As eleições nos EUA e os novos dirigentes do PC chinês

Do Correio Braziliense

Um novo recomeço

Brasil S.A – Antônio Machado

O que une a eleição para presidente dos EUA, nesta terça-feira, ao ato inicial do Partido Comunista da China para ratificar, a partir de quinta-feira, o novo quadro de dirigentes do país tem a ver com a importância das duas economias para a retomada da prosperidade no mundo — sobressaltada desde 2008 — e a paz da geopolítica global.

É impossível cogitar um cenário sem crise no mundo sem a harmonia entre as duas maiores potências globais, ambas vivendo dificuldades cruzadas, devidas à relação umbilical construída desde os anos 1970 pelo interesse comum de apartar a Ásia da influência da então União Soviética, e também pelos demônios do processo econômico e político peculiar a cada um. Os EUA se tornaram o maior investidor na China, que, por sua vez, é o grande credor de seu endividado parceiro.

A relação foi proveitosa e danosa para os dois. Enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) nominal dos EUA cresceu 5,4 vezes entre 1980 e 2011, chegando a US$ 15,07 trilhões, o da China se multiplicou por 36, vindo para US$ 7,29 trilhões, segundo o banco de dados do FMI. O Brasil, para comparar, avançou 17 vezes, para US$ 2,49 trilhões.

A China se industrializou graças a investimentos das empresas dos EUA, que levaram para lá fabricas completas fechadas na matriz. O consumidor americano aproveitou décadas de produtos baratos, que em parte compensaram a falta de aumento real de salários mais ou menos no mesmo período e a explosão do setor de serviços em detrimento da atividade industrial — um equilíbrio, normalmente precário, rompido pelo endividamento ensandecido semeado pelos juros negativos e pela desregulamentação do setor financeiro no governo Bill Clinton.

Como imagem refletida no espelho, o crescimento econômico da China foi calcado em salários vis e repressão financeira, potencializada pela virtual inexistência de rede de proteção social. No início da fase de industrialização, até houve alguma distensão social, com a parcela do consumo de famílias sobre o PIB chegando a representar cerca de 50% nos anos 1990, contra 72% nos EUA. Na primeira crise bancária vivida pelo país, no fim daquela década, a corda apertou.

As sequelas deste affaire consensual na forma, agitado no conteúdo (porque disfuncional), compõem a sucessão em curso na China e EUA.

O carrossel engripado
A China investe o equivalente a 48,6% do PIB, com taxa de poupança de incríveis 51,3%, contra, respectivamente, 15,5% e 12% nos EUA (e 20,5% e 18,4% no Brasil, pela metodologia do FMI — dados de 2011).

As contradições são flagrantes: os EUA gastam além da conta (como a Europa, exceto Alemanha, Holanda e outros poucos países da Zona do Euro) e a China poupa e financia todos eles com suas reservas de mais de US$ 3 trilhões. Esse carrossel engripou depois de 2008. É o que obriga as nações endividadas e deficitárias a cortar gasto, tal como têm feito os países da Zona do Euro à custa de recessão e de desemprego já de 11,6%, chegando a 26% na Espanha e Grécia.

Duas visões de mundo
Nos EUA, depois de passar dois anos roçando o nível de 10%, a taxa de desemprego está há dois meses entre 7,8% e 7,9%, mas com muitos empregos temporários e aumento dos que desistiram recolocar-se. Na lógica do Federal Reserve, a situação melhorou graças ao que chama de quantitative easing — o laxismo do dólar que arrepia partidários de Romney tanto quanto as subvenções do governo Obama para salvar, no inicio da crise, os bancos e as montadoras de veículos (Chrysler e GM) da falência e promover os setores intensivos em tecnologia.

Obama, para Romney, é socialista (no padrão europeu) e dirigista. Não confia no mercado. Romney, para Obama, defende o capitalismo de compadrio, ao propor cortes de impostos das empresas e de rendas do capital e de gastos com assistência social, em especial a saúde.

Omissão proposital

Na China, o embate que antecedeu a escolha do vice do presidente Hu Jintao, Xi Jinping, a sucedê-lo, assim como do segundo do atual primeiro ministro Wen Jiabao, Li Keqiang, também tratou da mudança da concepção do desenvolvimento: do crescimento movido a exportação e a investimento em infraestrutura para o consumo interno.

Sabe-se pouco, porém, sobre o que Jinping e Keqiang pensam, e não porque na China só vaza o que as autoridades querem divulgar. Nos EUA, a imprensa também não revelou qual o programa de governo de um segundo mandato de Obama e do desafiante Romney. Nenhum explicitou o seu programa, embora prometam crescimento forte e pleno emprego. A falta de clareza é proposital nos EUA e na China — sintoma do que está à espera de Obama ou Romney e de Jinping/Keqiang.

Indigência dos fracos
Se tivessem sólida retaguarda política, os novos dirigentes de EUA e China continuariam sem vida fácil, mas poderiam expor seus planos à luz do dia, sem recorrer a artifícios. É o caso da disputa com o Japão pela posse de alguns pedregulhos no Mar da China. Esse tardio nacionalismo chinês parece distração para desviar a atenção.

Nos EUA, se Obama não tivesse titubeado nos dois primeiros anos de seu mandato, a reeleição talvez estivesse ganha. Sofismou, perdeu a maioria democrata na Câmara na eleição de meio de mandato, e virou pato manco. Não aprovou mais nada depois disso. Problema político é o nó a desatar. Na China, fazer mais pelo mercado doméstico implica alguma democracia. Nos EUA, a missão indigesta é escolher quem vai pagar mais impostos e perder privilégios. Só não podem alegar falta de riqueza para fazer as mudanças. O PIB dos dois já aguentou muito desaforo. Mas o mundo é que sofre pela indigência de seus líderes.

Luis Nassif

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