A crise política e econômica atual e suas conexões internas

Por Carlos Aguedo Paiva

Do Brasil Debate

O que me parece fundamental entender na “luta contra a corrupção” que está nas ruas hoje é que ela está dizendo o seguinte: “o governo está tirando de mim para dar para os outros”. A contestação à corrupção é, antes de mais nada, a contestação da continuidade da distribuição de renda em uma conjuntura de estagnação. Isto é o que a classe média está percebendo como “corrupção”.

Pois há uma diferença radical entre o enfrentamento do “mensalão” e o enfrentamento político atual, representado pelo “petrolão”. O mensalão foi uma briga do “andar de cima. Seus denunciantes queriam colocar o PT no seu “devido lugar”, fazendo um acordo com o Lula: vamos manter o padrão tradicional de (co)gestão da “coisa” (nada) pública. Neste padrão, os partidos dividem os ministérios e estatais como feudos de “porteira fechada”. Cada um se locupleta ao seu jeito. E todos (a começar pela mídia) fazem de conta que não sabem o que está rolando dentro das fronteiras de cada feudo.

Ao colocar Dilma, a inflexível, no lugar de Dirceu, Lula deu uma resposta clara ao projeto de rebelião e intimidação: não há consenso possível. O Estado deixa de ser o agente da concentração de renda para ser o agente da distribuição.

A despeito de manter o Plano Real – leia-se: a autonomia do Banco Central para definir o juro (e, assim, os ganhos da banca) e o câmbio (e, assim, a exposição competitiva da indústria) – a redistribuição de renda impôs-se de forma acelerada.

E isto porque a dobradinha Lula-Dilma significou a radicalização do enfrentamento da verdadeira e secular corrupção brasileira: a instrumentalização do Estado em agente patrocinador da renda e do patrimônio da elite. A privataria tucana foi a última (e grandiosa) manifestação da forma secular (e, para a mídia, absolutamente “respeitável”) de corrupção que Faoro e Florestan analisaram com maestria em seus trabalhos sobre o patrimonialismo brasileiro.

A inversão de sinais imposta por Lula-Dilma nas funções do Estado não foi perdoada. A mídia chafurdou e fustigou os dois diuturnamente com o vazamento de (falsos e verdadeiros) escândalos que sempre foram acobertados em gestões menos comprometidas com mudanças no status quo. Mas as críticas não conseguiam abalar a popularidade da dupla. Enquanto o país vinha crescendo.…

A partir de 2011, a economia entrou em “compasso de espera”. E estagnou em 2014.

Ora, quando se faz redistribuição de renda com crescimento da mesma todos podem ganhar em termos absolutos. Mas quando a renda está estagnada, não pode haver redistribuição sem que alguém perca.

Como as políticas redistributivas não foram alteradas com o decréscimo da taxa de crescimento da economia, ela está se realizando, crescentemente, às custas da classe média e média alta. E ela vira moralista e reacionária. … Por que a surpresa? Não há porque se surpreender. … Com um empurrãozinho da mídia, e um que outro deslize da turma que acha que “se eles já pegaram tanto, agora é a nossa vez de pegar um pouquinho” e está feita a festa.

A única forma de enfrentar esta crise política é pelo crescimento econômico. É preciso, urgentemente, voltar a crescer. Mas não é possível crescer sem desvalorizar o real. Não podemos mais segurar a inflação no câmbio. O país está morrendo aos poucos e será totalmente desindustrializado – com a ajuda dos amigos chineses – se não fizermos algo. E este algo passa por rever a política industrial em direção ao modelo asiático: desvalorizando e fortalecendo o mercado interno e a competitividade da indústria nacional.

O problema – evidente – é que não podemos tolerar o retorno da inflação! E não há dúvida que a desvalorização irá pressionar os preços internos, o que tem levado alguns economistas heterodoxos a pretender que seu retorno seria um mal menor e tolerável. Um grande equívoco.

A inflação é a maneira autoritária de resolver o problema distributivo. Quem a defende acredita que os trabalhadores poderão transformá-la em instrumento redistributivo a seu favor com apoio do Estado. Mas isto é uma ilusão. É impossível ganhar numa luta assentada na velocidade de definição de preços e no acesso à indexação financeira.

Quem ganha com a inflação são sempre os mesmos. Sem exceção. A esquerda está sendo tentada a fazer o elogio da inflação. E isto é entregar o “ouro para os bandidos” no campo da Economia.

Mas o que é a inflação brasileira? Por que ela existe e insiste a despeito de anos de ortodoxia monetária, câmbio sobrevalorizado e administração fiscal essencialmente conservadora? A minha principal hipótese no que diz respeito à inflação brasileira é que ela é uma inflação “inercial-aceleracionada”.

Com o perdão do economês momentâneo, isto quer dizer que eu a caracterizo como um processo baseado na capacidade de repasse para o consumidor das pressões de custo e represamento do repasse dos ganhos de produtividade do setor capitalista. A inflação resulta da ampliação do grau de monopólio.

O grau de monopólio é a síntese entre o poder econômico, o poder financeiro e o poder político. É o poder de determinar (e ampliar) o preço. Só os monopolistas impõem preço. E em qualquer disputa inflacionária ganha quem tem maior facilidade de impor (e refazer, re-impor) preço. Ao longo do tempo, só os setores proprietários têm a ganhar com a inflação. No plano sindical, os trabalhadores lutam por todo e qualquer ganho nominal. Quando a inflação aparece, exigem o gatilho. Com razão.

Mais do que conquistar vantagens nominais, os trabalhadores têm que conquistar vantagens reais através do repasse dos ganhos de produtividade aos preços. Ou as lideranças políticas, teóricas e, em especial, os economistas comprometidos com a esquerda neste País entendem isto, ou o segundo governo Dilma (que já está capenga) estará fadado a fracasso.

A questão que se coloca é: por que os governos petistas não foram capazes de deprimir o grau de monopólio médio da Economia? Este, na realidade, parece estar sendo ampliado em setores importantes da indústria com respaldo governamental!

Redação

4 Comentários

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  1. O problema é a definição de inflação do autor
    O diagnóstico da inflação brasileira feita pelo autor se aplica quase que na totalidade a Colômbia, ao México e, ousaria dizer, ao nosso vizinho Uruguai e a curiosa Bolívia. No entanto, todos esses países apresentam inflação perfeitamente controlada nos últimos anos (a política econômica do Evo Moralez chegou a ser elogiada pelo pessoal mais tradicional).

    Inflação é fenômeno monetário. A turma do Mises é politicamente radical, sem noção, mas desde 2008 os caras acertaram na mosca, a persistência da nossa inflação é com certeza um fenômeno monetário. Todos os países que se descuidaram da política monetária (Argentina, Venezuela e Brasil) enfrentam um cenário de inflação crescente. No resto do mundo, se você falar em inflação como problema o pessoal vai rir.

    O problema específico do governo DIlma é a visão de que o Estado deve intervir em cada aspecto mínimo da economia. Desde 2010 praticamente todos os setores da vida brasileira ficaram mais burocratizados. Aí não tem salvação, subentendida na política social está o conceito de que o pessoal mais produtivo vai ser punido relativamente para ajudar no progresso de quem é menos produtivo. Tudo bem, isso é parte do jogo da redistribuição de renda. Mas como fazer isso se esse governo só torna a vida dos mais produtivos um inferno burocrático, seja na legislação tributária (especialmente esta), seja na trabalhista ou no funcionamento dos mecanismos regulatórios? Não é só câmbio, é tudo.

    Acho que a sacada do Lula foi tentar fazer o que o governo deve fazer, mas deixá-lo longe do que ele não sabe. A essa altura do jogo é óbvio que o atual governo federal perdeu a batalha das ideias. As pessoas pintam o Levy como um super cortador de gastos, quando tudo que ele quer é voltarmos ao nível de 2013! E ainda há gente aqui que critica isso defendendo a volta da filosofia maluca do Mantega! Estão de brincadeira…

  2. Fazer o bem sem ser a alguém?

    Fazer o bem sem ser a alguém?

    Não há como negar que muitas instituições desempenham um relevante serviço social, completando e por vezes substituindo as politicas públicas, sendo em alguns casos a única esperança para desamparados de toda a ordem. Mas, a minha causa repulsa, saber que muitos dos beneficiados ou o público alvo de várias ONGs, quando estão, na condição ou no alcance da politica pública direta dos governos, sofrem toda a sorte de preconceito e se tornam menos dignos da “benevolência”. São taxados de pobres, nordestinos, analfabetos, eleitores do PT… Meu leitor sabe: não generalizo, mas também não me calo diante dos que parecem querer fazer o bem sem ser a alguém.

    Aliás, para terminar, quando vejo certas campanhas do tipo “imposto de renda do bem”, mais ainda sinto o desejo de continuar pagando o meu imposto diretamente para os governos, sabendo que parte pequena do mesmo vai para grandes programas como o Bolsa Família. Sim, pequena parte. Mas, prefiro confiar nos governos fazendo “por todos nós”, do que ter a certeza de ajudar a financiar certos instrumentos de descargo de consciência de certos riquinhos exploradores e esmoleiros que se comprazem através dos chamados clubes de serviço. 

  3.  O autor está completamente

     O autor está completamente enganado. A luta contra a corrupção não é simplesmente ” o governo está tirando de mim para dar aos outros”. Isso é retórica ridícula de quem quer desviar o foco. O governo está tirabdo de mim para fins escusos. A tendência mundial é uma INTOlERÂNCIA CONTRA A CORRUPÇÃO. vide o segredo bancário na Suiça que está chegando ao fim depois de décadas de impunidade e e tido como o mais seguro dos portos.  igualmente a FIFA, e todos os governos, aí incluídos os sul-americanos que ultrapassaram os limites. Somando a isso, no Brasil, depois de sêculos de desmandos e desvios inpunes,  a sociedade não suporta mais esse estado de coisas. O não à corrupção é um não a esse sistema falido e insuportável. E não adianta história da carochinha em volta disso, ncluimdo a velha histœria da mída que incita todos os cidadãos bradileiros retardados que não  votam no pt e portanto não sabem discernir absolutamente E são vítimas da kavagem cerebral da mídia, nunca frequentaram uma escola, so múmias sem cêéebro . R !einvente os argumentos, por favor !

  4. Sistema tributário

    Considero que o grande problema do país está em seu sistema tributário. As pessoas jurídicas não pagam impostos, só as pessoas físicas. Quando uma empresa “recolhe um imposto”, ela não o está pagando, está, na realidade, fazendo um adiantamento aos cofres públicos, pois o valor recolhido será repassado aos preços dos produtos/serviços vendidos. Dessa forma ela recupera o valor adiantado a título de “imposto recolhido”. As pessoas físicas não possuem essa alternativa. Quando compram um produto/serviço entregam, às pessoas jurídicas, o montante que elas recolheram ao erário. Qualquer aumento de custo é repassado aos preços. Mesmo não tendo custos, algumas pessoas jurídicas ainda conseguem sonegar parte do que deveriam recolher, mesmo que tenha sido um simples “adiantamento”. 

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