André Singer: Parlamentarismo é dar ao golpe de 2016 consequências duradouras

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Foto: Divulgação
 
 
Por André Singer
 
Um novo regime?
 
Na Folha
 
As comparações entre 1964 e 2016 devem ser feitas com cuidado. No primeiro caso houve o golpe de Estado clássico do século 20: tomada do poder violento pelas Forças Armadas e supressão das liberdades democráticas. No segundo, usaram-se as próprias regras democráticas. Foi um golpe por dentro, parlamentar, por isso, preservando, até aqui as liberdades básicas de expressão, reunião e organização.
 
Não obstante grandes diferenças, o sentido geral dos movimentos guarda semelhança. Trata-se de apear do governo e bloquear, tanto quanto possível, a alternativa popular realmente existente no Brasil. Depois, implantar, sem necessidade de consultar as urnas (pois não ganharia), um programa de natureza liberal forte.
 
As propostas de parlamentarismo e semipresidencialismo, recentemente levadas à consideração do público na forma de balões de ensaio, dão passo adiante no intento golpista. Caso aprovadas, fariam a transição do que foi, por ora, uma mudança de governo para uma mudança de regime, de consequências bem mais duradouras. Tanto o parlamentarismo quanto o semipresidencialismo esvaziariam a eleição presidencial —a começar pela de 2018—, retirando o núcleo de soberania popular existente na democracia brasileira.
 
A reflexão sobre as vantagens relativas do parlamentarismo e do presidencialismo precisa ser feita à luz não de suas características, por assim dizer, técnicas abstratas, mas da história concreta do país. Convém lembrar que o PT, tal como o PSDB, tinha como bandeira original o parlamentarismo. No entanto, o processo efetivo, entre 1989 e 2014, mostrou que os pleitos presidenciais são os momentos em que, apesar das distorções do dinheiro e do marketing, o eleitorado expressa uma vontade majoritária a respeito dos rumos nacionais.
 
O lulismo —cuja existência fica mais uma vez comprovada pela caravana de Lula no Nordeste soube se constituir enquanto polo popular do sistema, dando vida às regras da Constituição de 1988, tal como o getulismo o fez depois de 1946. O fato de o lulismo ser de natureza conciliadora —o que explica a aliança com o PMDB e Joaquim Levy na Fazenda— confunde alguns analistas. O lulismo não é propriamente de esquerda, mas é profundamente popular.
 
Preservar o núcleo democrático representado por eleições livres e competitivas à Presidência da República, nas quais o lulismo tenha plena chance de disputar, vencer e exercer o poder é a tarefa do momento. Alterar o sistema de governo agora completaria o golpe de 2016, adiando sine die a construção democrática brasileira. A essência da democracia é deixar que as maiorias formem-se livremente, aceitando os seus desígnios. É o que está em jogo no momento.
Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

7 Comentários

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  1. “O golpe foi dado dentro das

    “O golpe foi dado dentro das regras democráticas” – Paul Singer. O malabarismo que esses “intelectuais” fazem é algo espantoso. Como que pode um GOLPE ser dentro das regras democráticas? Gostaria que o emintente professor da USP e doutor em Ciência Política comentasse o artigo primeiro da Constituição do Brasil, que diz “todo o poder emana do povo e é exercido em seu nome por meio de representantes eleitos” e o que diz sobre o impeachment e a necessidade de ter cometido crime de responsabilidade para ser deposta. Não houve o crime e pisotearam as regras democráticas. Por que não dizer isso com clareza? Por que o medo em denunciar o golpe como o que ele de fato é, um golpe? Fico me perguntando, de que adianta o sujeito estudar tanto para dizer uma bobagem dessas, que salta aos olhos do leitor minimamente informado. 

    E ainda diz que há liberdade de reunião, expressão e organização. Organização como, se estão destruindo o partido dos trabalhadores, sufocando os sindicatos, inclusive impedindo o seu financiamento? E as imagens da polícia invadindo as sedes dessas organizações? Sobre expressão: será que ele viu o blogueiro Eduardo Guimarães ser conduzido coercitivamente e ter seus negócios prejudicados pelas calúnias e acusações que sofreu, tendo que praticamente implorar para que os leitores ajudem no seu blog? Eu acho que não vivo no mesmo país que o Singer.

  2. Há coisas no procedimento de

    Há coisas no procedimento de uma parte do povo brasileiro que me intrigam muito: primeiro, se ele quer sempre se dizer democrata, por que esse medo… digo, esse “pavor” imenso de eleições livres e diretas? E, também, se ele entende tanto de política, quanto tenta mostrar em alguns comentários, por que ele toma golpes de Estado?… é capado em seus direitos sociais, políticos e nunca sequer percebe quando tudo está ocorrendo?

    Quando um pouco de tempo passa e o sofrimento vai cicatrizando, essa parte do povo brasileiro – a mesma, com os mesmos de sempre (ou seus filhos ou netos, dá no mesmo também), tão capazes e conscientes de tudo – tornam a chafurdar na mesma imbecilidade e a dar os mesmos créditos aos mesmos bandidos de sempre – caramba! aos mesmíssimos bandidos de sempre…

    E a coisa toda tende a se repetir. E a fazer de nós capachos de novo.   

  3. E por que não se posta o vídeo em que ele bate no Lulismo?

    Tenho o link e acho que já citei nalgum dia, tá no youtube também, “O lulismo é despolitizador, abertamente desplitizador”  (sic.) responde ele a certa altua a uma pergunta do Diálogos, por Mário Sérgiio Conti, Globonews, 23 horas, às 5ªs feiras,com reprise (não sei a que horas de um dia pro outro). Perry Anderson num longo artigo sobre a crise e o PT o considera o maior intelctual do PT e que André foi posto no ostracismo (a meu ver, e repito, a farsa das críticas e das autocríticas que deveriam ser abertas, públicas, sem essa de mais um pretexto de que não é a melhor hora (Haddad), ou de que seria fazer o jogo da direita, eternas justificativas das filiais do PCUS pelo mundo, e nossas esquerdas nunca aprendem a se renovar).

    1. Eis, aos 13 minutos e 10 segundos da entrevista

      André Singer: ” [o lulismo] é despolitizador, abertamente despolitizador “. https://www.youtube.com/watch?v=Ujf-BqF-L74&list=PL2P2pRRmLiJbWjcYTrQao-cAp4zOgQcqI&index=9 . Eis Perry Anderson (da New Left Review ) http://www.pambazuka.org/pt/democracy-governance/crise-no-brasil-uma-an%C3%A1lise-profunda-de-perry-anderson (refere-se a André perto do final do longo bom artigo,incomum na nossa blogsofera.É triste ficarmos esperando intelectuais da moda,um Boaventura Santos,recente artigo diizendo o óbvio(porque somos cegos ou crentes demais):de que falta criatividade às esquerdas (blog Outras Palavras)

  4. jabuticaba

    Falar em golpe dentro das regras democraticas é uma contradição em termos…

    Uma jabuticaba…so existe no Brasil

    As liberdades basicas estao preservadas porque o povo assiste a tudo com ar apalermado…Se ameaçasse um pouquinho que seja a coisa muda …tudo dentro das regras democraticas.

    Não esquecer que temos instrumentos democraticos para a elite lançar mão… 

    Acho que não preciso ser mais claro…

    Ainda assim gosto de ler e ouvir ( na radio USP) o André,,, tem gente muito pior…

     

     

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