A quem interessa uma intervenção na Venezuela?, por Gleisi Hoffmann

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Foto Eduardo Matysiak
 
A quem interessa uma intervenção na Venezuela?
 
Por Gleisi Hoffmann
 
Acabo de voltar da Venezuela, onde participei, como presidenta do PT e a convite do governo eleito, das solenidades de posse do presidente Nicolás Maduro. Não me surpreendi com o ataques e reações por parte de quem não compreende princípios como autodeterminação e soberania popular; quem não reconhece que partidos e governos de diferentes países podem dialogar respeitosamente.
 
Por várias razões, os problemas internos da Venezuela, econômicos, sociais e políticos, têm sido motivo de pressões externas indevidas que só agravam a situação interna. Mas a posse de Maduro em seu segundo mandato desatou um movimento coordenado de intervenção sobre a Venezuela, patrocinado pelo governo dos Estados Unidos e referendado por governos de direita na América Latina, entre os quais se destaca, pela vergonhosa subserviência a Donald Trump, o de Jair Bolsonaro.

 
Gostem ou não, Maduro foi eleito com 67% dos votos. O voto na Venezuela é facultativo. Três candidatos de oposição concorreram e as eleições se deram nos marcos legais e constitucionais do país (Constituição de 1999), o que foi atestado por uma comissão externa independente. Um dos membros da comissão, o ex-presidente do governo da Espanha José Luiz Zapatero, declarou: “Não tenho dúvida de que (os venezuelanos) votam livremente”. Como outros países se acham no direito de questionar o voto do povo venezuelano?
 
Não podemos nos iludir: a ação coordenada contra o governo da Venezuela não passa nem de longe por uma suposta defesa da democracia e da liberdade de oposição na Venezuela. Não há nenhum interesse em ajudar o povo venezuelano a superar seus desafios reais. O que existe é a combinação de interesses econômicos e geopolíticos com jogadas oportunistas de alguns governos, como é o caso, infelizmente, do Brasil.
 
A Venezuela não é um país qualquer. É a detentora das maiores reservas de petróleo do planeta. O país assumiu, desde 1o. de janeiro, a presidência da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) no ano de 2019. Desde a eleição de Hugo Chávez, em 1998, a Venezuela vem desafiando os modelos econômicos e políticos excludentes que vigoravam naquele país – e na América Latina – e exercendo cada vez mais fortemente sua soberania.
 
O interesse dos Estados Unidos e seus aliados de subjugar esse incômodo vizinho e avançar sobre suas reservas estratégicas é notório. Nós já vimos esse filme: a invasão americana no Iraque, em nome de defender os direitos do povo e instalar a democracia, resultou em 250 mil mortos, cidades destruídas, miséria, fome e terror na ocupação. Depois, largaram tudo para trás, deixando um rastro de destruição e desalento, sem antes terem propiciado que suas empresas ganhassem muito dinheiro e, como país, se posicionassem estrategicamente no acesso ao petróleo dos países árabes. Como está o Iraque agora? Melhor ou pior do que estava antes? Tem democracia? Seu povo é mais feliz? Isso não interessa mais. O que interessa é que o império conquistou o que queria.
 
São muito preocupantes os movimentos dos governos Trump e Bolsonaro, entre outros, para desestabilizar o governo eleito de Maduro e sustentar um governo paralelo da oposição. Usam uma retórica de guerra como há muito não se ouvia em nosso continente. Querem intervir na Venezuela – considerando até uma intervenção militar – com a narrativa de que seria uma ditadura, que os direitos humanos não são respeitados, que há crise humanitária; precisa-se intervir para salvar o povo.
 
Alguém acha, sinceramente, que os EUA estão preocupados com a democracia e com os diretos humanos na Venezuela? Por que não se preocupam com a fome no Iêmen? Por que tratam as pessoas em processo migratório de forma hostil? Foi a preocupação com os diretos humanos que fez o governo Trump enjaular crianças como animais?
 
Nossa Constituição e a tradição da diplomacia brasileira defendem a não-intervenção em outros países. É o respeito às nações e a autodeterminação dos povos. Não precisamos adular impérios que se utilizam das crises alheias pra cobrir seus próprios problemas e tirar vantagens políticas e econômicas, fazendo guerras e intervenções. Já assistimos esse filme e ele só traz mais dores. Quando o ex-presidente George W. Bush quis comprometer o Brasil na guerra contra o Iraque, o ex-presidente Lula reagiu com altivez: “Nossa guerra é contra a fome”.
 
As dificuldades por que passa o povo da Venezuela só foram agravadas pelas sanções e bloqueios econômicos impostos pelos EUA e seus aliados. Nunca é demais lembrar que o governo da Colômbia recusou vender remédio ao governo venezuelano. Assim acontece com outros produtos. A Venezuela é muito dependente de importações. Enquanto bloqueios e sanções permanecerem, o povo sofrerá e migrará, impondo também sofrimento aos que fazem fronteira com o país.
 
A saída, a solução pacífica para a crise venezuelana, que tem impacto na América Latina, é a negociação política, é conversar com todos os lados. Papel que o Brasil deveria estar fazendo, como já fez com sucesso, e não colocando mais lenha na fogueira.
 
Esta semana Bolsonaro se encontrará com o presidente Macri na Argentina. Jornais dizem que primeiro ponto da pauta será a Venezuela. Se tiverem o mínimo de responsabilidade com a paz, a ordem e a boa convivência dos países e povos latino-americanos, proporão diálogo com as partes venezuelanas. Caso contrário, só vamos acelerar a crise. Uma intervenção lá sobrará para todos nós.
 
Os democratas brasileiros, que se preocupam sinceramente com o destino de nossos povos, sabem que a intervenção, de qualquer espécie, não é a saída para a crise da Venezuela. E não é preciso estar de acordo com Nicolás Maduro, com seu governo ou com os processos institucionais venezuelanos para entender que, no caso de uma intervenção militar, o papel do Brasil, infelizmente, será de bucha-de-canhão.
 
Gleisi Hoffmann e senadora (PT-PR) e presidenta nacional do Partido dos Trabalhadores
 
 
Foto Eduardo Matysiak 
Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

12 Comentários

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  1. Evoé!

    Cara Presidenta, admiro a distância briosa que você vem tomando da esquerda pequeno burguesa conformista, mais perdida do que cego em tiroteio, sempre preocupada em não desagradar os eleitores fake moralistas do Bozo. A luta é muito maior do que eleições, cada vez mais fraudulentas, dominadas por todos os flancos pelas instituições venais que fincaram pé no estado e nos cumes da sociedade brasileira. Faço votos de que suas posições altivas instiguem a miltância do partido para que ela volte a ter atuação máxima e assim solape as bases frouxas do governo ilegítimo que aí está, baseado no apoio popular às promessas ilusórias do pentecostalismo obscurantista, retrógrado, expoliador das classes desfavorecidas, co-apoiado por tudo que existe de mais abjeto e contraditório na vida política, institucional, econômica e cultural do país. Parabéns, tenho orgulho de acompanhar suas ações e declarações nesse duro momento de luta. Evoé, guerreira!

  2. Forças do mercado

    Na verdade são as tais “forças de mercado” que estão impondo o jogo, pretendendo abocanhar o petróleo e demais riquezas da Venezuela. Riquezas imensas, como se sabe!!!! Se há uma critica a ser feita, talvez seja a de que tanto Chaves como Maduro estão por demais pacientes com todas as afrontas e indevidas inserções, físicas ou não, no terrirório e nas instituições Venezuelanas. Penso que o Governo  deveria endurecer com a oposição, que apenas quer  se apropriar de todas as benesses que sempre possuiram. A Venezuela só passoiu a eleger governadores, após a entrada do Chaves. E agora estão todos a falar em democracia. A Venezuela é mais democr´tica que o Brasil e , dizem alguns, mais ainda que os States amado!!! Maduro deveria parar de confratenizar e partir para cima dos opositores – internos e externos- mostrando a força de todo o processo que lá se instaura porque de qualquer forma, mais dia menos dia tentarão invadir aquele país. Olhando de fora, mais parece que estão insistindo no repulicanismo petista e todos saabemoss como terminou!!!!!

  3. Se a Venezuela cair sob o

    Se a Venezuela cair sob o controle dos EUA,  o muro que pretendem construir no México se transformará numa cortina de ferro a envolver toda a América Latina.

  4. O articulista ignora que a
    O articulista ignora que a Venezuela foi uma das nações mais desenvolvidas tecnicamente nos anos 90, o que deixou de ser com a implantação do atual sistema político e financeiro. Com as medidas de “preço justo” e da estatização de indústrias, onde foram demitidos funcionários que não compactuavam com as mudanças, muitas destas empresas deixaram de existir, chegando o País ao estado que se encontra, de desabastecimento e dependência total dos EUA, apesar da manifestação contrária. A Venezuela possuia duas refinarias de petróleo. Uma explodiu. A que resta não tem capacidade de refinar o combustível suficiente para o consumo interno, restando enviar para refino nos EUA e praticar o escambo por produtos necessários. A Venezuela hoje não produz nada pois o “preço justo” estabelecido pelo governo não é suficiente para cobrir os custos de produção e cada vez mais produtores fecham as portas.

  5. Intervenção
    Historicamente o Brasil participou de três guerras: uma na América do Sul e duas na Europa, e de várias missões de paz em conflitos internacionais. Mas, por acordos firmados e pelos laços de amizade, o Brasil socorreu países em situação de calamidade natural ou epidemiológica. Participou de projetos para desenvolvimento regional. Como não aceitar que, se formos convocados pela OEA ou ONU, ou pela própria nação Venezuelana, deixaremos de participar?

  6. VENEZUELA

    Bom dia

     

    A presidenta do PT acerta quando afirma que os interesses dos Estados Unidos nada tem a ver com a defesa das liberdades e da democarcia na Venezuela, isso todos sabemos. 

    Todavia, não somos idiotas. O governo de Maduro sobrevive única e exclusivamente graças à violência, à intimidação da oposição, e à repressão pura e simples, que resultou em mais de 100 mortes em 2017. Sobrevive porque subornou as Forças Armadas e graças a uma imensa corrupção.

    O silêncio do PT com relação às flagrantes violações dos direitos humanos na Venezuela e na Nicarágua falam por si.

    Esse discurso da presidenta talvez sirva para preservar o prestígio dela dentro da estrutura burocrática do Partido dos Trabalhadores, mas é um desastre para a esquerda democrática. Justificar a violência promovida por um governo corrupto e incompetente, somente porque esse governo diz ser o socialismo do século XXI é, no mínimo, falta de honestidade intelectual. Ou, talvez, a presidenta e seus apoiadores acreditem mesmo no que dizem e, aí, não tem salvação mesmo.

    Graças a essa mentalidade, o PT não teve forças para evitar a eleição dos fascistas tupiniquins. Uma retórica da época da Guerra Fria, velha e sem futuro. 

    Vamos esperar. Talvez a presidenta do PT, se convidada, também compareça à posse de Ortega, para um futuro novo mandado. E lá ela diga que as pessoas assassinadas pelo regime desse patife, que usurpou o nome da Revolução Sandinista, foram assassinados por agentes da CIA.

    Enquanto isso, os setores democráticos esperam que estratégias lúcidas de oposição ao novo governo sejam apresentadas pelo maior partido progressista do Brasil que, infelizmente, não tem uma liderança à altura do que merecem seus militantes.

  7. Gleisi na Venezuela

    Obrigado por descrever as razões que tornam o governo Maduro democrático. Sinceramente eu precisava saber pois o discurso comum de que lá se instala o autoritarismo parece tão verdadeiro que mesmo lendo e lendo e lendo um desentendimento original me afeta. Informações sobre como foram as eleições, sobre a legitimidade do governo, devem ser publicadas exaustivamente. O “republicanismo brasileiro”, como visto anteriormente, deu no que deu. 

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