Agências desreguladoras: raposas no galinheiro, por Helena Chagas

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Jornal GGN – A jornalista Helena Chagas divulgou artigo no portal Os Divergentes criticando o papel das agência reguladores como ANS, ANAC e ANTT, que têm ignorado que, como órgãos públicos, precisam atuar em favor do bem comum, do “consumidor ou contribuinte”, não importa como queiram chamar.

Essa visão vai de encontro ao que declarou um executivo da ANS ao jornal O Globo na quarta (19), após o Supremo Tribunal Federal suspender resolução que permitia aos planos de saúde cobrar até 40% das consultas e exames dos usuários, mais a mensalidade reajustada. Na visão da agência de saúde, seu papel não é proteger o consumidor.

Por Helena Chagas

Em Os Divergentes

Ao suspender a regra que autorizava as operadoras de planos de saúde a cobrarem de clientes até 40% do valor de procedimentos e exames, a presidente do STF, Cármen Lúcia, deu um belo puxão de orelhas na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), coincidentemente a poucas horas de assumir, ela mesma, a presidência da República. “Saúde não é mercadoria. Vida não é negócio. Dignidade não é lucro”, escreveu ela no despacho em que tornou sem vavalidades resolução da ANS.
 
É uma pena que, no pouco tempo que passou no Planalto, Cármen Lúcia não tenha tido a chance de mexer nos maus hábitos que tomaram conta da operação das agências reguladoras. Vamos torcer – e votar, que é o que está ao nosso alcance – para que o sujeito que subir a rampa no dia 1 de janeiro tenha o bom senso de tomar essa providência.
 
Porque esse sujeito vai ter muito o que fazer. Só para ficar na história recentíssima, vai ter que dar satisfações a milhões de passageiros engambelados pela conversa da ANAC de que as passagens aéreas ficariam mais baratas depois que as bagagens passassem, por resolução da agência, a serem cobradas. Uma balela.
 
Da mesma forma, a confusão criada pelas transportadoras de carga do país, com o apoio da ANTT, em torno do tabelamento do preço dos fretes vai sobrar para ser resolvida pelo próximo presidente da República. 
 
E vamos parar por aí porque cada cidadão brasileiro terá seu exemplo a apontar. Qual é o problema das agências? Nos últimos tempos, parecem estar sempre do lado errado.
 
Diferentemente do que disse, em entrevista ao Globo, o diretor da ANS, Rodrigo Aguiar – “não somos um órgão de defesa do consumidor” – reafirmando teimosamente que vai manter a regra dos 40%, as agências são órgãos governamentais. Como tal, e como todos os outros sustentados com recursos públicos, têm a obrigação precípua de trabalhar pelo bem geral. Em outras palavras, para o cidadão, seja ele chamado consumidor, contribuinte ou qualquer outra coisa.
 
Criadas a partir da desestatização nos governos de Fernando Henrique Cardoso, as agências são, em tese, órgãos destinados a equilibrar o mercado.  Passaram a existir para atuar nos setores em que a iniciativa privada passou a ter maior espaço de atuação, como por exemplo o de óleo e gás, depois do fim do monopólio da Petrobras. São autarquias que tem os nomes de seus diretores aprovados pelo Senado.  
 
Não é preciso ser gênio para saber que o elo mais vulnerável da corrente é o consumidor, o usuário dos serviços, que estão sempre levando a pior. 
 
Isso porque, como toda a boa ideia que pode dar errado, as agências foram se distanciando do propósito inicial e acabaram “capturadas” – palavra curiosa, mas bem adequada –  por setores que deveriam fiscalizar. Tornaram-se objeto de barganhas políticas escancaradas. O rigor inicial em suas nomeações foi se afrouxando na parceria entre Executivo e Legislativo. Hoje, com raras exceções, são cabides de indicações.
 
No governo Temer, então, tornaram-se galinheiros guardados por raposas, seguindo a moda dos órgãos públicos chefiados por interessados no assunto. O Ministério da Saúde, por exemplo, há dois anos é feudo do PP. Seu atual ocupante, Gilberto Occhi, não é médico e saiu da Caixa Econômica Federal sob acusações. 
 
Lamentavelmente, não chega a ser surpresa que a ANS venha baixando resoluções favoráveis às operadoras de planos de saúde e contrárias ao interesse de quem precisa de assistência. Pensando bem, não espanta nem que o sarampo tenha voltado e a mortalidade infantil aumentado. Triste demais.
Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

2 Comentários

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  1. Anatel

    Outra é a pior agência, Anatel. Renovou os contratos mesmo sabendo que nao tinha como verificar se as metas haviam sido cumpridas[1], nunca criou a “empresa modelo” [2] que deveria basear os aumentos das tarifas, confiando em dados fornecidos pelas proprias fiscalizadas, segurou por mais de uma decada a licitação de frequências de MMDS, impedindo a concorrência no setor de TV paga, não cede numeração para empresas de SCM entrarem no mercado de telefonia, apesar de disposto no regulamento desse serviço (Vono da GVT e Azzu da Algar usavam numeração das respectivas concessionárias, que não davam igualdade de tratamento a outras empresas), e forçando aos interessados a adquirir licenças de STFC, mais complexas e portanto onerosas, nunca regulamentou o unbundling (compartilhamento de redes[3]) que permitiria maior competição e requerendo que as empresas duplicassem os fios nos postes para poder atender os clientes, entre outras falhas graves contra o consumidor e a concorrência…

    [1] https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia-Politica/Anatel-prorroga-concessao-da-Telefonica-sem-verificar-cumprimento-de-metas/7/11339

    [2] http://www.anatel.gov.br/setorregulado/modelo-de-custos

    [3] desafio alguém achar o DESPACHO 176 que versa sobre o assunto, no site da anatel

     

  2. Herança maldita

    De Fernando II ! 

    Pior que a privatização desvairada, foi o mercado regulado unilateralmente pelo capital. Nos EUA a lei anti trust é de final dos anos 1890!

    Aqui os Robber Barons ditariam as normas de concorrencias.

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