Vítimas de covid-19 e familiares se organizam contra Bolsonaro

Tatiane Correia
Repórter do GGN desde 2019. Graduada em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), MBA em Derivativos e Informações Econômico-Financeiras pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Com passagens pela revista Executivos Financeiros e Agência Dinheiro Vivo.
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Associação fundada em Porto Alegre aciona PGR contra presidente por ações que levaram a mais de 470 mil vidas perdidas até o momento

Gustavo Bernardes, advogado e presidente da Associação de Vítimas e Familiares de Vítimas da Covid-19 (Avico Brasil). Foto: Arquivo Pessoal/Gustavo Bernardes

Jornal GGN – A pandemia de covid-19 levou mais de 470 mil vidas até o momento, mas familiares e vítimas estão encontrando no luto força para se mobilizar contra as autoridades que levaram a tal situação.

Um exemplo de mobilização é a Associação de Vítimas e Familiares de Vítimas da Covid-19 (Avico Brasil), fundada na cidade de Porto Alegre em abril de 2021 pelos advogados e ativistas Gustavo Carvalho Bernardes e Paola Falceta.

“Vi um documentário que falava sobre a covid-19, e falava de uma associação para as vítimas montada na Itália. Isso ficou na minha cabeça”, disse Bernardes, em entrevista ao Jornal GGN. “Uma amiga perdeu a mãe para a covid-19, e ela sabia que eu militava no movimento LGBTQIA+, e propus a organização de uma associação. Ela topou na hora. Chamei mais três amigos, e a Avico começou com cinco pessoas”.

A partir dali, teve início o trabalho de organização e a oficialização da entidade em abril, com 20 sócios fundadores. “A gente não estava esperando a repercussão, começou a surgir gente de todos os lados. Hoje, estamos com quase 100 voluntários divididos em grupos de trabalho dentro dos temas que queriam trabalhar”.

No último dia 08, a associação protocolou no site da Procuradoria Geral da República (PGR) uma representação criminal contra o presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, por negligência em relação à pandemia. Esta foi a primeira ação coletiva de vítimas e seus familiares no Brasil.

A Avico requer que a PGR ofereça denúncia contra Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal pelos crimes previstos nos Artigos 132 (“Perigo para a vida ou saúde de outrem”), 257 (“Subtração, ocultação ou inutilização de material de salvamento”), 268 (“Infração de medida sanitária preventiva”), 315 (“Emprego irregular de verbas ou rendas públicas”) e 319 (“Prevaricação”), todos do Código Penal.

“A partir das demandas de familiares sobre o governo federal, começamos a construir desde o começo uma representação criminal, finalizada em pouco mais de um mês. Demos entrada na representação na PGR, pois encontramos vários crimes. (Bolsonaro) negou a pandemia, omitiu ou então sabotou ações de governadores e prefeitos que queriam tomar medidas de prevenção. Queremos que ele seja responsabilizado”, disse Bernardes. “Não podemos ter um presidente que contribui com a morte das pessoas, que acha que pode mentir na TV, mentindo sobre a vacina, falando mal de todo mundo”.

A representação de 33 páginas reuniu algumas das ações do presidente que podem ser enquadradas em crime: ineficiência na condução da vacinação; estímulo ao tratamento precoce de ineficácia comprovada com o “kit covid”; estímulo a aglomerações e à propagação de informações mentirosas; e gestão autoritária do Ministério da Saúde. Segundo o documento, “é possível afirmar que a postura do representado Jair Messias Bolsonaro diante da pandemia evidencia uma estratégia federal cruel e sangrenta de disseminação da Covid-19, perfazendo um ataque sem precedentes aos direitos humanos no Brasil”.

Segundo Bernardes, existe a intenção de entrar com representação contra outros agentes responsáveis pelo atual quadro da pandemia no Brasil, mas o grupo jurídico está avaliando os elementos existentes antes de tomar uma decisão. “Não queremos vulgarizar o instrumento e, havendo elementos, vamos avaliar bem. No caso do Bolsonaro, era mais fácil de conseguir material, existe muita notícia, postagens, vídeos.”

Organização nacional

A Avico Brasil teve origem na base das experiências pessoais de seus fundadores: enquanto Paola perdeu a mãe para a doença, e Gustavo precisou ser hospitalizado. “No final do ano passado, eu tive covid. Fiquei cerca de 27 dias internado, 10 dias intubado. Cheguei a ficar intubado e me recuperei, mas precisei de três meses para conseguir me recuperar plenamente”, explicou Bernardes.

Enquanto esteve hospitalizado, o advogado visualizou o drama de familiares e profissionais de saúde no combate à doença. “Não tinha noção do que acontecia no hospital, e pude testemunhar o quanto essa doença é grave. E vi também o quanto é demorada a recuperação, e quanto essas sequelas. Cheguei a ter sequelas que não apareciam – como taquicardia, lapso e memória e palpitação – que só foi diagnosticada como síndrome pós-covid mais tarde”.

Embora a atuação da Avico tenha começado em Porto Alegre, Gustavo disse que começaram a ser procurados por pessoas de várias partes do país, o que levou à organização de um comitê nacional, e a dividir o trabalho em diversos grupos, tanto para atendimento jurídico como acolhimento psicológico.

“Começaram a surgir pessoas com demandas – ‘estou em crise, perdi pai, mãe, família, não sei lidar com essa dor’ – e, nos próximos dias, daremos início a grupos de apoio para pessoas enlutadas. Com os CAPES desmontados, crise com quarentena e mortes, as pessoas não tem a quem recorrer. Não lidar com o luto paralisa essas pessoas, e queremos essas pessoas lutando conosco contra esse governo genocida”.

Gustavo ressalta que, se as autoridades não tomam providências, a Avico Brasil será a “pedra no sapato” das autoridades. “A democracia não é só votar a cada dois anos, a cada quatro anos. É querer participar das decisões do país, exigir a punição dos gestores públicos responsáveis. Democracia é participação social. (A representação) vai servir não como tentativa de responsabilizar criminosos, mas vai ficar na história. Nós não nos calamos diante da tragédia”.

Tatiane Correia

Repórter do GGN desde 2019. Graduada em Comunicação Social - Habilitação em Jornalismo pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), MBA em Derivativos e Informações Econômico-Financeiras pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Com passagens pela revista Executivos Financeiros e Agência Dinheiro Vivo.

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