Bolsopetismo e a falsa ruptura dos liberais com Bolsonaro, por Erick Kayser

Pela sua pobreza teórica e oportunismo político manifesto, o termo bolsopetismo ficou no ostracismo, sendo requentado agora por alguns jornalistas neoliberais da grande mídia nesta “crise” envolvendo o governo federal.

Bolsopetismo e a falsa ruptura dos liberais com Bolsonaro

por Erick Kayser

Neste mês de fevereiro, após atabalhoada troca no comando da Petrobras, abateu-se uma turbulência, com ares de ruptura, na aliança de Bolsonaro com os liberais. Em uníssono, multiplicaram-se as críticas dos liberais ao suposto “intervencionismo estatista” do governo federal. Em sua cruzada messiânica contra tudo que não for pró-mercado, uma das estratégicas retóricas mais inusitadas foi buscar um falso silogismo entre Bolsonaro e os governos petistas, sintetizado como “bolsopetismo”.

Nesta “crise”, como veremos um tanto farsesca, muitos expoentes do pensamento único midiático apontaram, com alarmismo, o que seria uma “traição de Bolsonaro” com a agenda neoliberal prometida na campanha de 2018. Para eles, o ministro da economia, Paulo Guedes, estaria sendo escanteado pelo presidente, em uma guinada “populista” visando sua reeleição. Mesmo que, em termos efetivos, nada mudará na extorsiva politica de preço dos combustíveis e a empresa seguirá priorizando seus acionistas e não a população, para os fundamentalistas do mercado, o governo federal havia cometido um pecado capital.

O termo bolsopetismo, uma expressão antitética e um tanto canalha, que tenta forçar uma equivalência entre forças políticas e projetos de nação absolutamente opostos, surgiu ainda em finais de 2019, quando alguns neoliberais do MBL e assemelhados ensaiaram uma postura oposicionista ao governo federal. A estratégia por trás do termo é tentar colar todos os erros do governo como “desvios esquerdistas”. Exemplificando, para eles, qualquer ação, por mais simplória, que envolva algum nível de atuação direta do Estado, é acusado de “estatismo”, identificado por eles como uma prática exclusiva da esquerda. Malandramente, esquecem que o antiestatismo neoliberal é historicamente recente e que a construção do Estado moderno no ocidente foi conduzido, fundamentalmente, por forças políticas liberais.

Pela sua pobreza teórica e oportunismo político manifesto, o termo bolsopetismo ficou no ostracismo, sendo requentado agora por alguns jornalistas neoliberais da grande mídia nesta “crise” envolvendo o governo federal. Bolsonaro, como esperado, reagiu aos ataques ensaiando alguns recuos pró-mercado. Mesmo que tímidos, seus gestos bastaram para que alguns destes liberais cessassem suas críticas, provando se tratar muito mais de uma turbulência do que propriamente uma crise ou ruptura entre as “turmas” da caserna com a da Faria Lima.

O principal objetivo neste episódio foi enquadrar Bolsonaro, buscando disciplinar seu raio de ação, impedindo qualquer mudança mais substancial na política econômica. Mais do que isso, alguns buscaram dar um recado (ou chantagem) aos bolsonaristas: caso ocorra alguma alteração substantiva de rumos nas reformas neoliberais, deixarão de dar sustentação ao governo e, eventualmente, não apoiariam sua reeleição. Para Bolsonaro este apoio é vital. A base eleitoral consolidada de Bolsonaro, em termos gerais, abarca algo entre 15% a 30% do eleitorado. Sem dúvida uma força considerável, mas insuficiente para garantir a reeleição.

O mais significativo deste episódio é que revela, por linhas tortas, o grau de comprometimento dos liberais com o governo Bolsonaro. Sob o véu das críticas ao presidente, inadvertidamente (ou não), os liberais promoveram uma ruptura, ou distanciamento ainda maior com a esquerda.

Com o bolsopetismo, ficou claro que a defesa da democracia não é uma prioridade para o campo político liberal. Em uma postura sectária, explicitam não existir disposição em promover algum nível de mediação em seu programa econômico com a esquerda. Mesmo com o desastre social promovido pelo governo Bolsonaro, a perspectiva de uma “frente ampla” ou de um projeto de união  nacional pela reconstrução do país, não passa pelo horizonte liberal. Seu objetivo é outro: emplacar um candidato neoliberal “raiz” ou “domesticar” Bolsonaro e apoiar sua reeleição.

Nesta estratégia, um tanto errática e que beira a improvisação, uma unidade eleitoral da esquerda com liberais para derrotar Bolsonaro é cada vez mais improvável. Seu recado é que só aceitam adesões a seu projeto, não alguma composição. Não existiria espaço para a construção de consensos e mediações. Para eles qualquer apoio passa pela adesão integral de seu programa econômico, na impossibilidade disto ocorrer, afinal, se a esquerda fizer isso, deixará de ser esquerda, apelar ao bolsopetismo será a justificativa para os liberais apoiarem o fascismo bolsonarista, talvez já no primeiro turno. Não se surpreendam se ainda, hipocritamente, acusarem a esquerda de ser intransigente.

Redação

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