A valentia de ocasião do Ministro Fachin, por Hugo Cavalcanti Melo Filho

Ninguém ignora que as mensagens do General Villas Bôas comentadas no livro recém-publicado foram divulgadas nas redes sociais no dia 3 de abril de 2018, véspera do julgamento do habeas corpus do ex-presidente Lula.

A valentia de ocasião do Ministro Fachin

por Hugo Cavalcanti Melo Filho

Nesta Segunda-feira de Carnaval, o Ministro Edson Fachin publicou nota classificando de “intolerável e inaceitável qualquer forma de pressão injurídica sobre o Poder Judiciário”. Disse isso na condição de relator do HC 152752, “diante de afirmações publicadas e atribuídas à autoridade militar”. Segundo o Ministro, “a declaração de tal intuito, se confirmado, é gravíssima e atenta contra a ordem constitucional”.

Ao que parece, somente agora o Ministro Fachin se deu conta da “intolerável e inaceitável” pressão dos militares sobre o Judiciário, mais precisamente sobre o Supremo Tribunal Federal. A nota do Ministro se refere à repercussão da recente publicação de livro com entrevista do General Villas Bôas, mas é inacreditável que Sua Excelência, passados três anos das manifestações do general, não se constranja em reagir de forma tão extemporânea.

Ninguém ignora que as mensagens do General Villas Bôas comentadas no livro recém-publicado foram divulgadas nas redes sociais no dia 3 de abril de 2018, véspera do julgamento do habeas corpus do ex-presidente Lula. Eis o inteiro teor:

“Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?”

“Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais”.

 As mensagens desencadearam manifestações de outros militares de alta patente. General de Exército Gerson Menandro Garcia de Freitas, comandante militar do Oeste: “Mais uma vez o Comandante do Exército expressa as preocupações e anseios dos cidadãos brasileiros que vestem fardas. Estamos juntos, Comandante @Gen_VillasBoas!”. General Antônio Miotto, comandante militar do Sul: “Estamos juntos meu COMANDANTE!!! na mesma trincheira firmes e fortes!!! Brasil acima de tudo !!! Aço !!!”. General Pinto Sampaio: “Como disse o consagrado historiador Gustavo Barroso: ‘Todos nós passamos. O Brasil fica. Todos nós desaparecemos. O Brasil fica. O Brasil é eterno. E o Exército deve ser o guardião vigilante da eternidade do Brasil’. Sempre prontos Cmt!!”.

Em um país que vivesse em plenitude o estado democrático de direito, o general Villas Bôas e os que o seguiram nas mensagens em redes sociais seriam imediatamente presos, por ameaçarem a mais alta Corte de Justiça do país e a própria democracia. Mas, exceto pela manifestação isolada do ministro decano, no dia seguinte, por ocasião do julgamento do habeas corpus, o Supremo Tribunal Federal preferiu silenciar. Inclusive o Ministro Fachin.

O Ministro Fachin, em sua nota, afirma que o intuito de pressionar o Supremo. “se confirmado”, é gravíssimo. Se confirmado? O General Villas Boas só faltou desenhar. Não poderia ser mais claro em sua interferência. E em sua ameaça.

Mesmo que o Ministro Fachin não tenha se dado conta do intuito do general, na véspera do julgamento do habeas corpus de Lula, fatos posteriores o evidenciaram até não mais poder.

Na verdade, o comandante Villas Bôas se tornara protagonista do processo eleitoral, ao publicar os tuítes. Segundo o El País, “Poucos meses depois, convidou todos os candidatos à Presidência para uma conversa incomum sobre questões nacionais, em um momento de dificuldades e cortes orçamentários, mesmo nas Forças Armadas” para “discutir o tema Defesa Nacional, atinentes ao Exército Brasileiro, e ressaltar a importância da adoção de políticas que garantam o avanço indispensável dos programas estratégicos da Força”.

Em novembro de 2018, o general Villas Boas, em entrevista ao jornalista Igor Gielow, fez questão de confirmar o intuito de suas mensagens do dia 3 de abril:

“Eu reconheço que houve um episódio em que nós estivemos realmente no limite, que foi aquele tuíte da véspera da votação no Supremo da questão do Lula. Ali, nós conscientemente trabalhamos sabendo que estávamos no limite. Mas sentimos que a coisa poderia fugir ao nosso controle se eu não me expressasse. Porque outras pessoas, militares da reserva e civis identificados conosco, estavam se pronunciando de maneira mais enfática. Me lembro, a gente soltou [o post no Twitter] 20h20, no fim do Jornal Nacional, o William Bonner leu a nossa nota” [Houve críticas] “do pessoal de sempre, mas a relação custo-benefício foi positiva. Alguns me acusaram… de os militares estarem interferindo numa área que não lhes dizia respeito. Mas aí temos a preocupação com a estabilidade, porque o agravamento da situação depois cai no nosso colo. É melhor prevenir do que remediar”.

Em reconhecimento ao serviço que lhe foi prestado por Villas Bôas, Jair Bolsonaro, na solenidade de transmissão do cargo de Ministro da Defesa,no dia 2 de janeiro de 2019, disse: “General Villas Bôas, o que já conversamos ficará entre nós. O senhor é um dos responsáveis por eu estar aqui”.

E qual foi a reação do Ministro Fachin? No dia 4 de dezembro de 2018, em sessão da Segunda Turma do STF, na qual se julgava novo pedido de liberdade para o ex-presidente Lula, o ministro fez afirmação reveladora: “Não deixo de anotar que houve procedimentos heterodoxos, mesmo que para finalidade legítima”.

As pressões do General Villas Bôas não pararam por aí. Quando o Ministro Alexandre de Moraes determinou, em 16 de abril de 2019, ”busca na casa do general da reserva do Exército Paulo Chagas, seguida de outras nove operações de busca e apreensão em seis estados do país, contra outros militares e procuradores que acusaram o STF de pactuar com a corrupção e defenderam o fechamento do Supremo”, o já ali assessor especial do Gabinete de Segurança Institucional (GSI)  Villas Bôas, não se fez de rogado. O ex-comandante do Exército disse desconhecer as motivações de Alexandre de Moraes, mas declarou esperar da Justiça que as coisas sejam colocadas ‘no devido lugar’ após apurações. Disse ainda estar “preocupado com as restrições que o general Paulo Chagas possa estar sofrendo”. “Conheço muito o general Paulo Chagas. Amigo pessoal meu e confesso que estou preocupado. Vamos acompanhar os desdobramentos disso”.

E quando vieram à tona as revelações do The Intercept Brasil, às vésperas do julgamento de habeas corpus impetrado pela defesa do ex-presidente Lula, alegando, exatamente, a suspeição do juiz Sergio Moro, o ex-comandante do Exército, General Villas Bôas, agora assessor do Gabinete de Segurança Institucional, publicou, nas redes sociais:

“Muito preocupante o que estamos vivendo, porque dá margem a que a insensatez e o oportunismo tentem esvaziar a Operação Lava Jato, que é a esperança para que a dinâmica das relações institucionais em nosso país venha a transcorrer no ambiente marcado pela ética e pelo respeito ao interesse público. Expresso o respeito e a confiança ao Ministro Sérgio Moro”.

Coincidentemente, o julgamento foi adiado. E, em fevereiro de 2021, não há previsão de que ocorra. O adiamento do julgamento do habeas corpus foi associado à manifestação do general Villas Bôas, depois reforçada por Hamilton Mourão e outros militares.

Então, qual foi a novidade trazida pelo livro “General Villas Bôas: conversa com o comandante”, de Celso de Castro, que deu ensejo à reação do Ministro Fachin? Apenas que o texto foi redigido a várias mãos, por integrantes do Alto Comando das Forças Armadas. Mas isso também não chega a ser novidade. Na verdade, as pressões da caserna haviam se iniciado muito tempo antes do notório tuíte do General Villas Bôas, em declarações de graduados representantes da caserna, os quais, conduzidos ao centro da política pelo Golpe de 2016 e pelo governo Temer, se sentiram à vontade para interferir na esfera judicial.

A rigor, as mensagens do então Comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, no Twitter, na véspera do julgamento do habeas corpus do ex-presidente Lula, apenas representou o ponto culminante da ingerência da caserna sobre o Supremo Tribunal Federal.

Onde estava o Ministro Edson Fachin até este frustrado Carnaval de 2021? O que pretende com a indignação momesca e tardia? De que adianta a valentia institucional ex post factum? As atitudes “intoleráveis e inaceitáveis” dos militares, como o próprio Ministro as qualificou, deveriam ter sido repelidas a tempo e a modo. De nada vale o repúdio inexplicavelmente condicional (“se confirmado o intuito”), três anos mais tarde e depois de contempladas, coincidentemente, todas as exigências militares. A indesejável influência da caserna no STF, inimaginável em um país democrático, maculou definitivamente a imagem da Corte e de seus irresolutos membros, que não será restaurada com arroubos de Carnaval.

Hugo Cavalcanti Melo Filho é Juiz do Trabalho, Professor da UFPE, Doutor em Ciência Política e autor do livro “Judiciário Tutelado: o STF sob o peso dos coturnos.

Redação

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