliberalismo. Haverá ataques a direitos civis e políticos após a retirada dos direitos econômicos e sociais

Jornal GGN – O Brasil caminha para uma “turbulência social” catalisada pelas políticas neoliberais do governo Bolsonaro e os efeitos da pandemia do novo coronavírus. É o que avalia o jurista Boaventura de Sousa Santos em entrevista exclusiva ao jornalista Luis Nassif, na TVGGN (assista abaixo).

Autor do recente livro “O futuro começa agora: da pandemia à utopia”, Boaventura não acredita que o Brasil seguirá o caminho do “aprendizado” após atravessar a maior crise sanitária do século. Mesmo com a pandemia mostrando a importância e necessidade de um Estado forte agindo em favor das massas, as forças neoliberais não sairão de campo facilmente.

Ao contrário disso, elas tendem a produzir mais arrocho com a concentração de renda e esvaziamento dos serviços sociais, e respostas mais violentas a eventuais convulsões sociais. Em países com “regimes totalitários – e o Brasil é um bom exemplo disso, é hoje um sistema híbrido, com uma parte legal e uma parte ditatorial e protofascista – aproveitam a pandemia para aprovar leis ainda mais autoritárias. Este é o cenário, e não estou prevendo refluxo, mas uma grande turbulência.”

Para Boaventura, estamos assistindo de camarote a uma “mudança de época”. “O modelo de democracia liberal vive uma tensão entre a soberania popular e os direitos sociais e a acumulação do lucro fácil. Por algum tempo, as políticas de Estado conseguiam equilibrar a tensão com uma tributação forte que conseguia fazer alguns investimentos sociais para minimizar os custos das crises, atenuar os conflitos e permitir a sobrevivência dos serviços públicos. (…) Hoje, com o neoliberalismo, isso cai. As empresas em nível multinacional pagam zero impostos [em comparação com o faturamento]. A democracia perde força na luta contra o capitalismo”, diz.

A incompatibilidade entre o princípio democrático da inclusão e o capitalismo rentista está erodindo a democracia liberal em alguns países. Na Colômbia, que está em chamas, isto é visto com maior clareza. Ali, o “fim do neoliberalismo será violento”. “Quando eu digo ‘fim do neoliberalismo’, não quer dizer que o neoliberalismo vai terminar, mas que vai entrar em uma fase muito mais violenta. O que se vê no Brasil é realmente isso. Não se ataca só os direitos sociais e econômicos. Agora os direitos à livre expressão, direitos dos partidos, a manipulação da opinião pública, a intimidação, o lawfare… é atacar direitos cívicos e políticos. Quando se chega a esse ponto, eu penso que a democracia não tem grandes chances de sobreviver.”

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

2 Comentários

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  1. Independentemente de pandemia, o ponto central de qualquer projeto de retomada econômica é o trabalho. E, novamente, independentemente de pandemia, o entrave que se coloca a esse ponto central é a tecnologia.
    Praticamente toda minha vida profissional passou-se em escritórios, na área administrativa; toda minha atividade profissional, durante toda a minha vida, pode, hoje, ser realizada por algoritmos.
    A solução apontada é empreender, ou reciclar-se; este último, também conhecido por “reinventar-se”, ressignificar”, dentre outros termos altamente criativos com que somos brindados, todos os dias, pela Mídia Corporativa e suas agendas positivas.
    No entanto, não é apenas a minha antiga área de atuação que está sob assédio do substituto tecnológico; todas estão, e todas as atividades laborais humanas estarão, no futuro, sujeitas a caírem nas mãos (sic) do algoritmo.
    E, uma vez sem trabalho, sem renda.
    E, sem renda, sem nada.
    Mesmo que um novo Roosevelt surgisse (Joe Biden? Kkkkkkkkk), não haveria mais como mandar uma turma diurna de trabalhadores cavar buracos, e uma noturna para tapá-los; as estradas serão todas virtuais.
    Repito que esse é o mais sério problema que se coloca no caminho da humanidade desde 1945, desde que descobrimos que podemos destruir esse mundo apertando um botão. Isso se um vírus não fizer o serviço antes. E ninguém dá a mínima.
    Genocídio não é só matar. É deixar morrer. E é isso que será feito, com pandemia ou não. A distopia virá. Se é que já não está entre nós.

  2. Verdade absoluta
    Tempo de trevas, sem emprego, sem renda, como as famílias sobreviverão?
    Impressionante a maldade humana.

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