Dilma perdeu para o PT fisiológico

Comentário ao post “Muito além do plebiscito

Acho que é preciso dizer mais Nassif: é preciso reconhecer que, neste caso, Dilma perdeu para o PT fisiológico: entabulou a ideia de um processo Constituinte e viu-se obrigada a recuar por falta de apoio político de seu próprio partido. A ficha do PT ainda não caiu: o PT do governo federal temeu enfrentar diretamente o problema do sistema político. E esse temor pode ter como justificativa a expectativa dos petistas de que as coisas voltarão a ser como eram antes em 2014, de que a coalizão política será pacificada, que Lula é um bom reserva caso Dilma seja detonada. É um erro. Muito antes dessa crise, a relação com o PMDB já andava estremecida (e muito!). Não por mérito dos petistas, mas sim porque o PMDB em si mesmo é um problema (aqui no blog, por exemplo, há um colega que costuma compartilhar a análise do Marcos Nobre sobre a centralidade do PMDB no impasse político atual).

Não há sequer solidariedade entre a própria ala pmdbista comandada pelo vice-presidente da República e a presidenta Dilma. 

Que a oposição partidária possa querer apenas manter um governo moribundo para poder despontar como favorita em 2014, até faz sentido: não querem reformular de cima a baixo o sistema político-eleitoral-partidário. A oposição não tem (porque não enxerga) problemas com a atual estrutura: ela quer esta estrutura intacta. Seu único desejo é substituir o governo petista. Os governos tucanos, aliás, tem administrado de forma mais pacifica suas coligações. Talvez, em seus governos, eles, de fato, sejam a força hegemônica das coalizões.

A tese de que há uma “força hegemônica” na coalizão é uma tese cara aos petistas. Sempre defendida pelo Zé Dirceu. Onde está essa hegemonia na atual crise?

Por isso é preciso fazer a pergunta: a quem interessa não fazer uma verdadeira Reforma Política a essa altura do campeonato? Essa maioria quase absoluta dos partidos que funcionam como legendas de aluguel evidentemente não se interessam por uma reforma política que limite, entre outras coisas, o poder econômico sobre os partidos, os candidatos e sobre o processo eleitoral como um todo. Esse atual sistema passou a beneficiar o PT a partir do momento em que, aberto às coligações além da esquerda, era inevitável que o partido vencesse as eleições em 2002, com o esgotamento do governo de Fernando Henrique Cardoso. A partir de então, o PT valorizou-se como máquina eleitoral, advindo daí, aliás, uma parte importante dos erros que o partido cometeu. Este valor do PT como máquina eleitoral, arrisco dizer, nunca esteve tão baixo desde 2002. É a volta do PT ao chão. Os grupos políticos oligárquicos não tem verdadeiras afinidades com o PT, não tem motivos para quererem apoiar sua sobrevivência caso sua derrota seja iminente.

Daí porque eu considero um erro o PT não ter apoiado uma proposta de fato reformadora, como seria o caso de uma Constituinte. Não que a vitória fosse garantida. Mas a vitória do Plebiscito também não é garantida. Ou seja: se era para arriscar perder, que se arriscasse com a proposta mais ousada, e não com uma que ameaça entrar para a história como uma farsa. 

A não realização de uma Reforma Política, voltando à pergunta feita acima, interessa aos partidos oligárguicos, aos clubes de interesse, às legendas de aluguel. Sem reformar o sistema que permite o predomínio deste tipo de força político-econômica, o cenário político pós 2014 poderá ser de ainda maior concentração de poder e falta de representatividade que o atual.

A fala abstrata de Dilma de que é preciso “oxigenar nosso sistema político” só encontra sentido nessa perspectiva. Sem isso, o grosso das eleições continuará sendo o de políticos que se elegem sem qualquer vínculo de representação com aqueles que neles votaram. A posição do PT aqui é crítica porque – talvez alguns petistas tenham se esquecido – trata-se de um partido que surge vinculado às suas bases sociais, aos movimentos populares, enfim, aos trabalhadores. O PT tem a perder. Mas não é só o partido que tem a perder. Essas bases sociais, esses movimentos populares, os trabalhadores, entre outros setores da sociedade brasileira que não fazem parte de nenhum destes grupos oligárquicos verão sua representação política ainda mais prejudicada caso não haja uma verdadeira Reforma Política. Não só a lógica que obriga todo tipo de concessão aos grupos oligárquicos será mantida, como ainda essa lógica se verá reforçada.

Não adianta dizer que o grosso das vozes das ruas era contra todos os partidos. Quem disputará as eleições em 2014 serão estes partidos que aí estão (e talvez uma Rede somando-se a eles). A imprensa nacional fez o serviço: canalizou os ataques ao PT. Tem havido uma condução dessa crise não no sentido de algo melhor do que os lentos passos para uma democracia socialmente mais equilibrada que o governo petista conseguiu colocar na ordem do dia do governo federal, mas sim no sentido de favorecer uma virada conservadora, com maior concentração de poder. E isso, infelizmente, não é um mero clichê. Basta observar as movimentações políticas atuais.

Os movimentos sociais não se encontram no momento mais glorioso de sua capacidade de mobilização. A participação popular via manifestações de massas mostrou seus limites. Mas uma mobilização popular para além das bandeiras genéricas é extremamente necessária: é através dela que a sociedade civil poderá dizer, agora, que quer ir muito além da precária representação atual e não voltar a uma representação ainda mais distorcida como a que tivemos antes da chegada de um partido de massas ao poder.

Luis Nassif

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