As revelações de Tancredo a Ulysses

Enviado por Rádio do Moreno – 27.11.2011 |15h08m
A HISTÓRIA DE MORA

As revelações de Tancredo a Ulysses

Jorge Bastos Moreno

Hoje, eu pretendia contar a aventura da minha viagem à Ásia na estranha condição de primeira-dama do país. Mas, ao mexer no meu baú, encontrei uma raridade: um depoimento praticamente inédito de Tancredo Neves sobre os fatos mais marcantes da sua vida pública.

Digo praticamente inédito porque, fora o relato de como encontrou Getulio ainda agonizante, já citado pelo GLOBO, as revelações de Tancredo foram feitas a uma publicação restrita de Brasília na presença do meu marido, que mais tarde as recebeu do entrevistador e as guardou como relíquias.

O impactante depoimento de Tancredo confirma algumas histórias que já contei aqui.

É um presente de ouro puro que dou a vocês como presente antecipado de Natal.

Ei-lo:

Suicídio de Vargas: “Getulio morreu nos meus braços e nos de sua filha Alzira. Quando entramos no seu quarto, cenário da traumatizante tragédia, ainda o encontramos com vida, com o seu corpo pendente em parte para fora do leito. Ele estava agonizando. Do seu coração jorrava um intenso jato de sangue. Acomodamo-lo na cama, quando ele lançou um olhar circunvagante à procura de alguém. Por fim, fixou em Alzira e expirou. Até hoje não consigo me libertar da profunda emoção e do terrível impacto dessa inesquecível ocorrência.”

Tempos sombrios

JK tinha como certa a cassação do mandato,

de Tancredo e, ao mesmo tempo, se considerava seguro

Cassação de Juscelino: “O saudoso presidente, que sempre me honrou com a sua amizade, logo em seguida à eclosão do Movimento Revolucionário de 64, mostrava-se muito intranquilo quanto à minha permanência na vida pública.

Ele tinha como certa a cassação do meu mandato, em virtude de informações fidedignas que lhe chegavam, ao mesmo tempo em que se considerava seguro, em face das ameaças revolucionárias. Ele havia dado o seu voto à eleição do presidente Castello Branco, o que eu não fizera a despeito da estima e admiração que sempre tive por aquele marechal.

É que eu vinha de ser o líder na Câmara do governo João Goulart, que a revolução depusera. Não tinha, pois, condições morais de votar no chefe dessa revolução. Sentamos no plenário, lado a lado, o presidente Juscelino Kubitschek e eu. Iniciada a votação, disse para ele:

— Veja o que é a política. Eu tenho tudo para votar no marechal Castello Branco e não vou fazê-lo. O senhor, ao contrário, nada tem para sufragá-lo e vai fazê-lo.

Juscelino me retrucou:

—- O marechal Castello Branco é um homem de honra e me deu a sua palavra, na casa do Joaquim Ramos, de que não alteraria o processo sucessório.

Juscelino Kubitschek já era candidato do PSD à Presidência da República. Os fatos posteriores vieram a demonstrar o quanto ele estava enganado.

Quando recrudesceram os boatos das cassações do mandato do presidente Juscelino, e as informações que eu recebia provindas da Vila Militar, no Rio de Janeiro, eram das mais idôneas, fui procurá-lo para adverti-lo e tomar as providências que pudessem impedir a consumação da medida extrema. Disse-lhe então:

— A minha cassação não tem a mínima importância. Serei apenas mais um. Mas a sua, com o seu passado de ex-governador e ex- presidente da República e de líder máximo da comunidade mineira, com a sua imensa projeção internacional, será um profundo abalo para o Brasil e uma arrasadora humilhação para Minas Gerais, cujas consequências eu considero a médio e a longo prazo imprevisíveis. Tudo devemos fazer para impedi-la.

Quando conversávamos, chegava à casa de Juscelino o poeta Augusto Frederico Schmidt, homem da sua intimidade e confiança. Posto a par do assunto da nossa conversa, Schmidt deu vaza ao seu temperamento emotivo e explodiu, numa de suas objurgatórias:

—- Este assunto, a partir de agora, fica proibido nesta casa. Estive ontem demoradamente com Castello Branco. Ele garantiu, com os dentes cerrados, que a sua mão se secaria, mas que ele não assinaria a cassação do presidente Juscelino Kubitschek.

Recebemos a informação com natural e compreensível euforia e fomos almoçar, possuídos da maior felicidade. No dia seguinte, a “Hora do Brasil” surpreendia e chocava a nação.

Sempre achei que a participação do presidente Castello Branco na cassação do presidente Juscelino Kubitschek não foi uma decisão de sua vontade, mas um ato que lhe foi imposto, por injunções inevitáveis da Revolução. E essa convicção se me aprofunda no espírito quando o marechal, justificando a cassação, assumiu textualmente que a sua responsabilidade pelo ato era não a de um “participante”, mas de um chefe compelido a conjurar numa grave situação.

Crise e radicalização

Jango recusou sugestões de Tancredo. Achava que,

se as adotasse, estaria se despojando de sua autoridade

Queda de Jango: “Seu governo vinha cedendo às pressões populistas, e o seu programa de reformas era aproveitado para as agitações de todos os tipos. Nos campos e nas cidades, a exacerbação dos espíritos na luta ideológica criava os mais graves problemas ao presidente e a seus ministros no tocante à manutenção da ordem.

A rebelião dos marinheiros marcou o ápice dessa crise. Procuramos então o presidente e juntos analisamos a delicada conjuntura. Ele me pediu sugestões, e eu lhas dei: a expulsão dos marinheiros rebelados dos quadros da Marinha e a consequente abertura de inquérito para apurar e definir responsabilidades; a extinção do PUA — Pacto de União Sindical —- e dos grupos dos 11 de Brizola. E o provimento efetivo do Ministério da Guerra por um general de Exército que inspirasse confiança às Forças Armadas (o ministro efetivo, Jair Dantas, estava hospitalizado, e o expediente do Ministério da Guerra, entregue ao chefe de seu gabinete, um distinto general de brigada).

O presidente recusou as minhas sugestões, achando que, se as adotasse, estaria se despojando de parcelas consideráveis de sua autoridade. Discutimos e não chegamos a nenhum acordo.

Nesse dia fiquei sabendo que o presidente João Goulart iria receber uma homenagem dos sargentos. Considerei o fato da maior gravidade e fiz tudo para frustrar essa solenidade, sem nada ter conseguido.

O Abelardo Jurema, que era ministro da Justiça de João Goulart, no seu livro “Sexta-feira 13”, dá um depoimento vibrante, sincero e fidedigno do que então se passou. Derrotado nos meus alvitres, deixei o Rio em demanda de Brasília, para aguardar os acontecimentos, que já me pareciam incontroláveis.

Ao chegar a Brasília, tive notícia da insurreição dos generais Moraes e Guedes, em Minas Gerais, e da posição assumida pelo general Kruel, em São Paulo.

Pelo telefone, convoquei o presidente João Goulart para vir a Brasília, sede do governo, onde qualquer providência teria o cenário natural ao seu desdobramento.

O presidente aceitou o meu apelo. Fui recebê-lo no aeroporto, e ele foi logo me dizendo:

—- As suas previsões se confirmaram. No dia de hoje só tenho um ponto para comandar uma resistência em defesa do meu mandato e do povo, é o Rio Grande do Sul.

Fomos para o Torto, onde encontramos já alguns amigos que também o aguardavam. Ficou decidido que o presidente e sua família deveriam seguir com urgência para o Rio Grande do Sul, enquanto Almino Afonso e eu redigiríamos uma proclamação do presidente à nação.

Fomos levá-lo ao aeroporto, onde o avião presidencial o aguardava para transportá-lo a Porto Alegre. Uma decepcionante surpresa nos aguardava: o avião presidencial havia sido sabotado e não conseguia pôr os seus motores em funcionamento.

Não foi encontrado um só mecânico que se dispusesse a reparar o defeito. Depois de uma longa espera, foi tomada uma iniciativa: havia no aeroporto o outro avião, antigo e precário, que, não obstante, oferecia autonomia de voo até Porto Alegre, mesmo gastando mais tempo.

Alguns amigos do presidente entraram nesse avião. Lembro-me bem do seu ex-ministro da Agricultura, o pernambucano Osvaldo Lima Filho, que foi, na emergência, de extrema bravura e lealdade para com o seu amigo já praticamente deposto.

Já anoitecia quando deixávamos o aeroporto em direção ao Congresso, quando prevíamos uma sessão tumultuosa. Pelo caminho encontramos a tropa mineira que vinha para ocupar Brasília. Por questão de minutos, não surpreenderam o presidente João Goulart e seus amigos no aeroporto.

Espetáculo degradante

Com o presidente da República no país,

Moura Andrade declarou o presidente impedido

Quando chegamos ao Congresso, o ambiente era tenso. O presidente Auro Moura Andrade havia reunido as principais lideranças, reunião da qual eu não participei, mas fui informado de que iria fazer uma declaração do impedimento do presidente João Goulart, sob o pretexto de que havia abandonado o governo e o território nacional.

O assunto não seria objeto de deliberação do plenário, como acontecera nos impedimentos dos presidentes Café Filho e Carlos Luz. O impedimento se declarava através de simples comunicação do presidente Moura Andrade, como de fato aconteceu. Num esforço supremo de impedir esse golpe do Congresso, obtive de Darcy Ribeiro, chefe da Casa Civil, um ofício ao presidente Auro Moura Andrade, comunicando que o presidente João Goulart achava-se em território nacional, no Rio Grande do Sul, para onde transferira a sede do governo. A sessão já havia sido iniciada, e o presidente do Congresso já se preparava para a comunicação do impedimento quando eu lhe entreguei o ofício.

Leu o documento. Ficou perplexo e suspendeu a sessão por dez minutos. Não esperou que esse tempo se expirasse e já havia rearticulado as lideranças, e todas foram unânimes em que não se devesse dar consideração maior ao documento.

Ao declarar impedido o presidente em nome do Congresso, sem que a sua decisão pudesse sequer haver sido discutida, o tumulto se apossou da Casa: palavrões, insultos, vias de fato e a tentativa de agressão ao presidente Auro Moura Andrade.

Tudo se processou em uma imensa e ampla confusão, e os ânimos exacerbados dificilmente se continham. Assim, Mazzilli foi empossado presidente, num espetáculo degradante e indigno do Parlamento brasileiro.”

http://oglobo.globo.com/pais/moreno/posts/2011/11/27/as-revelacoes-de-tancredo-ulysses-418814.asp

Redação

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