Catalunha quer fim à autonomia sob intervenção espanhola, diz representante

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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“Catalunha é resultado de sinais e códigos de identidade e há uma vontade coletiva. É um tema de democracia, se a maioria da população quer um referendo, há que se aplicar”, diz porta-voz da região ao GGN, que também comenta sobre importância do bispo Dom Pedro Casaldáliga, homenageado em São Paulo

Jornal GGN – Uma região limitada ao norte pela França e por Andorra, a leste pelo mar Mediterrânio, de 32 mil km² e dentro da Espanha, mas que não se sente nada espanhola. É a comunidade autônoma de Catalunha, onde está Barcelona, e que carrega em sua história anos de luta por uma independência que valide suas diferenças e necessidades dos pouco mais de 7 milhões de habitantes. História que, diante de adversidades e falta de diálogos desde Madrid, quer ter um ponto final em 2017.

A Catalunha quer a independência completa. Ou, pelo menos, ter direito de voz e voto sobre o tema. É o que revela as últimas pesquisas, que mostram que mais de 80% da população quer decidir em referendo. Por outro lado, o país não quer perder a região responsável por 18,8% do PIB espanhol.

É desta mesma área, marcada por histórias de sucessivos intentos de alcançar a autonomia e direitos, que veio para o Brasil o bispo Dom Pedro Casaldáliga, radicado brasileiro desde 1968, que aqui se tornou conhecido pela defesa dos povos indígenas, pela reforma agrária e o reconhecimento social, em plena ditadura do país.

Casaldáliga será homenageado, a partir de hoje(25), em uma exposição fotográfica no Centro Cultural São Paulo (CCSP). “Pere Casaldàliga, Profissão: Esperança” traz os registros do espanhol Joan Guerrero sobre a vida e a obra do líder religioso no Brasil. 

Para entender o cenário político, social e cultural de Catalunha e o contexto histórico da comunidade autônoma, o GGN conversou com Martí Estruch Axmacher, porta-voz da Diplomacia Pública da Catalunha, que lançará nesta quarta-feira a exposição.

Acompanhe a entrevista completa:

GGN – Gostaria que o senhor falasse um pouco sobre as comunidades autônomas na Espanha, sobretudo como se desenvolvem política e socialmente no país.

Martí Estruch Axmacher – Quando acabou a ditadura de Franco [Franquismo, 1939-1975], o país decidiu se organizar com base em comunidades autônomas, que eram muito diferentes entre si. Havia, principalmente, três comunidades históricas, a de Galiza, País Basco e Catalunha, com sua própria cultura, língua e uma identidade muito. Naquele momento, a grande definição política transmitida foi o chamado “café para todos”, com o sentido de que as administrações, os recursos e tudo seriam repartidos por igual. Nos anos 70 e 80, algumas regiões já tinham mais autonomia, como o País Basco, Galiza e Catalunha.

Essa etapa é a que marca o futuro destas comunidades autônomas, que vão avançando, algumas muito satisfeitas com suas contribuições e competências, mas outras menos contentes em casos de comunidades históricas, sobretudo, o País Basco e Catalunha, que há muitos anos vêm lutando por obter mais competências, autonomia, recursos políticos, sempre com a oposição do governo de Madrid, seja este ocupado pelo Partido Socialista ou pelos conservadores. A atitude dos dois grandes partidos espanhóis em direção às aspirações de bascos e catalães foi muito similar.

Independente do partido político de Madrid sempre houve essa oposição à independência econômica de Catalunha?

Sim. Não é só um tema econômico, muitas vezes as petições de Catalunha transcendem mais à sua própria cultura, a respeito da língua catalã, e não necessariamente sobre a distribuição dos recursos econômicos, que também está claro que há um déficit fiscal que nós consideramos escandaloso. As contribuições [fiscais] da Catalunha em relação ao resto da Espanha são muito superiores a um país, por exemplo, como a Alemanha, onde também a região tem investimentos muito fortes aos pobres. Mas a Catalunha sempre aceitou, o problema é que tem que estabelecer algumas normas e limites.

É, então, contraditório o discurso de Madrid contra a independência da região, argumentando que é preciso manter a unidade territorial, a nação espanhola e igualdade entre todas as províncias espanholas, uma vez que inclusive a arrecadação de impostos é desigual?

Sim, sobre isso temos exemplos muito claros, que é o País Basco, que arrecada os próprios impostos e, em seguida, faz um pacto com Madrid sobre a sua contribuição. Mas no caso da Catalunha é ao contrário: é Madrid que arrecada os impostos e envia para Catalunha o que se pacta. Os bascos estão contentes, os catalães não.

Mas isso ainda não é suficiente para que a identidade nacional, a cultura, a língua aqui sejam respeitadas. O caso mais grave de Catalunha foi no ano de 2010, quando o Tribunal aprovou um novo Estatuto, que em Madrid foi rejeitado, com a maioria da população reivindicando votar em um referendo sobre o futuro político. Cerca de 80% das pessoas querem poder votar por isso. Alguns apoiam, inclusive, contra a independência, mas queriam votar. E uma grande maioria da população, que nos últimos anos se posiciona favorável, o faz com um sentido de incompreensão, de não se sentir compreendidos ou representados pela Espanha. O país se apresenta como plural, mas na verdade é muito centralista.

Desde a transição democrática espanhola, quais foram as mudanças visíveis para a população desde o primeiro Estatuto de Autonomia, de 1979, depois em 2006 e, por último, em 2010, com a decisão do Tribunal Constitucional?

A transferência de responsabilidades, que sempre foi complicado, porque custa a Madrid aceitar, e Catalunha sempre lutou para ter mais e mais autonomia. Desde o momento em que a comunidade conseguiu deputados no Congresso de Madrid, foi mais rápido alcançar os objetivos. Conseguimos muitas coisas, desde responsabilidades na educação, saúde, temos polícia própria, televisão própria. Houve êxitos importantes, mas a regulação dessas responsabilidades se podiam interpretar de uma maneira ou outra, e houve cada vez mais uma leitura centralista, criando leis superiores com o objetivo de anular esses logros. E, por isso, Madrid está reassumindo ou recuperando algumas dessas competências, que já estavam nas mãos de autonomias e de Catalunha.

O que tem feito Madrid, principalmente, é intervir sobre a criação por Catalunha de qualquer tipo de imposto ou lei própria, e todas as medidas que são criadas nos levam ao Tribunal Constitucional, aonde nos últimos anos anulam as nossas decisões.

No fundo, desde cinco ou seis anos, a autonomia de Catalunha é teórica, mas não mais real. É uma autonomia sob intervenção. Assim, competências que foram transferidas, algumas não são possíveis exercer ou não há recursos econômicos para exercê-las ou, ainda, Madrid cria leis para anular essas responsabilidades.

Há um mecanismo de se ter independência sobre essas leis superiores?

Nos últimos anos houve lutas para se ampliar o marco autonômico de Catalunha, mas a sensação ultimamente é de que isso é impossível, e a solução, não a mais fácil e sim a viável, é criar um Estado próprio.  Há algumas tentativas de celebrar um referendo de independência, sem possibilidades.

Por isso, o presidente [de Catalunha, Carles Puigdemont] anunciou que antes do mês de setembro fará o referendo, aceite Madrid ou não. E se o resultado for favorável à independência, como indicam as pesquisas, se proclamará a independência. Estamos na fase em que, ainda que não haja acordo, o governo de Catalunha irá levar adiante esse processo. No Parlamento, há uma maioria favorável entre os deputados.

São as diferenças da Catalunha em relação ao país que motivam essa independência?

Que a identidade é diferente, e com isso não digo nem melhor ou pior, é evidente. Na história, há um passado de independência, tem uma língua, uma cultura, gastronomia próprias e tem as suas festas tradicionais, todos os elementos que marcam a sua diversidade. Catalunha é resultado, claramente, desses sinais e códigos de identidade e, além de tudo, há uma vontade coletiva. É um tema de democracia, se a maioria da população quer um referendo e, logo, como em qualquer democracia, se sai um resultado a favor da independência, há que aplicar.

Foto: Joan Guerrero de Pedro Casaldáliga

Sobre o bispo catalão Dom Pedro Casaldáliga, que será homenageado no Centro Cultural São Paulo (CCSP) com uma exposição, é possível assumir que a sua atuação pelos direitos humanos, indígenas e lutas por terras é um exemplo do povo e espírito catalão?

Estaríamos honrados que fosse assim. Mas há poucas pessoas como Pedro Casaldáliga, que estão tão comprometidas e tão generosas. Creio que ele é uma exceção não só em Catalunha, como em todo o mundo. É alguém por quem Catalunha se sente muito orgulhosa. E sim aporta alguns valores habituais na comunidade, como o “estar abertos ao mundo”, Catalunha tradicionalmente sempre olhou para além de suas fronteiras, de acolhimento, com muitos imigrantes e muitos que saíram. Ele foi um dos que saíram, mas a sua atenção com os mais necessitados no Brasil é de uma generosidade pouco habitual.

Mas ainda há alguns pontos em comum na história do bispo com a Catalunha, como a luta social, a transição para a democracia – da qual ele foi importante também no período ditatorial brasileiro –, na reivindicação de direitos, aqui muito relacionados à reforma agrária.

Eu diria que esse sentido crítico e de luta por conseguir o que se crê que é justo, como Casaldáliga que acredita em mais acessos e direitos aos mais pobres no Brasil e, por sua vez, Catalunha que, desde muito, reclama obter também seus direitos. Há sim um paralelismo. 

***

Serviço Exposição Fotográfica
PERE CASALDÀLIGA, profissão: Esperança, do fotógrafo Joan Guerrero
Quando: De 25/01 a 30/04
Onde: Centro Cultural São Paulo
No dia 26/1, às 19h30, junto com a exposição, haverá sessão do filme “Descalço sobre a terra vermelha”.

 
Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

11 Comentários

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  1. Povo pretensioso, sempre

    Povo pretensioso, sempre fizeram parte da Espanha, qual a viabilidade de um pais de 3 milhões? As “autonomias” na Espanha são muitas,  Galicia, Pais Basco, Andaluzia, se o Estado espanhol facilitar desintegra o Pais. Como aqui com a criação de novos municipios, o projeto de independencia da Catulunha atende a interesses de POLITICOS fisiologicos, que na Catalunha tem em boa quantidade, Jordi Pujol que o diga, empregou a familia inteira e mais um pouco.

  2. Povo pretensioso, sempre

    Povo pretensioso, sempre fizeram parte da Espanha, qual a viabilidade de um pais de 3 milhões? As “autonomias” na Espanha são muitas,  Galicia, Pais Basco, Andaluzia, se o Estado espanhol facilitar desintegra o Pais. Como aqui com a criação de novos municipios, o projeto de independencia da Catulunha atende a interesses de POLITICOS fisiologicos, que na Catalunha tem em boa quantidade, Jordi Pujol que o diga, empregou a familia inteira e mais um pouco.

  3. A Catalunha cha que vai ficar

    A Catalunha cha que vai ficar independente e vai ganhar a copa !!!

    PAra o azar da Catalunha, os jogadores jogam nos países onde nasceram…

    A seleção da Catalunha vaiser menos, muito menos, do que o time do Barcelona…

  4. La rebelión catalana, de Antonio Baños

    Na Amazon é possível comprar um pequeno ebook, escrito em castelhano/espanhol, que descreve de forma muito didática as causas da rebelião catalã, até informando como isso seria benéfico às outras regiões da Espanha. Chama-se La rebelión catalana, autor Antonio Baños. Eu fiz uma breve resenha no skoob:

    “Uma bem humorada aula de história

    Antonio Baños se dedica, neste livro, a explicar didaticamente as razões da “rebelião catalã”, movimento cada vez mais popular entre os habitantes da região da Catalunha em prol de sua independência. 

    Desmistifica todos os pré-conceitos em relação ao movimento, mostrando com muito bom humor como os argumentos em prol da unidade espanhola – mesmo aqueles vindos de medalhões como Mario Vargas Llosa – não passam de um pueril “porque sim”, ou melhor dizendo, “porque não”.

    Recapitula, sem ser enfadonho, os traços principais da história catalã, em especial sua notável ausência de heróis, substituída pelo carinho por instituições, como as suas constituições e a Generalitat.

    Baños, que se define como um típico catalão – ou seja, filho de pai e mãe imigrantes de outras regiões da Espanha – só se definiu como independentista há dez anos, na medida em que as instituições políticas nacionais da Espanha foram fechando a porta a todas as iniciativas catalãs de autonomia no âmbito do próprio Estado espanhol, culminando com a desfiguração do Estatuto da Catalunha de 2006.

    Acredita que a independência e a criação da República da Catalunha poderá ser um momento transformador para que os demais povos da Espanha despertem de sua letargia e promovam reformas no Estado Central que beneficiem a todos os povos ibéricos.

    Leitura obrigatória para quem deseja entender o que se passa na Catalunha contemporânea.”

  5. Trabalhei anos atrás, com catalães

    Alegres, simpáticos e  pretensiosos. Estive a serviço por lá, também. Barcelona, maravilhosa. Povo simpático e alegre. Mas, quando se referiam ao restante da Espanha,o faziam  quase sempre em tons jocosos e de superioridade. Que, sem eles a Espanha não existira. Muito parecido com o sentimento dos paulistas em particular e dos sulistas em geral de que as pessoas de outros estados são menores, preguiçosas e incompetentes. É a realidade? Não sei mas, quando se busca a partição ao invés da união, me parece que as coisas desandam. E, sabe Deus, no que pode se transformar o ressentimento herdado por gerações! Me parece mais uma entre inúmeras involuções da humanidade neste começo de século.

  6. Artigo impróprio, em momento inoportuno

    Além dos erros primários contidos na versão inicial da matéria (que descrevia a Catalunha como uma região ao norte da França e a leste do Mar Mediterrâneo), depois revisados, o texto se mostra inadequado e inoportuno no momento em que o ódio e nazifascismo são disseminados nas diversas regiões brasileiras, alimentando separatismo flagrantemente inconstitucional, como se vê no Sul do Brasil e e em São Paulo.

    Se o Brasil fosse de fato uma república federativa e não uma republiqueta de bananas e os tribunais constitucionais e as FFAA cumprissem sus obrigações, seguindo, respeitando e fazendo cumprir a CF/1988, os que pregam o ódio, o nazifascismo e o separatismo teriam de ser não apenas identificados e investigados, mas processados, julgados e condenados, conforme prevê a Lei Maior.

    Mas na república bananeira em que oBrasil foi transformado após o golpe de Estado de 2016, em que o STF e as FFAA foram omissos, coniventes e partícipes do golpe, não há nenhuma esperança de que essas absurdas idéias separatistas sejam combatidas com rigor. Ao contrário, é possível que elas sejam não apenas toleradas como insufladas. Afinal quanto mais dividido pelo ódio, pelo nazifascismo e por esse separatismo que deles decorre mais fácil se torna a dominação desse país  tropical  e suas riquezas pelo império do norte, hoje nas mãos de Donald Trump.

  7. União sim, separação não, xô separatismo sectário!

    Sou totalmente contra, esse separatismo é oportunismo político e uma verdadeira atitude sectária e ideológica, algo que piorará a economia de ambas as partes, pois a Espanha dá sinal de melhoria econômica, e desunião nesta hora prejudicará tudo. Isso é uma manobra de republicanos inconsequentes, pessoas habituadas a tocarem fogos nos apaziguamentos sociais em troca de futuros cargos demagogos dentro de uma republiqueta que quer nascer por meio do ódio. Deus salve o Rei Felipe VI, apaziguador da Espanha, xô separatistas medpicores.

  8. Xô separatismo, xô oportunismo demagogo!

    Sou totalmente contra, esse separatismo é oportunismo político e uma verdadeira atitude sectária e ideológica, algo que piorará a economia de ambas as partes, pois a Espanha dá sinal de melhoria econômica, e desunião nesta hora prejudicará tudo. Isso é uma manobra de republicanos inconsequentes, pessoas habituadas a tocarem fogos nos apaziguamentos sociais em troca de futuros cargos demagogos dentro de uma republiqueta que quer nascer por meio do ódio. Deus salve o Rei Felipe VI, apaziguador da Espanha, xô separatistas medíocres.

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