A nova política externa nos direitos humanos

Do Valor

Brasil muda conduta em Direitos Humanos

Sergio Leo | De Brasília
03/01/2011

A preocupação manifestada pela presidente Dilma Rousseff, ainda antes da posse, com o destino da iraniana Sakineh Ashtani condenada à morte no Irã por acusação de assassinato, foi um sinal da primeira mudança que ela determinou à política externa brasileira. Dilma avisou o Itamaraty que não quer dúvidas sobre a defesa feita pelo país em matéria de direitos humanos, em fóruns internacionais. Diplomatas informaram aoValorque o Brasil deve mudar a maneira de tratar países acusados de violação dos direitos humanos, passando a discutir caso a caso.

O primeiro teste da nova orientação pode ocorrer em março, quando começa a reunião do Conselho de Direitos Humanos em que todas as resoluções, inclusive as contrárias aos iranianos, serão apresentadas. Até recentemente, a diplomacia preferia o que chama de tratamento “horizontal”, e optava pela abstenção em votações relativas a direitos humanos, a não ser em casos excepcionais, de flagrante violação desses direitos.

OutrOutra mudança na gestão Dilma, a ênfase na aproximação com a China, ganhou novo capítulo em 31 de dezembro, quando a ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira teve longa reunião com uma delegação chinesa. Além de entregar ao Itamaraty uma carta do primeiro-ministro Hu Jintao a Dilma, a delegação negociou um acordo de cooperação em recursos hídricos que deverá ser assinado por Dilma em Xangai, em abril, durante a reunião dos Bric (Brasil, Rússia, Índia e China). O acordo deve facilitar investimentos de empresas brasileiras e chinesas nos dois países, em saneamento e hidroeletrecidade, e permitir troca de tecnologia. Não está claro como a aproximação em termos econômicos será conciliada com a postura mais ativa de defesa de direitos humanos, terreno em que a China com frequência se vê alvo de acusações, gerando atritos com parceiros como os Estados Unidos.

Tradicionalmente, na discussão sobre direitos humanos, o Itamaraty argumentava ser necessário evitar o uso político da condenação, que, na prática, singulariza alguns países de menor poder nos fóruns mundiais e, em muitos casos, leva o governo condenado a afastar-se da comunidade internacional, agravando as ameaças para os cidadãos do país afetado. Mesmo assim, segundo relato levado pelo Itamaraty a Dilma, após as críticas da presidente à abstenção brasileira na votação sobre o Irã, em 98% dos casos onde houve condenação no conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, o Brasil votou pela condenação. Absteve-se em casos como Cuba e Irã, e, nesse último, um dos problemas foi a maneira apressada com que o caso foi levado a votação.

Dilma ouviu as explicações mas não se mostrou satisfeita. “Não podemos deixar margem para ambiguidade nessa questão”, disse. A atuação mais explícita em defesa dos direitos humanos foi uma das principais tarefas a ocupar o novo ministro de Relações Exteriores, Antônio Patriota, que, antes mesmo de tomar posse, discutiu o tema com o assessor internacional Marco Aurélio Garcia e com a embaixadora do Brasil em Genebra para assuntos não econômicos, Maria Nazaré Farani Azevedo.

Em reconhecimento ao papel mediador exercido pelo Brasil no Conselho de Direitos Humanos, a embaixadora foi escolhida como “facilitadora” nas negociações que serão abertas dentro do Conselho para revisão dos métodos usados para tratar de “situações específicas”. Ela já recebeu instruções de Brasília para, como definiu um diplomata, adotar um “novo nuance” nos procedimentos do Brasil no Conselho. Já se prevê no Itamaraty maior pressão sobre os diplomatas brasileiros em Genebra, obrigados a tratar detalhamente de cada caso. Mas as mudanças no próprio Conselho dão oportunidade à diplomacia para definir processos mais transparentes e “inclusivos”, sem discriminar países, para que todos os casos de violação de direitos humanos sejam tratados pelos governos nas Nações Unidas.

A diplomata encarregada do tema direitos humanos em Genebra chegou a ser cotada por Dilma para a secretaria-geral do ministério de Relações Exteriores, ocupando o posto que era do próprio Patriota. Já que terminou abandonando a ideia de ter uma mulher no comando do Itamaraty, Dilma pensava em ter um nome feminino no segundo maior posto do ministério. Mas, numa indicação do relacionamento de confiança entre a presidente e o novo ministro, Dilma aceitou a decisão de Patriota de ter, como segundo nome, o embaixador Ruy Nogueira, o mais antigo diplomata em atividade e muito respeitado no Itamaraty.

A nomeação de Ruy Nogueira, bem recebida no ministério, foi interpretada, além do reconhecimento da experiência do novo secretário-geral, como um gesto de conciliação com os diplomatas antigos que teriam ficado incomodados com a gestão de Celso Amorim, que deu preferência aos mais novos em postos importantes do exterior e no gabinete. 

Patriota defende acertos do passado, mas sugere adaptações ao cenário global

De Brasília
03/01/2011

Menos disposta ao exercício da diplomacia presidencial do que o antecessor Luiz Inácio Lula da Silva, a presidente Dilma Rousseff aceitou, porém, uma agenda intensa de contatos internacionais, que começará já em fevereiro, com viagens pela América do Sul. No discurso de posse, ontem, em que anunciou a decisão da presidente sobre viagens à América do Sul, China e Estados Unidos, o novo ministro das Relações Exteriores, Antônio Patriota, defendeu “o acerto das opções dos últimos anos” em política externa, mas previu “adaptações” e “reconsideração de certas ênfases”.

Dilma irá à reunião de cúpula da América do Sul e Países Árabes, em Lima, Peru, em fevereiro, anunciou o ministro. Durante as conversas com chefes de Estado na posse, a presidente acertou de ir, também em fevereiro, ao Chile, para discutir acordos econômicos com o presidente Sebastián Piñera. Com o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que desmarcou o encontro previsto para ontem alegando “questões pessoais” para voltar a Caracas, Dilma, em breve conversa, combinou terem um encontro em breve no país vizinho. Ainda em fevereiro, ela também irá à Bolívia.

As diplomacias do Brasil e EUA trabalham para tentar incluir um encontro entre Dilma e o presidente Barack Obama, em Washington, aproveitando a viagem da presidente, em abril, para a reunião dos Bric (Brasil, Rússia, Índia e China), em Xangai, China, em abril. Ex-embaixador em Washington, Antônio Patriota assumiu sob a expectativa de restabelecer a proximidade entre o Palácio do Planalto e a Casa Branca, abalada por divergências em relação ao Irã. Isso não impediu que fizesse, no discurso de posse, críticas veladas à atuação internacional americana.

“Consensos de outras eras são cada vez mais questionados e os antigos formadores de opinião encontram dificuldade crescente para fazer prevalecer suas ideias”, discursou. O Brasil, para Patriota, está entre os novos polos globais, que devem atuar em questões “que afetam a todos”, contra problemas como “as aventuras militares e as práticas que desestabilizaram a ordem internacional nos últimos anos”. O Brasil, disse, superou “o acúmulo de vulnerabilidades” econômicas e sociais que limitavam sua ação internacional.

O país deve ficar “atento” para “evitar que os círculos decisórios que se formam em torno das principais questões contemporâneas reproduzam as assimetrias do passado”, insistiu. Grupos internacionais nos quais o Brasil passou a participar, como o G20, das economias mais influentes, têm de incorporar as demandas dos demais, disse o ministro, para quem o Brasil, como sétima economia mundial deve se equipar para demandas por maior atuação na cooperação internacional em países menos desenvolvidos.

Celso Amorim, ao despedir-se, fez elogios enfáticos à capacidade do sucessor, cuja carreira ajudou a impulsionar. Sugeriu a releitura de seu próprio discurso de posse, há oito anos, para comprovar que o governo Lula fez o que prometeu em política externa. “Enfrentamos o desafio de negociações comerciais complexas que vinham sendo conduzidas de forma que faziam prever resultados negativos para o desenvolvimento de nosso País”, disse, lembrando a ênfase no Mercosul e a manutenção das “parceiras tradicionais”.

Emocionado, Amorim elogiou o “indefectível e implacável escrutínio” da imprensa sobre a política externa, mas fez um desabafo, lembrando sua demissão da Embrafilme, a estatal promotora do cinema, na década de 70, por ter defendido um filme que denunciava a tortura. “Por isso, hoje tenho certa dificuldade não em ouvir críticas, mas em ouvir reparos às minhas convicções sobre direitos humanos – e muitos dos que fazem as críticas hoje estavam calados naquela época”. (S.L.) 

Luis Nassif

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