A saga de Eunice para encontrar informações sobre Rubens Paiva

Enviado por MiriamL

Do blog do Zé Dirceu

A saga de Eunice Paiva contada pelo filho Marcelo Rubens Paiva

O escritor Marcelo Rubens Paiva protagonizou no fim de semana o mais emocionante depoimento visto pela plateia da Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP) ao evocar o papel de sua mãe, Eunice Paiva, na luta para conseguir informações e descobrir o paradeiro do pai, o ex-deputado Rubens Paiva, desaparecido depois de ser preso, torturado e assassinado pela ditadura militar nos porões do DOIC-CODI-Rio entre 20 e 22 de janeiro de 1971.

Marcelo participou no fim de semana da mesa “Memórias do Cárcere: 50 Anos do Golpe”, em que também foi apresentado o último discurso de seu pai como deputado, feito na madrugada de 1º de abril de 1964, na qual Rubens Paiva conclamava defendia a legalidade e conclamava a resistência ao golpe em marcha.

O escritor, leu, também, uma crônica sua “Trabalhando o sal”, publicada em fevereiro deste ano no Estadão, na qual ele conta a corajosa luta de sua mãe, iniciada ainda nos piores anos (início da década de 70) de chumbo do regime de exceção,  em busca de informações sobre o marido desaparecido nos porões da repressão.

Eunice enfrentou militares e foi até o Planalto de Médici, saber do marido

Eunice enfrentou militares de quem cobrou dados sobre o que acontecera ao marido e dados para localizá-lo e esteve até dentro do Palácio do Planalto, em uma audiência com o ministro da Justiça do presidente general Médici, Alfredo Buzaid, que lhe garantiu que Rubens Paiva estaria de volta em casa dentro de poucos dias.

Era mentira e ela descobriu depois que o ministro quando lhe afirmou isto já sabia que seu marido estava morto.Ela também denunciou o crime contra seu marido em entrevistas à mídia internacional numa época em que esse tipo de atitude levava à cadeia – ela já estivera 15 dias presa no DOI-CODI, levada no mesmo dia em que levaram seu marido de casa. Nunca recuou, nem teve medo, nem fraquejou.

“Minha mãe foi presa. Ela era uma dondoca, ia à praia, jogava vôlei com a Marieta Severo e não sabia de nada. Depois de 13 dias ela foi solta e se viu sozinha. Começou a peitar (…) Quem combateu a ditadura foi a minha mãe, não foi meu pai. Assim como ela, outras mulheres tentaram honrar o nome de seus queridos mortos barbaramente. Minha mãe procurou ministros e deu entrevistas a correspondentes internacionais. E foi a partir de 1971 que o governo americano foi obrigado a rever sua postura em relação ao regime”, lembrou Marcelo, que escreve um livro sobre a mãe.

O desaparecimento, para a família, uma segunda tortura

“Quando meu pai desapareceu, não havia notícia dessa possibilidade de alguém ser preso e desaparecer”, afirmou o escritor lembrando que o Brasil foi um dos primeiros países da América Latina a adotar a tática de eliminar opositores do governo. “Não havia com quem conversar. Não haviam órgãos da sociedade civil organizada nem órgãos legais, a imprensa estava sob forte censura. As informações eram passadas geralmente por amigos de amigos que ficavam sabendo de algo em Brasília. A sociedade não tinha ideia do que estava acontecendo. Minha mãe costumava dizer que o desaparecimento era uma segunda tortura”.

Marcelo leu para a plateia um texto em que o escritor e jornalista Antônio Callado relatava encontro com Eunice Paiva, em 1971, pouco depois de ela ser solta da prisão e antes de saber que o marido fora assassinado – Callado contou na crônica que Eunice saiu do mar feliz e foi ao encontro dele e de outros amigos para contar que o marido estaria de volta em breve.

Marcelo incluiu partes do texto de Calado em sua crônica “Trabalhando o sal”, publicada no Estadão no início deste ano leu para a plateia da FLIP seu próprio texto: “Por anos, fotógrafos nos queriam tristes. Deflagramos uma batalha contra o pieguismo da imprensa. Sim, éramos a família modelo vítima da ditadura, mas não faríamos o papelão de sairmos tristes nas fotos. Nosso inimigo não iria nos derrubar. Guerra é guerra. Minha mãe deu o tom: a família Rubens Paiva não chora em frente às câmeras, não faz cara de coitada, não se faz de vítima. A família Rubens Paiva não é a única vítima da ditadura. Esteve em guerra contra ela desde o primeiro dia. O País é a maior vítima. O crime foi contra a humanidade, não contra Rubens Paiva. Nossa luta não tem fim. Precisamos estar bronzeados e saudáveis para a contraofensiva. A angústia, as lágrimas, o ódio, apenas entre quatro paredes.”

O escritor explicou sua emoção exposta durante a leitura – chorou em alguns momentos – contando que está tocado pelo nascimento de seu 1º filho, há cinco meses, e com uma revelação feita em público pela primeira vez: Eunice Paiva está sofrendo de Alzheimer. A luta, agora que só falta descobrir o paradeiro dos restos mortais do ex-deputado é conduzida pela família, quatro filhas e o filho.

Como a ditadura iniciou a política de desaparecer com adversários

Além de participaram da mesa “Memórias do Cárcere: 50 Anos do Golpe”, o escritor Bernardo Kucinski e o economista Pérsio Arida. A antropóloga Lilia Moritz Schwarcz, mediadora do evento, constatou: “A memória sobre o golpe ainda incomoda os brasileiros. O silêncio sobre os militares e civis responsáveis por uma complexa estrutura de repressão, que fez da tortura uma política oficial de Estado.”

Kucinski relatou o contexto em que sua irmã, Rosa,  desapareceu: “Os primeiros desaparecimentos foram esporádicos, muitas vezes resultado de um ‘acidente de trabalho’ na sala de tortura, como deve ter acontecido com o pai do Marcelo. Mas a partir de 1973 houve uma mudança na distribuição de forças, especialmente com as greves do ABC, e a cúpula militar resolveu fazer uma retirada estratégica, a abertura lenta, gradual e segura. E dentro dessa estratégia decidiram também eliminar os últimos elementos considerados perigosos. Minha irmã e meu cunhado foram mortos nesse contexto”.

O terceiro participante da mesa, o economista Pérsio Arida, deu um outro ponto de vista sobre a questão: o de alguém que ficou desaparecido. Pérsio foi preso aos 18 anos, quando fazia parte da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares).
“Se você é preso e ninguém está sabendo, podem te matar a qualquer momento. Quando eu soube que meus pais sabiam onde eu estava, isso me deu uma sensação enorme de alívio. Não que meus pais tivessem alguma influência, mas porque haveria algum constrangimento com a minha morte”, relatou.

Ouçam, aqui, o último discurso de Rubens Paiva e leiam a crônica do filho, escritor Marcelo Rubens Paiva “Trabalhando o sal“.

Redação

4 Comentários

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  1. Flip
    Eu estava em Paraty nesse final de semana e vi o discurso do Marcelo, foi emocionante!
    A própria Flip em si é emocionante! Dizem que brasileiro lê pouco, creio que isso seja uma balela, Paraty estava lotada!!!

  2. Presidente das Avós da Praça de Maio encontra neto desaparecido

    Presidente das Avós da Praça de Maio encontra neto desaparecido durante ditadura argentina

    Redação | São Paulo – 05/08/2014 – 16p2Após 37 anos de busca, o neto foi encontrado na cidade de La Plata, próxima a Buenos Aires, e já se reuniu com a avó, Estela de Carlotto 

    Atualizada às 17p7

    A presidente das Avós da Praça de Maio, Estela de Carlotto, encontrou nesta terça-feira (05/08) o neto após 37 anos de busca. O neto foi encontrado na cidade de La Plata é filho de Laura Carlotto, desaparecida durante a ditadura militar na Argentina. O neto 114 foi identificado há poucas horas.

    Divulgação/ Facebook

    Estela lutava desde 1977 para encontrar o neto, junto com outras mulheres que tiveram as filhas grávidas sequestradas

    O neto, que hoje tem 36 anos, realizou voluntariamente o exame de DNA, como informou seu tio, o secretário de Direitos Humanos de Buenos Aires, Guido Carlotto. “Estamos muito felizes pela notícia. Por questões legais, só podemos dizer que se trata de um músico e fez o teste voluntariamente”. 

    Leia também: Operação Condor: neto resgatado pelas Avós da Praça de Maio é filho de chilenos

    Laura Carlotto foi sequestrada em 1977 e estava grávida de três meses. De acordo com testemunhas, a jovem estudante de História da Universidade Nacional de La Plata foi mantida no centro clandestino de detenção La Cacha, em La Plata, até dar a luz no Hospital Militar de Buenos Aires no dia 26 de junho de 1978.

    A importância das Avós de Maio

    A Associação Civil Avós da Praça de Maio é uma organização não-governamental, que tem por intuito localizar e retornar às famílias legítimas todas as crianças desaparecidas em sequestros pela ditadura militar argentina. A ideia é, também, criar as condições para prevenir que esses crimes voltem a ocorrer., exigindo castigo e punição aos responsáveis.

    Leia também: Há dez anos, Argentina transformava em memorial maior centro clandestino de tortura da ditadura

    De acordo com estimativas da ONG, durante o regime militar, as autoridades se apropriaram de pelo menos 500 bebês, muitos deles nascidos em centros de torturas, hospitais militares e delegacias. Em 12 de maio de 2008, foram nomeadas ao Prêmio Nobel da Paz.

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