Aprovação de acordo grego divide partido de Tsipras

Enviado por Gilberto Cruvinel

Do Expresso.pt

O Syriza já está destruído, podemos agora salvar a Grécia?

O programa de austeridade foi aprovado na Grécia por um parlamento em frangalhos com cocktails molotov a voar à porta. Pedro Santos Guerreiro analisa as possibilidades de sucesso da Grécia

Chegará o momento em que tiraremos as mãos das carteiras e as poremos na consciência. Chegará o momento em que já não veremos os ricos que roubaram mas os pobres que ficaram. Em que não quereremos ressarcimento mas reparação. Em que perceberemos que não se pede sequer solidariedade, mas piedade. Em que nem os sádicos se divertirão com o espetáculo degradante dos políticos gregos. A União Europeia foi longe de mais na violência estéril e vingativa. Para destruir o Syriza está a ceifar-se um povo. Já não é indignação, é súplica: SOS Grécia. E se tudo o resto falhar, apele-se à inteligência, que não é de esquerda nem de direita, pois é preciso mudar aquele plano que, além de horrível, é burro, é mau, é pior para todos.

Nos palácios de Bruxelas, nos sofás de Berlim ou mesmo nos bancos de jardim de Lisboa permanece apetecível distribuir culpas e medir ideologicamente o debate. Mas nas ruas de Atenas já passámos essa fase. Sobra o desespero de saber que nada vai valer a pena porque pagar ou não pagar parece indiferente, o tudo ou nada resultará sempre no pouco, no de menos, no insuficiente, porque o plano não funciona. Repito: a Grécia vai ter uma recessão pior do que a que os Estados Unidos viveram na Grande Depressão de 1929. Repito: o plano económico vai falhar porque foi concebido para falhar. Repito: desistimos dos gregos e resistimos a ver o desastre encomendado.

“Amo-te, Grécia”, explica esta bandeira colocada quarta-feira diante do Parlamento grego

YIANNIS KOURTOGLOU / REUTERS

O bloco liderado pela Alemanha ficou tão furioso com o desplante do senhor Alexis Tsipras na marcação do referendo que quis devolver-lhe em dobro a lição de superioridade. Até se percebe a fúria, que segundo os relatos da reunião de domingo do Eurogrupo fez com que o senhor Wolfgang Schäuble berrasse. Alexis Tsipras foi arrogante, marcou um referendo pérfido e achou-se nimbado de invencibilidade com os resultados, como se fosse dar uma tareia moral aos demais Estados-membros. Mas a Alemanha quis tanto destruir o Syriza, por vingança e por dissuasão a que outros países elejam partidos radicais, que perdeu a noção da força. Mais um pacote recessivo vai destruir mais economia e mais emprego numa economia já exangue.

A vitória sobre Tsipras foi retumbante. Até o perdão da dívida, que o Syriza sempre reivindicou, é agora formalmente admitido pelo FMI, mas de forma a culpar o partido, que não mais tem nada para mostrar. É ridículo ouvir Alexis Tsipras dizer que assinou um acordo em que descrê. É degradante vê-lo tripudiar o próprio Syriza e ancorar-se nos deputados dos partidos que detesta e que o detestam a ele. É assustador ouvir a presidente do Parlamento (que pertence ao Syriza e se junta aos 40 deputados que se afastaram de Tsipras) falar em genocídio social. Mas a humilhação suprema talvez seja ver Tsipras dizer que não há alternativa. Tsipras, o temível mastim indomável, está amestrado como um caniche. Dá dó. A direita europeia rejubila. Também dá dó. Porque ninguém para, escuta e olha para perceber na loucura que estamos a patrocinar.

ALKIS KONSTANTINIDIS / REUTERS

A loucura de ver um povo desesperado que, depois de cinco anos de austeridade duríssima, tem prometida nova dose de austeridade duríssima. A loucura de tornar o pagamento da dívida mais insustentável do que nunca, pela destruição económica provocada – se a Grécia sai do euro, os credores podem esquecer, vão receber raspas. A loucura de segregar dentro da União Europeia, cavando um fosso que nos vai apartar sabe-se lá até que lonjuras.

A Grécia só se livra desta sarna se, além do perdão de dívida que de qualquer forma terá, tiver um programa de estímulo económico. O mundo, aliás, só recuperou da Grande Depressão dessa maneira. Percebe-se a pulsão de obrigar o país a adotar as reformas estruturais nunca adotadas, incluindo a de ter um Estado que funcione e que cobre impostos. Mas não é destruindo o espaço político e aniquilando a economia que tal vai ser conseguido. A violência na Praça Syntagma é desenrolada por grupos anarcas ruidosos mas pouco representativos. A miséria que se alastra, não: é de todos.

Um pensionista bate à porta de uma das dependências do Banco da Grécia – levantamentos estão limitados a €120

YANNIS BEHRAKIS / REUTERS

É preciso mudar o plano. Somar à austeridade um programa de investimento que estimule a economia e que apoie casos sociais de pobreza. Isso é ser inteligente, até porque é a única forma de tentar recuperar parte da dívida. Talvez a linha dura dos alemães queira apenas humilhar o Syriza e tenha feito um plano para que, depois da capitulação de Tsipras, mude o plano para melhor. Até seria bom que isso fosse verdade. Seria maquiavélico mas, ao menos, saberíamos que a loucura iria mudar. E que, portanto, a Grécia haveria de ter uma saída da crise em vez de uma saída do euro. Para já, o que vemos é o que temos, um país inteiro a afundar-se na desgraça.

Os gregos estão desesperados porque a situação é desesperante. Coloquemo-nos no lugar deles por um minuto: um governo de extrema-esquerda ajoelhado depois de cinco anos de tareia, de desemprego e de austeridade, depois de décadas de corrupção e roubo institucionalizado com os governos de centro. E o que lhes dizem que se segue? Pobreza. Talvez a esta hora também estivéssemos na rua.

Redação

5 Comentários

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  1. A Alemanha tera uma vitória de pirro.

    Um plano que não será cumprido.

    Lembre-se das cartas de intenção do Delfim ao FMI e das visitas de Dona Ana Maria Jul.

    So falta o Putin fazer uma visita en loco e dar um abraço solidário ao Tsipras em plena Praça Syntagma para aumentar a ira estadunidense.

     

    “O génio vê a resposta antes da pergunta.”

    Oppie

    1. Grécia está dando 50 bi em garantias

      A Grécia está cedendo 50 bilhões de euros (praticamente todos os bens do Estado grego, de portos aos prédios das escolas) pra fundo independente de privatizações a ser controlado pela Troika. Se entrar em default, o país todo vai ser arrematado pela Comissão Europeia. Por isso que o acordo aprovado pelo Syriza é tão catastrófico.

      1. Tem que procurar muito

          Pois encontrar na Grécia, um valor de 50 Bilhões de Euros, em propriedades do Estado ( muito enroladas juridicamente há anos ), as quais muitas – as mais negociaveis – já estão dadas em garantias, tanto internas como externas, será dificil.

           Já portos, só um presta e necessita de investimentos imensos ( Pireu ), e como ocorre com aeroportos, empresas de energia, navegação, todos são inchados de funcionários,  com sindicatos bastante fortes, portanto para vende-los ou mesmo aliena-los a este fundo, será um problema a cada tentativa.

           Este possivel “fundo de securitização” UE – Grécia, vai demorar para ser efetivado.

  2. Os riscos gregos ou: A Democracia morta em seu berço.

    Está gravado na História o fato de que os deslocamentos dos eixos centrais do poder capitalista têm força suficiente para provocar conflitos sangrentos de escala global…

     

    Isso não isenta de responsabilidade histórica as intervenções do campo chamado socialista quando em atividade, como no Afeganistão, no sul da Ásia e na África…

     

    Mas a natureza global do capitalismo, e principalmente sua incrível capacidade de mater-se longevo, apesar de sua finitude como sistema de organização da produção, é que dão dramaticidade universal destes conflitos entre nações, e pior, fermentam o surgimento de fenômenos políticos baseados na irracionalidade…justamente o que alimenta o choque nacionalista…

     

    Foi assim com Hitler, e sua entourage…Foi assim com cada regime ditatorial implantado para resguardar os interesses capitalistas ao redor do planeta…Enquanto era uma solução germânica-doméstica para desintegrar forças democráticas e de esquerda, o mundo todo fingiu que não estava nem aí…

     

    O pior foi quando o apetite cresceu…

     

    Repete-se a tônica na Grécia…Claro que grecos não têm estrutura para construir uma potência militar, mas o seu pequeno exemplo pode contaminar outros forças em outros blocos de países…

     

    A Alemanha e sua suposta prosperidade não são para sempre, até porque os EUA não têm grana para bancá-los por muito tempo…

     

    O governo gergo de orientação esquerdista herdou o legado do fracasso do mercado em seu país, e se apresentou como uma força capaz de mediar os conflitos, atuando de forma paralela ou na contra-mão das orientações econômicas ortodoxas, impostas pela Aleuromanha…

     

    Renovou as esperanças mundiais, no campo progressista e democrático, de que seria possível resistir…

     

    Encurralado, buscou uma saída popular direta, onde referendou-se a noção de que a Grécia não se ajoelharia…

     

    Não vamos entrar aqui no debate enfadonho se é ou não possível resistir as “leis do mercado”…

     

    Esse debate é falso…e esconde uma premissa anterior, ou mellhor, uma escolha anterior: Definir o quanto de sacrifício será dado a cada estrato da sociedade…Em outras palavras mais rudes: quem vai pagar o pato…

     

    O resto é palhaçada e prestidigitação dos “especialistas de TV” e economistas de (merda) encomenda…

     

    No entanto, a insistência do capital em ignorar os clamores populares, representados nos mandatos e no resultado dos referendos, abre espaço para alternativas grotescas e perigosas…

     

    A desilusão popular de que suas alternativas não são consideradas, seja com o golpe economicista greco, seja com as tentativas de golpe no Brasil, por exemplo, trazem uma sensação de inutilidade das formas democráticas de resolução de conflitos, o que conhecemos mais largamente como Estado de Direitos…

     

    Aí nascem as experiências totalitárias…

     

    O flerte (inicial e recorrente) das forças econômicas com estas alternativas de ódio e de desconstrução da política já revelou seu potencial homicida, mas parece que a memória não é um traço caro à Humanidade…ou quando é, sempre se apresenta como seletiva…

     

     

  3. Afinal, a que veio o Syriza?

    Qual o objetivo do Syriza? O poder pelo poder?

    Sua plataforma de campanha foi a de que os governos anteriores eram frouxos e faziam mal acordos com a Troika. Bateu o pé de que seria possível fazer melhor. Aí foi lá e cometeu um desastre, fechou um acordo pior do que o que tinha lhe sido oferecido na semana anterior, mesmo com o respaldo de 60% da população em plebiscito.

    O que está fazendo no governo? “Ah, vai garantir ações de esquerda no governo pra compensar o acordo” Que ações, se um dos pontos do acordo é revogar todas as leis de cunho social que aprovou nesses últimos 5 meses? E outro ponto do acordo é apresentar primeiro à Troika qualquer projeto de lei sobre benefícios sociais!

    O Syriza conseguiu fazer o PSOE e o PS francês parecerem sensatos.

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