Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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Bombas Semióticas, ligações perigosas e as oportunidades perdidas, por Wilson Ferreira

Por Wilson Ferreira

Com o impeachment da presidenta Dilma aproxima-se o desfecho de uma campanha iniciada há dez anos com as denúncias do mensalão. Mas em 2013 teve uma virada que acelerou o processo: a nova estratégia semiótica de engenharia de opinião pública com a implementação no Brasil da “guerra virtual” e da “social engineering”. Naquele ano, a grande mídia brasileira levou algum tempo para fazer a ficha cair, acostumada que estava com velhas estratégias hipodérmicas dos tempos do IPES-IBAD nos anos 1960 – surgia no País a “primavera brasileira” com manifestações tomando as ruas. A multipolarização criada pelos BRICS forçou os EUA a implementar estratégias resultantes de uma longa tradição acadêmica de pesquisas sobre engenharia social naquele país: a Mass Communication Research de Lazarsfeld, Agenda Setting de McCombs e Shaw e as pesquisas em “ações não violentas” do cientista político Gene Sharp. Logo a grande mídia brasileira entrou em sintonia com a geopolítica dos EUA ao criar as “bombas semióticas” a partir da matéria-prima das manifestações que começaram por “apenas” 20 centavos.

O ônibus da Linha 1 do Festival Tomorrowland saiu lotado do Sambódromo de São Paulo levando jovens adeptos da música eletrônica para o evento na cidade de Itu. No meio de caminho, começou uma discussão entre os animados passageiros sobre o impeachment da presidenta Dilma e a legitimidade do vice Michel Temer: “Se pelo menos ele fizer alguma coisa para tirar o País do buraco, já vai estar valendo!”, disse alguém mais exaltado.

Esse é o clima de opinião resultante do bombardeio sistemático e diário de bombas semióticas pela grande mídia nos últimos três anos, desde a “primavera brasileira” de 2013 – a série de manifestações de rua que tão inesperadamente como surgiram, também desapareceram.

Uma estranha percepção de “buraco” em que o País estaria metido expressada por aquele jovem,  apesar de todos naquele ônibus estarem rumando para um evento da cena eletrônica mundial onde uma latinha de Skol Beat ou uma garrafinha de água custavam dez reais, unindo tanto jovens da elite sócio-econômica como remediados egressos da chamada Classe C e os chamados “cibermanos” – jovens de regiões urbanas periféricas fãs da música eletrônica.

Em plena explosão das manifestações nas ruas em 2013 e a  extensiva cobertura midiática, esse blog Cinegnose iniciou a série de análises do que chamamos de “bombas semióticas”, procurando mapeá-las e, através de uma engenharia reversa, entender o mecanismo de funcionamento e as ondas de choque na opinião pública em cada detonação – sobre a série clique aqui.

Naquela oportunidade percebemos um elemento novo entrando em cena: uma nova estratégia semiótica, bem diferente das anteriores fundamentadas em longas “suítes” jornalísticas como “caos aéreo”, “mensalão”, “gripe suína”, “o escândalo do dossiê”, o “escândalo dos aloprados” etc. Estratégia hipodérmica de simples repetição onde articulistas, âncoras de telejornais, editorialistas e colunistas martelavam a pauta tentando formar a opinião pública.

Das estratégias hipodérmicas dos anos 1960 às bombas semiótica do século XXI

Bombas semióticas versus estratégia hipodérmica

Essa estratégia era ainda tributária das velhas táticas comportamentais (repetir até convencer) do antigo IPES-IBAD (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais e Instituto para Ação Democrática) onde de 1962 a 1964 desestabilizou o governo João Goulart através de massiva propaganda no cinema, TV e mídia impressa além da ação direta por meio de rede suprapartidária que barrava qualquer projeto do governo no Congresso. Mobilizou a opinião pública para torna-la receptiva ao Golpe Militar que viria mais tarde.

Se a estratégia semiótica hipodérmica funcionou nos anos 1960 (épocas mais “duras” dentro da polarização da Guerra Fria), agora no século XXI já apresentava sinais de que o prazo de validade tinha terminado – principalmente num contexto de multipolarização com o surgimento dos BRICS e globalização econômica.

De nada adiantava a repetição diária de sucessivos escândalos e crises nos governos petistas nas primeiras páginas dos jornais diários e escaladas de telejornais: Lula não só foi reeleito como fez seu sucessor que ainda seria reeleito, para desespero dos “aquários” das redações da grande imprensa.

A “primavera brasileira” de 2013 iniciou uma nova estratégia semiótica tão diferente e sofisticada que muitos formadores de opinião da grande imprensa levaram algum tempo para fazer a ficha cair – por exemplo, Arnaldo Jabor vociferava na TV Globo que as manifestações nas ruas eram “uma grande ignorância política misturado com rancor sem rumo”.

Foi o início de uma nova estratégia semiótica sofisticada demais para ter sido planejada pela grande mídia brasileira: a engenharia de opinião pública ou, como alguns analistas definem, a chamada “Guerra Híbrida” – Hybrid Warfare

Embora diferentes “primaveras” estivessem pipocando pelo planeta (árabe, egípcia, ucraniana etc.), a vetusta mídia brasileira ainda acreditava que tudo era por causa dos 20 centavos de aumento nas tarifas de ônibus. Houve um gap de alguns dias, mas logo a grande mídia nacional entrou em consonância com a nova tática planejada bem longe daqui e que não é assim tão nova.

Paul Lazarsfeld, Donald Shaw, Max McCombs, Gene Sharp

Ligações Perigosas

Aqui começam evidências de ligações perigosas entre as origens das diversas “primaveras” nacionais pelo mundo e o know how norte-americano iniciado a partir das pesquisas acadêmicas como a Mass Communication Research de Paul Lazarsfeld nos anos 1940 na Universidade de Stanford e as pesquisas em Agenda Setting de Donald Shaw e Max McCombs (Universidades de Virgínia e Texas) até chegar à aplicação política direta: 

(a) A Social Engineering: coordenação de front groups (ONGs), spin doctors (técnicos de comunicação a serviço de partidos e lobbies) e paid experts (profissionais de diversas áreas que se tornam informações de pauta privilegiados para a grande imprensa) – articulados e sempre disponíveis para fornecedor de informações de primeira mão para a mídia – veja abaixo o fluxograma de uma ação de engenharia de opinião pública;

Fonte: HOWARD, Martin. “We Know What 
You Want”. Disinformation Books, 2005

(b) Ação Direta: táticas de promoção de “ação não violenta” (mobilização através de blogs, redes sociais, música, arte, táticas de não-colaboração, ocupações etc.) em conflitos ao redor do mundo a partir de pesquisas do cientista político Gene Sharp (Universidade do Estado de Ohio e Instituto Albert Einstein) financiadas pela Fundação Ford. Cursos baseados em suas técnicas ocorrem atualmente eu Universidades como Yale e na Embaixada dos EUA. O próprio juiz Sérgio Moro, que conduz a Operação Lava Jato, participou em 2007 de um curso no Departamento de Estado nos EUA de formação de Novas Lideranças;

(c) Black blocs (estranhos personagens que tão inesperadamente como apareceram também sumiram): na “primavera brasileira” foram financiados por ONGs ligadas a causas ambientais (sobre isso clique aqui) que costumavam depredar lugares escolhidos a dedo como, por exemplo, no episódio de uma concessionária da Caltabiano de veículos de luxo em São Paulo: revenda controlada pelo grupo americano McLarty cujo chefe, Thomas McLarty, foi Chefe da Casa Civil do Presidente Clinton. Ou então depredavam os clássicos estabelecimentos de grandes marcas (MacDonald’s, bancos etc.) para renderem fotos e vídeos impactantes para a grande mídia brasileira. Quer dizer, depois que a ficha já tinha caído nos “aquários” das redações e perceberam a intencionalidade por trás de todas essas ações “espontâneas”.

A única semelhança com a estratégia de intervenção semiótica do IPES-IBAD nos anos 1960 foi o apoio logístico norte-americano (know how + apoio financeiro). Agora nesse século a criação de revoluções (ou “primaveras”) graças às táticas de social engeneering não opera mais com o estardalhaço da massificação, mas agora com viralização através de bombas cirúrgicas e pontuais: as bombas semióticas. 

 

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

12 Comentários

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  1. Excelente análise. É preciso

    Excelente análise. É preciso encontrar antítodos para essas bombas semióticas. Creio que não é um trabalho difícil, mas depende de organização.

  2. Nova estratégia de domínio

    Já se sabe de longa data que tudo era articulado lá fora, mas faltava saber a origem teórica da estratégia o que mostra oportunamente este artigo. É interessante verificar que nossos intelectuais progressistas parecem totalmente ignorantes sobre isso assim como nossas universidades que não se atualizam. Mas a classe dominante e os líderes de seus partidos foram bem orientados como se vê.

  3. Atores não agem sem um diretor presente, procurem o diretor!

    A análise está cada vez ficando melhor e se aproximando, porém é importante destacar que para surgir estes grupos tipo Black blocs há sempre a necessidade de pessoas físicas se articulando com outras pessoas físicas.

    A interação virtual é um caminho de início, porém é necessário o contato direto entre uns e outros para que se passe do virtual ao real, e talvez nunca houve uma tentativa de descobrir os vínculos.

    Estes contatos de ONGs com os nativos é algo que todos os que não são ingênuos sabem, porém nunca existiu alguém com a perspicácia de seguir os passos destas ligações espúrias.

    A esquerda por tradição sempre achou o trabalho de investigação algo policial, e sendo algo policial é algo deplorável.

    Pelo menos os governadores que ainda restam que cuidem destes aspectos.

  4. Só uma pergunta: Quantas e

    Só uma pergunta: Quantas e aonde serão instaladas as bases militares americanas na Amazônia Brasileira?

     

    1. Na ditadura Michel Cunha dos

      Na ditadura Michel Cunha Temer dos Marinhos não haverá necessidade dos ianques construírem bases na Amazonia, basta reformarem as existentes e utilizá-las como convier .

      Talvez eles prefiram, além da base de Alcântara(MA), a de Santa Cruz (RJ) e de Anápolis (GO) . 

      Tomara que eles não decidam trazer artefatos nucleares .

  5. Tudo articulado lá de fora
    Tudo articulado lá de fora com o judiciário ,mídia, empresários e oposição aqui de dentro.

    O golpe foi muito bem arquitetado, financiado e executado.
    O judiciário e mídia servem para dar o ar de legalidade, e normalidade ao golpe.

    Tem que meter bala e por fogo nesses canalhas!

  6. Inteligência ou morte

    Parabéns, Wilson! Panorama amplo, aprofundado e bem fundamentado, sob ótica fina e sagaz. Nem todo golpe é militar, pelas armas de fogo. O que estamos sofrendo é civil e por armas morais, o que é bem pior do que o militar, já que feridas na carne são mais visíveis do que as na alma e no intelecto. Adianta continuar com vida biológica sendo um zumbi, midiota?

  7. Houve ainda a propaganda da

    Houve ainda a propaganda da Fiat chamando o povo pra rua, nos moldes das manifestações. Depois de um hiato geral a presidente vai a BH e deixa 300 homens da força nacional de forma simbólica. A Fiat fica em MG.

  8. ótima análise….
    colocou

    ótima análise….

    colocou muito bem as origens de odo esse infame golpe…

    alguns se iludiram com as manifestações de 2013, mas muitos

    já suspetivam que havia ali elementos estranhos

    provenientes de interesses inrternacionais…

    eram já então essa linguagem que reúne linguística e semióica e golpismo,

    típico da tradição diacronica ianque, desde o destino manifesto de 1850…

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