A quem serve a reforma política que Eduardo Cunha tirou do baú?, por Maria Inês Nassif

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Wendel Lopes/PMDB

da Carta Maior

A quem serve a reforma política que Eduardo Cunha tirou do baú?

A ele mesmo e à bancada que se elege com a ajuda de poderosos grupos econômicos. Por isso ele não hesita em tentar um golpe contra a democracia.

Maria Inês Nassif

Se existia alguma dúvida em relação ao poder de reação – leia-se reacionário, no sentido estrito do termo – do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), ela caiu por terra com a manobra de colocar em pauta a Proposta de Emenda Constitucional de número 352. Se aprovada, a emenda vai consolidar um sistema político que está alicerçado no dinheiro de grupos econômico, distorce a vontade popular e aprofunda cada vez mais a distância entre a representação política do eleitor, com danos enormes para a democracia. A proposta amplifica os defeitos do sistema democrático brasileiro que são a base do descrédito em que estão sendo jogadas as instituições.
 
Cunha tem a força recém-adquirida de sua eleição para a Presidência da Câmara, uma bancada pessoalmente fiel a ele na casa, interesses convergentes de políticos tradicionais e a aquiescência da oposição – que entrou numa espiral de aprovar qualquer coisa que seja contra o governo, independentemente do impacto que isso tenha sobre o futuro do país e dos brasileiros de bem. Com esse trunfos, o deputado pode promover, como uma vitória pessoal, mudanças eleitorais que consolidarão e aprofundarão a prática da corrupção eleitoral.

A PEC 352 não é, como poderia parecer, uma mera peça de xadrez na disputa de partidos pelo poder político. É um golpe contra a democracia. 
De uma tacada, Cunha investe contra os setores sociais que lutam pela reforma política e têm no financiamento privado de campanha seu principal alvo; e contra o próprio Supremo Tribunal Federal (STF), que caminha para uma decisão histórica de subtrair do cenário eleitoral o financiamento empresarial e fixar a proibição do uso do dinheiro das empresas em campanhas eleitorais como cláusula constitucional pétrea, em decorrência do entendimento de que esse tipo de contribuição favorece o poder econômico, distorce a vontade do eleitor e é fonte de corrupção política. 
 
O STF já teria decidido proibir o financiamento eleitoral por pessoas jurídicas em agosto do ano passado, se o ministro Gilmar Mendes não tivesse pedido vistas e retardado o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil.  Aliás, esta teria sido uma reversão das tendências do STF até agora, pois a mais alta corte judiciária do país, em matéria eleitoral, tem impedido mudanças que seriam fundamentais para reduzir o preço da governabilidade – por exemplo, derrubou a fidelidade partidária e impediu a vigência das cláusulas de barreira para funcionamento dos partidos políticos, que restringiria o papel das chamadas legendas de aluguel nas eleições e no Legislativo.
 
O presidente da Câmara quer desautorizar uma decisão do STF, que impediria o financiamento eleitoral de grupos econômicos, usando uma péssima invenção assinada pelo agora ex-deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP). Foi o petista que assumiu a maestria do primeiro orquestramento da bancada peemedebista contra uma reforma política na gestão de Henrique Eduardo Alves na Presidência da Câmara. Após as manifestações de junho de 2013, e como tentativa de esvaziamento da proposta da presidenta Dilma Rousseff de chamar um plebiscito sobre a reforma política, Alves chamou para si a iniciativa e formou uma comissão para forjar um “consenso” em torno de mudanças nas regras eleitorais. O grupo criou um monstrengo que, entre outras coisas, constitucionalizou o financiamento privado de campanha – e isso, uma vez aprovado, dificultaria imensamente qualquer tentativa popular de jogar fora essa liberalidade da lei brasileira. A deputada Luiza Erundinha (PSB-SP) saiu da comissão e denunciou a farsa. Vaccarezza ficou e assumiu a autoria da proposta. O PT tomou outros rumos e lançou posteriormente uma campanha nacional contra o financiamento privado de campanha e pelo voto em listas fechadas para as eleições do parlamento e desautorizou Vaccarezza, que não se reelegeria na eleição do ano seguinte mas deixou uma emenda parlamentar na gaveta que vai ser um pepino a ser enfrentado por todas as forças progressistas. 
 
O país, agora, está diante de uma ação desafiadora do presidente da Câmara e de seus asseclas, que tem especialmente como objetivo manter o financiamento privado de campanha, centro de todos os escândalos políticos que envolvem o país desde a primeira eleição direta para a Presidência da República pós ditadura, em 1989.
 
A ação política que vem como uma reação ao debate democrático sobre como depurar a democracia não é apenas uma maldadezinha de Cunha. É uma peça fundamental na luta pela sobrevivência de amplos setores do parlamento que apenas estão na política – e apenas terão interesse nisso – enquanto o Parlamento se servir a balcão de negócios.
 
O poder de Cunha depende disso. Reside nisso. O presidente da Câmara funciona como um mediador de interesses. Cunha atrai os grupos econômicos com interesse em ações de governo ou matérias em tramitação no Legislativo, e canaliza dinheiro desses grupos para financiar campanhas eleitorais de parlamentares. Amarra compromissos desde as eleições – e eleições caras são fundamentais para que sejam eleitas sempre mais pessoas que tenham compromissos com financiadores poderosos.
 
O deputado que hoje preside a Câmara assumiu, portanto, a tarefa de organizar a bagunça dos interesses variados que circulam diariamente pelo Congresso, e faz isso operando desde as eleições e garantindo lealdades a partir do financiamento privado de campanha. Se as campanhas eleitorais passarem a ser feitas sem o dinheiro de empresas – e se o uso de caixa dois for efetivamente diluído pela ação da justiça, da polícia e do Ministério Público – o poder de Cunha se esvai como balão furado. Vai sobrar apenas o acesso a uma bancada evangélica que apenas é coesa em assuntos relativos à fé, como votações que impliquem modernização de costumes – aborto, uso das células-tronco em pesquisas e até o “orgulho hétero”, que poderá virar feriado nacional com a ajuda do presidente da Câmara – quando se trata de manter a lealdade de sua bancada, afinal, Cunha não tem medo do ridículo. Isso faz parte do trabalho de líder da bancada do baixo clero: jamais desprezar um assunto menor, para sempre vencer nos assuntos em que tem maior interesse.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

17 Comentários

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  1. cunha navega nessa tentativa

    cunha navega nessa tentativa de transformar o congresso

    num mero balcão de negócios na contramão da história

    contra forças  poderososas junto aos movimentos sociais,

    como a oab, a cnbb e o pt, que aderiu às propostas destas instituições. 

    quanto mais se afastar dos interesses reais da sociedade,

    mais o congressos se aviltará em suas funções democráticas.

  2. Há muito

    Há muito tempo o PT perdeu a noção do ridículo, pois costuma dizer que estão querendo marginalizar o Partido. Mas eu pergunto, o Cândido Vaccarezza continua no Partido? Tigrada do PT, menos, menos….

    1. Centralismos

      O PT não funciona com os centralismos estabelecidos pela velha esquerda. O campo das divergências é preservado até que as instâncias do Partido definam as proposições encaminhadas como suas.

      Não me consta ter havido fechamento de questão na proposição do Plebiscito pela Constituinte exclusiva, pois foi uma proposta encaminhada para a discussão pública, em resposta às mobilizações de Junho/13, e que foi referendada por mais de 7 milhões de pessoas.

      O Vacarezza recebeu o enquadramento disciplinar nas mãos do eleitorado petista, que deixou-o à mingua nas eleições. Vai continuar no Partido até que resolva seguir o caminho da Marta.

       

    2. [    Mas eu pergunto, o

      [    Mas eu pergunto, o Cândido Vaccarezza continua no Partido? Tigrada do PT, menos, menos….[    não acho que o petismo jamais irá apoiar corrupto safado, mas ter sido tanto quanto todos já foram é honestamente merecedor de respetio partidário

  3. Taí o resultado das “jornadas

    Taí o resultado das “jornadas de junho” que as vítimas da imprensa não vão compreender nunca.

    Eu nem chamo isso de “reforma política”, chamo de CONTRA REFORMA.

  4. É o Governo Republicano de Dilma !

    Esse Governo Dilma está tendo o que merece, e infelizmente todos vão pagar por isso. Um governo até agora insosso e incompetente que não tem  discurso e nem ações que consigam nos mostrar a que veio. No mais é chover no molhado e… governo republicano, tão republicano que não consegue nem se defender ! Oh sofrência !

    1. Independência de Poderes

      Um dos pilares da República é a independência dos poderes.

      Você preferiria que a Dilma fechasse o Congresso, como os algozes dela fizeram?

      Ela já apresentou a proposta de Plebiscito por uma Constituinte exclusiva. Você sabia disso?

      Esse debate político ainda vai ser feito em Praça Pública.

  5. A minha grande esperança em

    A minha grande esperança em ver Eduardo Cunha desmoralizado reside justamente nesse ponto relativo à reforma política. O povo voltará às ruas, com toda certeza, dessa feita para barrar as manobras pretendidas por ele, contrárias à vontade popular. A situação está encurralada, e mais inexpressiva será com o desenrolar da Operação lava a Jato, e a CPI. Resta acreditar no povo, em manifestações. Elas estão tardando, mas nã faltarão. 

    1. Reforma política

      Sou a favor da reforma política, pois temos que acabar com essa benevolência para com os políticos e as suas manipulações. Reforma política: acabar definitivamente com o voto obrigatório, acabar com foro privilegiado, punir com mais rigor os políticos que praticam crimes prevalecendo-se do cargo que ocupa, inelegibilidade de políticos corruptos e corruptores, que a pratica de corrupção seja considerada crime hediondo…  

    1. A quem serve a reforma política

      A quem serve não sei, mas a quem favorece sim: Ao país consequentemente ao povo!

       

      Refirma política: Voto não obrigatório, não ao foro privilegiado, inelegibilidade de políticos corruptos, crime hediondo para corrupção, acabar com prisão domiciliar para político condenado por corrupção, punir com mais rigor políticos e autoridades que praticam crimes prevalecendo-se do cargo que ocupa, sem exceção… 

  6. SIMPLES!  É entregar na mão

    SIMPLES!  É entregar na mão do Presidente do Congresso, o Sr. Renan Calheiros, a NOSSA PROPOSTA, com 2 Milhões de Assinaturas e IR PARA AS RUAS e para a PORTA DO CONGRESSO e é o que já deveria ter sido feito na porta do STF e exigir que o Sr. Gilmar Mendes, DEVOLVA e VOTE o FINANCIAMENTO PÚBLICO DE CAMPANHA (6X1); se ficarmos na “INTERNT”, Ele vai ficar mais 1 ANO com ele dando GARGALHADAS.  Por isso É RUA! RUA! E RUA!  PELO BEM DO BRASIL E DE TODO O POVO BRASILEIRO !!!!

  7. PMDB: impicha ou não impicha? – “Escolhas”.

    “Escolhas”, que tipo de propaganda mais estranha, mais cara-de-pau. Esse PMDB parece mesmo determinados tipos de câncer, que vão devagar e insistentemente roendo o organismo por dentro – e (se / quando) o paciente se dá conta, já é tarde. 

    Coitado do Brasil:

    https://www.youtube.com/watch?v=G3JwEY-qPRI

    http://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/2014/02/27/na-propaganda-pmdb-se-autoelogia-por-escolhas-na-vida-real-e-todo-duvidas/

    http://blogs.ne10.uol.com.br/jamildo/2015/02/18/pmdb-faz-enigma-sobre-programa-eleitoral-no-proximo-dia-26/

     

  8. perfeita análise….o

    perfeita análise….o deputado já mostrou a que veio, quem representa e o que quer….Se a Dilma jogasse xadrez deixava esse Sr se enforcar sozinho………..ele insiste em trazer a Dilma (vide o caso da venezuela) para a briga, ta louco para criar um Tea Party Tupiniquim, mas frieza nessas horas é fundamental…………afinal isso é Brasil. Ele não tem tanto poder como imagina e pode se atrapalhar antes do que imagina, só é preciso esperar o momento certo. A Dilma poderia começar nacionalizando a 7Brasil e passando sob domínio das Forças Armadas setores economicos estratégicos e de segurança futura……..Nassif uma guinada mais conservadora da nossa Presidenta deixaria a oposição sem chão.

  9. Enquanto nao houver políticos
    Enquanto nao houver políticos competentes de verdade do lado esquerdo do espectro, é isso mesmo que irá acontecer.

    O que mais me espanta é essa fixação com os “opositores” e o “esquecimento” do PMDB como partido aliado e a vergonhosa inépcia da turminha do ABC.

    Dito de outro modo: até quando culparao o time adversário pelas derrotas e esquecerão da qualidade de seus próprios jogadores?

    Que coisa…

  10. reforma politica

    É preciso pressionar o congresso para que esse poder não perpetue o atual modelo de  financiamento de campanha no Brasil. Se não segurarmos essa reforma a partir do congresso, demoraremos muitos anos para ampliar as bases democráticas longe do poder econômico. 

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