Prisão de Dirceu é alimento para as almas sedentas por vingança, por Wagner Francesco

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
[email protected]

Por Wagner Francesco

No Justificando

Falo de José Dirceu não porque eu gosto dele. Realmente não gosto, não me inspira, não me ensina nada – ou melhor: ensina-me o quão perigoso e sedutor é o canto do poder. Falo do Dirceu porque é um exemplo bastante atual de como escolhemos pessoas para serem nossas inimigas e de como estamos dispostos, para destruir estes inimigos, a enterrar princípios democráticos e direitos humanos. Falo do Dirceu porque quando vejo alguém, mesmo que eu não nutra nenhuma simpatia, sendo atacado fico a pensar: e se fosse o contrário? E se o atacado fosse eu? E este é o problema de escolhermos inimigos e querermos o fim deles a todo custo.

Pois bem, José Dirceu já estava preso (em regime domiciliar) e perguntam: é possível ser preso estando preso? A prisão do José Dirceu não é algo impossível de acontecer, pois ele é acusado de cometer novo crime – logo, se ele estava em domiciliar por causa do mensalão, ele pode voltar à cadeia por causa do Petrolão. Isto é: ele estava cumprindo um tipo de pena – domiciliar – por um crime e volta à cadeia por outro. Tranquilo, afinal de contas em nosso ordenamento jurídico temos a progressão e a regressão da pena. Se ele for condenado no Petrolão, soma-se o tempo que vai cumprir deste com o que faltava no outro crime.

Pois bem, o problema, pelo menos no caso do Dirceu, é que não está sendo observado o artigo 312 do CPP. Este artigo pressupõe que se o acusado estiver em liberdade ele pode vir a criar problemas para o andamento do processo. Só que… Regime Domiciliar não é liberdade. E menos liberdade ainda para o Dirceu que vive vigiado em especial pela mídia.

De início, eu rejeito o argumento que a decretação da preventiva é necessária quando há demonstração de prova da existência de crime. Enquanto há demonstração de prova de existência, esta demonstração está submissa ao princípio constitucional da Ampla Defesa, pois é preciso que o acusado demonstre a inexistência destas provas. Isto porque toda demonstração é a apresentação de um fato, só que, como diz Nietzsche, não existem fatos mas apenas interpretação do fato. Há casos, claro, de que a demonstração de prova torna a preventiva urgente, como violência doméstica, por exemplo. Mas prisão preventiva de alguém que é vigiado o tempo todo e que foi denunciado por Delação Premiada? É quase tão perigoso como prender um cego que foi denunciado anonimamente sob alegação de que ele assiste pornô infantil.

E ainda mais: não basta ter o fumus commissi delicti, mas é preciso que pressupostos sejam observados.

Agora veja:

O artigo 312 do Código de Processo Penal aponta os requisitos que podem fundamentar a prisão preventiva:

a) garantia da ordem pública e da ordem econômica (impedir que o réu continue praticando crimes);

b) conveniência da instrução criminal (evitar que o réu atrapalhe o andamento do processo, ameaçando testemunhas ou destruindo provas);

c) assegurar a aplicação da lei penal (impossibilitar a fuga do réu, garantindo que a pena imposta pela sentença seja cumprida).

Pois então, o Dirceu, em Regime Domiciliar, é incapaz de executar quaisquer destas três hipóteses acima relacionadas. Ele não pode cometer novos crimes, pois não exerce nenhum cargo; ele não pode atrapalhar o andamento do processo, pois é o tempo todo vigiado; e nem pode, muito menos, fugir.

Repito: não basta ter indícios do cometimento do crime, mas é preciso ter indícios de que há possibilidade do cometimento dos pressupostos para a prisão preventiva.

O problema é que o José Dirceu é tratado como inimigo da pátria e, sendo assim, a prisão dele visa garantir a ordem pública. Ordem pública que muitas vezes é confundida com “atender aos anseios da sociedade”.  Acontece, porém, que eu concordo com o Fernando Tourinho da Costa, em seu livro Processo Penal, (p. 510 – ed. 2003) quando diz que

Quando se decreta a prisão preventiva como “garantia da ordem pública, o encarceramento provisório não tem o menor caráter cautelar. É um rematado abuso de autoridade e uma indisfarçável ofensa à nossa Lei Magna, mesmo porque a expressão “ordem pública” diz tudo e não diz nada.

Em outras palavras, a preventiva fundamentada pela conveniência da ordem pública é inconstitucional, pois fere a presunção de inocência ao funcionar como antecipação de pena.

Trago duas frases de dois grandes advogados criminalistas:

“Uma pessoa que está cumprindo pena não pode atentar contra a ordem pública, a não ser que se admita que o Estado não consegue promover a segurança pública.”
Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay

“É um absurdo falar que ameaça a ordem pública quem está cumprindo prisão domiciliar com tanta circunspecção.”
Arnaldo Malheiros Filho

Acho que deveria acabar com a preventiva? Não! Acho que a preventiva tem que ser decretada com mais seriedade e não distribuída como se distribui sorrisos em campanha eleitoral – aliás, o que tem de gente sorrindo e fazendo campanha eleitoral com esta prisão do Dirceu…

Comecei dizendo que pouco me importa se é o José Dirceu, pois poderia ser qualquer um. E é justamente isto que eu quero que reflitamos: e se fôssemos nós os acusados de um crime e tivéssemos uma preventiva decretada? O Direito Penal talvez seja uma das melhores áreas para exercitamos o “tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lho também vós” (Mateus 7:12).

Com grande maestria escreveu Gustavo Badaró o seu texto “Por que não comemoro a prisão do José Dirceu”. Na ocasião ele disse

Nada disso me alegra. Sinto-me triste, e muito. A pena, mesmo quando justa, é motivo de tristeza, pois não há como deixar de trazer consigo sofrimento. E não só para o preso, mas para seus familiares e para aqueles que dele gostam. Por outro lado, a pena, por mais severa que seja, não restaura a perda da vítima, restituído a vida ceifada. Prender não cura a lesão. A prisão não elimina a violação da mulher estuprada. E, no caso em discussão, não aumenta a riqueza do cofre público saqueado, sendo ao final comprovada a acusação. Não. Pena é mal, mais mal, e um pouco mais de sofrimento.

E finaliza:

Não se comemora sofrimento. Guarde a deliciosa bebida e estoure a rolha quando tiver algo algo bom para festejar. Descobrirá que o gosto das borbulhas de felicidade é bem melhor que o Brut de um sofrimento.

Poderia encerrar com esta frase do Badaró, mas termino dizendo que o Processo Penal deve ser observado com seriedade e executado seja para nossos afetos ou desafetos. Não devemos, hipnotizados pelo ranço da vingança, comemorar violação de direitos e sofrimento alheio. O Processo Penal é para mim e para você, para quem você odeia e para quem você ama: na exata medida de igualdade. Não permita que o desejo por vingança macule as regras democráticas.

E claro, não poderia deixar de fazer este comentário:

A prisão do Dirceu demonstra um país extremamente vingativo e sem vergonha. Eu conheço um monte de gente metida num monte de malandragem e que está comemorando a prisão do Dirceu. Isto é: não é pelo combate à corrupção que este povo luta, mas pelo combate contra certos indivíduos. O que é triste!

Wagner Francesco é Teólogo com pesquisa em áreas de Direito Penal e Processual Penal.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

13 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Viva Zé Dirceu!…

    Gosto do Zé Dirceu. Admiro o Zé Dirceu. Um gigante frente a esses pigmeus ensandecidos!

    Abaixo o teatro do MPF apoiado pela Justiça!…

  2. Gosto do Zé Dirceu porque na

    Gosto do Zé Dirceu porque na ditadura LUTOU não se escondeu, o resto E lero lero…onde vc estava na ditadura, um monte de checheu medrosos que ficam de lero-lero…SÃO … COVARDES, tem dois tipos de seres repugnantes o dedo duro e o covarde…

    1. Não se escondeu?

      Na ditadura, Dirceu lutou e não se escondeu? Ué, e o tempo que ele ficou escondido no Paraná com nome falso e rosto plastificado? Até enganou uma coitada e se casou com ela usando sua identidade falsa, só para lhe dar um pé no traseiro assim que saiu a anistia.

      DIrceu lutou aonde? Ele aplicou o que aprendeu em seu curso de guerrilha em Cuba, que ele mesmo definiu como “um vestibular para o cemitério”?

  3. Aqui está se tratando de

    Aqui está se tratando de humanidade, de respeito ao próximo como a si mesmo. 

    Fiquei bastante agastada, e até revoltada com o julgamento da AP 470, pela qual Dirceu caiu na lei de Domínio do Fato, quando, em verdade, nada, nada foi encontrado contra ele naquele esquema considerado de Caixa-2. A partir das declarações do bandido Jefferson, nunca mais José Dirceu pôde voltar a ser um homem livre. A cada dia se colocava mais uma trave na cadeia de sua vida, e ele prossegue como um bicho morto e fétido pra maioria do povo brasileiro, muito mais em razão de injustiças. 

    Dirceu vive sob os holofotes da imprensa e de tantos que sustentam-se de muito ódio contra ele. Resolveram que ele não pode ser visitado por ninguém, nem falar com ninguém, sempre sob algumas suspeitas. Foi o caso daquele episódio no hotel em Brasília; e pelo menos em dois momentos quando ele se encontrava na Papuda. E, assim, sucessivamente, nunca mais José Direu desfrutou de um mínimo de liberdade, nem mesmo quando se encontrava em prisão domiciliar, que todos sabem quantas normas tem que ser seguidas pela justiça, mesmo estando em casa com seus parentes, como não poder beber álcool, conforme citou Sérgio Conti em sua matéria. Seria José Dirceu um estúpido após tantos anos de sofrimento e de perseguição ao ponto de agir em desconformidade com a Lei, logo ele? 

    Enfim, se realmente Dirceu caiu na desgraça de prosseguir praticando alguma modalidade de ilícito, a ele como a todos os envolvidos nesse esquema de corrupção que se faça a devida justiça. É disso que se trata, e disso deveriam todos estar atentos. Para mim, ele já pagou muito caro por ter sido julgado no mensalão, e paga mais caro a cada dia com tantos desejando sua desonra total, e uma prisão perpétua. Se um dia José Dirceu sair da prisão, o que acho difícil, a não ser morto, sobreviveria apenas se fosse viver num país estrangeiro, porque por aqui ele jamais terá a chance de ir a uma padaria comprar pão.

     

  4. Ratos e Urubus, Larguem Dirceu

    Não bastasse a perseguição do condomínio jurídico-midiático sobre si e de maneira tão avassaladora que o tornaram, sem ser, o inimigo público número um do Brasil, através do dominio do fato, da literatura jurídica que permite e da desinformação monopolista da mídia, na sanha de enfraquecerem o PT na base do custe o que custar, para conseguirem através do voto, voltarem à chave do cofre, tem ele ainda que aguentar esse tipo de atentado do defensor não solicitado, moda no GGN, eivado de veneno, expelido por cínicos de quilates vários, a vomitarem superioridade, disfarçada de falsa misericórdia jurídica, aproveitadores da oportunidade, que sequer chegam aos chinelos de quem disfarçam fazerem meliflua envenenada defesa, mediocres que são ao tentarem diminui-lo com esse expediente ridículo e pobre do bafo da pena a defende-lo, quando no intimo o odeiam, o invejam, exatamente por saberem da necessidade de lavarem bocas, mãos e sobretudo línguas, além das almas mesquinhas e odientas, para dele falarem, qualquer coisa que seja.   

  5. Não existe nada mais

    Não existe nada mais hipócrita que alguém para falar alguma coisa favorávell, ou menos agressiva, sobre Dirceu ou o PT comece sempre a narrativa dizendo que não tem simpatia, muito antes pelo contrário, guarda profundas divergência com um ou com outro.Todo esse esfôrço só para mostrar sua suposta isenção, já que sua trajetória,por si só, não assegura neutralidade alguma. Gente que quer aparecer aproveitando esse momento de insanidade coletiva, para ser candidato a ” salvador da pátria”. Assumam o que dizem sem usar de uma justificativa, no mínimo, desonesta.

  6. JD e m

    Srs.

    porque toda esta perseguição a Dirceu, pois é uma ação política da direita e fogo amigo dentro do,próprio PT ex.Mercadante e outros. Você pode não gostar de Dirceu por uma série de questões, mas existe uma que não se pode admitir que Dirceu seja CORRUPTO, na farsa do mensalão reviraram sua vida, seu patrimônio, suas contas bancárias, suas declarações de imposto,de renda e não encontraram NADA, para condená-lo utilizaram outro método a teoria do fato, chegando ao ponto que uma das Ministras do,STF declarar que não existiam provas para condená-lo ,mas a literatura assim permitia. Agora esta outra montagem envolvendo o mesmo com a tão falada Lava jato. Dirceu com sua empresa fazia consultoria de várias empresas, algumas delas envolvidas neste processo, correm o faturamento de vários anos de sua empresa e publicam na mídia como o valor desviado dos cofres da Petrobras. Quais são as provas delações feitas por pessoas que não tem nenhum compromisso ético ou moral, onde sua vontade é não ir à prisão. O pior estas delações são dirigidas a pessoas e partido ex. Você denúncia Dirceu e vamos libertá-lo, você denúncia Lula e vamos soltá-lo. Eu vivi os duros momentos da ditadura quando estive preso, vi companheiros delatar (não os condeno), gente dura com ideologia, mas o sofrimento físico da tortura os levou a delatar. Agora o que se pode esperar destas pessoas que não tem princípio, ética e moral, onde sua vida o que importa é a aparência o ser mais esperto, o que lhes importa é sair da prisão. Se perguntarem quem matou Jesus? E seu inquisitor diz fala que foi o Dirceu ou Lula ele vai dizer que sim.

    Para mim Dirceu cometeu um grande erro que foi aceitar fazer a sua defesa de uma forma tradicional dentro das normas legais, estas normas legais não existem neste caso, é uma questão política e sua defesa deveria ser feita por ele denunciando toda esta farsa e mostrando ao povo e os militantes todas estas questões, seria condenado da mesma forma.

    Mas,o resultado seria outro a nível político.

     

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador