A filosofia diplomática pária-religiosa de Ernesto Araújo

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
[email protected]

"Somente a fé verdadeira deste povo cristão e conservador pode enfrentar o dragão da maldade. Para isso, precisávamos libertar o Itamaraty"

Foto: Divulgação

Jornal GGN – Como se os formandos do Instituto Rio Branco estivessem em uma missa, o chanceler brasileiro Ernesto Araújo lançou um inspirado discurso nesta quinta (22), recheado de conceitos criados por ele próprio, para concluir que a “amoralidade” das ideologias do século XX foram as responsáveis por acabar com a figura de Deus, que o comunismo “é contra Deus”, que diplomacia internacional tem relação com isso e que “é bom ser pária”, ao querer dizer país marginalizado do restante do mundo.

Para introduzir o tema, Araújo usou o exemplo de uma paraibana chamada Severina, que trabalhou para a sua família nos anos 60, em Brasília. No relato pessoal, poeticamente comparando sua narrativa com a de João Cabral de Mello Neto, de Morte e Vida Severina, narrou:

“Lá por 1986 ou algo assim, quando estávamos vendo televisão e apareceu o programa partidário do partido comunista do Brasil, logo, Severina exclamou: ‘Nossa, eu odeio esse negócio de comunismo’. Na tela, o presidente do partido falava do ideal comunista de libertar todos os povos do planeta, ou algo assim, e a Severina comentou indignada: ‘ham, mentira! Eles são contra Deus’. Severino e Severina sabem muito mais do que a maioria dos acadêmicos”, disse Araújo, antes da declaração que concluía o relato emotivo:

“Por isso, o povo brasileiro, esse povo severino confia no senhor, presidente, porque o senhor fala de liberdade e do poder libertador da verdade, porque o senhor fala de Deus, em aquele como o senhor realmente crê. Esse povo escandaliza os intelectuais prudentes e sofisticados. Esse povo revolta os esquerdistas que o detestam.”

A partir daí, o representante do governo brasileiro no mundo começou a tecer uma linha de raciocínio própria, misturando religiosidade com correntes filosóficas e de movimentos históricos, para concluir que o globalismo e multilateralismo são ruins e o porquê de o Brasil não se importar de manchar a imagem junto ao mundo.

Inspirado, seguiu: “somente a fé verdadeira deste povo cristão e conservador proporciona a cobrança moral e o coração palpitante de amor patriótico para enfrentar o dragão da maldade. Este povo severino, essa grande nação severina é o que queremos levar para o mundo. Para isso, precisávamos libertar o Itamaraty e despertar o Itamaraty.”

Descrevendo o Ministério de Relações Exteriores “não uma ONG incrustrada no governo federal, mas uma aventura mundial de proporções históricas”, “um combate de gigantes pela essência”, falou de como o iluminismo “tentou matar” Deus e que o marxismo procurou transformar o homem “em um trabalhador ainda mais explorado, mas que já não reza, porque Deus foi proscrito”.

“Hoje temos o globalismo e o politicamente correto tentando consertar a humanidade, sem entendê-la e sem amá-la, construindo um ser humano artificial, um android, sem sentimentos, sem instinto, sem sexo, sem família, dominado por mecanismos de controle social e psicolinguístico”, concluiu, sobre a fase em que estaríamos atualmente de filosofias histórias.

“Nada disso pode dar certo, a liberdade do ser humano reside na sua espiritualidade”, iniciou para criticar o multilateralismo, que nada mais é do que as próprias relações internacionais -do qual ele é o representante brasileiro- entre países, sejam por blocos econômicos, acordos e alianças.

Segundo o chanceler brasileiro, “os multilateralistas têm medo, têm vergonha de falar em liberdade” e o Brasil hoje, com Jair Bolsonaro, “fala em liberdade através do mundo”. “Se isso faz de nós um pária internacional, então que sejamos esse pária”, exclamou ao se referir aquele que está à margem da sociedade.

“Que sejamos esse severino que sonha e essa severina que reza. Talvez seja melhor ser esse pária, deixado ao relento, do lado de fora”, insistindo, em constantes autoelogios: “É bom ser pária. E essa política externa do Brasil, do povo brasileiro, severina tem conseguido resultados.”

Em sua capacidade de misturar conceitos não condizentes, Ernesto Araújo também expôs sua tese para como deu errado, em sua visão, “as esquerdas” no Brasil, “em uma grande orgia da corrupção” em uma aliança com o “patronato político”, para criticar o período que Lula venceu as eleições:

“A partir de 2002, esperava-se ver o grande embate entre as esquerdas e as oligarquias. Mas não foi o que aconteceu, porque as esquerdas e as oligarquias não queriam coisas opostas, mas a mesma coisa, o poder. Deu-se, então, a grande amálgama entre a ideologia esquerdista e o patronato político brasileiro, o que produziu, o que garantiu esse grande paradoxismo, essa grande orgia de corrupção.”

“Milagrosamente interrompemos essa marcha para o abismo”, celebrou, antes de voltar a louvar o brasileiro de bem, o cristão conservador, que salvou as relações internacionais do Brasil, com a liderança de Bolsonaro, em uma crise da diplomacia brasileira sem precedentes.

 


O discurso de Ernesto Araújo, na Formatura dos alunos do Instituto Rio Branco, pode ser conferido abaixo:

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

15 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Eu ia dizer que era um texto do Stanilau Ponte Preta (FEBEAPÁ), mas como há o vídeo. Se o mundo viu, ou estão rindo ou ridicularizando. Ou ambos.

  2. Prezados camaradas

    Precisamos seriamente rever os critérios e parâmetros de seleção para os concursos públicos e universidades públicas, há exemplos de alguma coisa funciona muito mal:

    * Aquele sujeito que deu expediente como “ministro da Educassão” se formou pela USP (!!) e era professor concursado da UNIFESP (!!!!)

    * Este outro sujeito (não quero pensar em nepotismo, favorecimento e outras trambicagens, mas pelo que lembro este cara é filho de diplomatas. Realmente, QI – Quem Indica – é um handicap da meritocracia) que tem patentes problemas cognitivos, intelectuais e mentais; é funcionário concursado (!!!!!!) do Itamaraty.

    E são pagos POR NÓS

    1. Bom dia, Luis. Marilena Chauí disse certa vez que a classe média brasileira é repulsiva. Acho que ela tem razão, pelo menos em parte. A classe média não é um bloco monolítico. Ela tem frações, inclusive uma fração progressista. Mas a fração asquerosa da clásse média, que só vê o próprio umbigo, que não tem projeto de país, mas pensa apenas no próprio bolso, que apoia a exclusão social, o entreguismo, a ditadura fascista, etc., está nas universidades, no serviço público, se elegem. Sou servidor público e vejo com tristeza a mentalidade de meus colegas: bando de idiotas que só valorizam o saber instrumental (um instrumento que permite a dominação). Uma gente que não lê, uma gente raivosa. Esses cretinos deram um tiro no pé ao eleger o Bozo, mas agora estamos todos pagando o preço. Portanto, não se espante com essa classe média concursada, gente que estudou na elitista USP e em outras universidades de prestígio. Em grande maioria eles são horríveis mesmo! Gente COGNITIVAMENTE FEIA (para usar um termo de Marilena Chauí). Quem esteve numa Universidade Federal não se espanta com gente como o fanático Ernesto Araújo, o Weinlarve (o que fugiu para os EUA). Eles saem das universidades sim.

  3. Onde estão os diplomatas do MRE?
    O silêncio ensurdecedor e , porque não, covarde daquele grupo de funcionários chega a assustar, é um padrão de omissão difícil de ser visto, uma vez que o grupo não é formado por zés manés, os cerca de 1600 funcionários são intelectualmente preparados, mas se sujeitam a assistir um palhaço chamado ernesto destruindo décadas de trabalho de diplomacia para chegar ao ponto, até agora máximo, de afirmar que é melhor que o país seja mesmo um pária, etc, etc…
    Se eu não tenho conhecimento de nenhum protesto vindo do Itamaraty, então eu gostaria de ouvir elogios vindo de lá. Do jeito que está, fica a impressão de que a principal tarefa do Itamaraty é pagar pontualmente o salário de todos os seus funcionários e pronto, o resto é detalhe já que também se tornou um pária.

    1. Olá, sou funcionário de baixa patente do MRE. Por ter me recusado a obedecer ordem imoral de um embaixador estou sendo perseguido e assediado de forma que sequer pensava possível sob o argumento da hierarquia, que é uma nefasta tradição diplomática brasileira.
      Todo mundo lá vive sob o medo do poder da caneta.

      1. Perseguido,
        Muito obrigado pelo retorno esclarecedor.
        Desta maneira, optando pela omissão diante dos atos inimagináveis deste pregador de araque, o MRE joga na lixeira tudo aquilo que possa ter feito de útil para o país. O maluco beleza diz que interromperam a marcha para o abismo, aí pergunto, a qual abismo cretino o idiota se refere? Mal sabe o fanático que já não mais existe retorno para que o país despenque no abismo, em 2021 não será possível esconder os grandes números da economia para a população.
        Espero que você e seus companheiros consigam se livrar deste demônio e seus puxa-sacos.
        Um abraço

  4. Só faltou o Ernesto Araújo dizer que, há muitos anos, estava na janela de sua casa e viu o paraquedista Bolsonaro pousar sobre o seu jardim, e exclamou: “O Espírito da Época de pára-quedas!”
    Não sei quanto ao resto, mas, intelectualmente, chegamos ao fundo do poço.
    É com esse ideário, hegeliano-severinista, que nossos diplomatas sairão em suas missões no exterior: “A liberdade do ser humano reside em sua espiritualidade”.
    O mundo ainda vai ter pena de nós, e a pena se instalará quando a chacota cansar, e se tornar repetitiva e sem graça.

  5. É mais uma instituição brasileira que se descobre ralé, sem estrutura, sem intelectualidade. Caramba, que nenhuma instituição presta nesse país! E eu que achava que no Itamarati só existiam diplomatas refinados como João Cabral de Mello Neto, Souza Dantas, Vinicius de Moraes, Guimarães Rosa…
    Forças Armadas, Judiciário, imprensa, Congresso, Executivo, só uma revolução para enquadrar esses medíocres.
    E viva o general Pazuelo dizendo que o chefe manda e ele obedece. De onde saiu tanta gente desonrada e indigna?

  6. Uma coisa é certa, o vagabundo Ernesto Araujo será lembrado como o PIOR ministro das relações exteriores de todos os tempos. Ele ganhará uma estátua no saguão do Itamaraty. Na plaquinha estará escrito:
    NUNCA IMITE ESSE CRETINO

  7. Quem chama um idiota como este para fazer um discurso em uma formatura ou é mais idiota ou faz parte da mesma turma do dito cujo, de terraplanistas que aflorou por aqui.

  8. Enquanto esses lunáticos não têm a menor vergonha de berrar as sandices deles, a esquerda se acovarda na luta cultural.

    Nos idos de março, começo da pandemia, ouvi dentro de um onibus em Jacarepaguá, zona oeste da cidade do Rio de Janeiro, um fanático gritando um bestialogico que misturava bíblia, “vírus comunista chinês”, ditadura…

    Já era.

  9. Onde chegamos, gente!
    O maior erro dos progressitas foi achar que essa gente hipócrita, filhos e filhotes da ditadura tinha desaparecido. Eles sempre estiveram muito vivos, esperando a hora do golpe. E digo mais, essa onda vai demorar passar, porque ela está arraigado em todas as instituições do brasil, principalmente as religiosas, militares e judiciárias. Eles está cagando pras barbaridades do bozo. Pra eles, ele é herói porque venceu o representante do capeta tupiniquim nas eleições de 2018. Isso justifica tudo.

  10. Dá uma vergonha!…
    Eles mesmos são tão medíocres que colocaram o braZil acima de Deus em seu “eslogã”.
    Ou tudo não engloba todos?
    Sei lá … do jeito que estamos, tudo que se está podendo dizer é:
    “Foi Deus”!…

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador