Discriminações a partir da lógica do capital

Quando se fala em discriminações, em especial de raça, gênero e relativamente à homossexualidade, é comum dizer: “mas isso não é algo que possa ser considerado existente apenas com o advento do capitalismo, sempre existiu na história da humanidade”.

Na verdade, essa frase oculta, primeiro, uma naturalização e generalização inaceitáveis: “isso sempre existiu na história da humanidade”. Não é possível ser tão peremptório. Para que a ilação fosse totalmente verdadeira, haveria que se verificar toda a história da humanidade em todos os lugares do planeta. O que, convenhamos, é tarefa quase impossível. Até mesmo por que, em certas manifestações tribais, por exemplo, os valores podem ser completamente diversos dos nossos.

Na história ocidental, não obstante, é recorrente verificarmos países em que tais discriminações realmente se deram mesmo antes do advento do capitalismo.

Não podemos certamente dizer que o capitalismo inventou a homofobia ou a discriminação de gênero. No entanto, podemos afirmar que, com ele, as formas de manifestações discriminatórias assumiram, na perspectiva da lógica da dominação, um nível de sofisticação jamais alcançado no percurso da história humana. Associadas à lógica do fetiche da mercadoria, não raras vezes, existem dificuldades frequentes para a sua total identificação e compreensão, o que inviabiliza, inclusive, a construção tanto de um discurso, quanto de uma prática que melhor as combata. Registre-se, ainda, a intensificação, na sociedade capitalista, das formas de exploração já existentes anteriormente.

Por outro lado, compostas na perspectiva da centralidade do trabalho, a luta contra tais discriminações assume uma totalidade que conspira contra o desejo do capital de segmentar a possibilidade de sua análise conjunta – segmentação responsável inclusive por numa espécie de “concorrência capitalista predatória” entre os próprios grupos vítimas dos preconceitos, que lutam para que as suas pautas sejam consideradas preferenciais (em especial na perspectiva da alocação dos ditos escassos recursos para a realização de políticas públicas de combate às discriminações). Na ótica da centralidade do trabalho, e sem perder de vistas as especificidades de cada uma das discriminações perpetradas contra determinados grupos (mulheres, gays ou negros, por exemplo), há a possibilidade de uma identidade inclusive de luta. Há ainda a viabilidade da construção científica de paradigmas para uma teoria que as coloque na perspectiva conjunta.

Não somente os preconceitos, como também diversas categorias sociais, existiram antes mesmo do advento do capitalismo. Veja-se o exemplo dado pelo famoso marxista inglês David Harvey (Para entender o capital – livro I. São Paulo : Ed. Boitempo, 2013). A forma-dinheiro era comum em sociedades antigas que a adotavam nas suas mais diversas maneiras de exteriorização. No entanto, como equivalente universal, na perspectiva do valor de troca, passa a ser avançado instrumento na lógica de exploração do trabalho alheio (a respeito veja-se a explicação conceitual de valor de uso e de valor de troca no segundo post deste blog).

Da mesma forma, já em tempos anteriores ao capitalismo, era possível, por exemplo, falar-se em sujeição das mulheres aos homens, mas categorias como a divisão sexual do trabalho e sua estrutura hierarquizada somente podem ser explanadas a partir da sofisticada trama de dominação de gênero estabelecida pelo capital. Tais conceitos serão explanados futuramente quando tratarmos do tema, mas por ora devem ficar enunciados como especificidades da lógica de dominação do capital.

Portanto, tenho como certo de que somente a incursão metodológica proposta por Marx é capaz de fazer retomar a unidade teórica e prática das lutas dos grupos vítimas das discriminações. Somente o materialismo histórico-dialético, no meu sentir, será instrumento capaz de fazer efetivar tal unidade.

No entanto, ao invés de ficarmos explicando o método (que somente apreendi após longos anos de estudos de textos de Marx e Engels e após uma incipiente, embora não a considere inconsistente, leitura de e sobre Hegel), prefiro mostrar como se dá a sua incidência nas diversas situações diárias envolvendo discriminações de gênero, raça e sexualidade. Esta, além da utilização do método para a apreciação de diversas disputas cotidianas entre as classes, passará a ser a nossa abordagem – e que nos auxiliará, inclusive e como já dissemos em postagem anterior, a identificar as contradições do capitalismo, provocada pelo caráter fetichista da mercadoria.

Começamos aqui uma nova etapa da nossa viagem conjunta.

Há braços.

Redação

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