É cedo para avaliar as consequências do desastre grego, por Delfim Netto

Do Valor

O desastre grego

Por Antonio Delfim Netto
 
É ainda muito cedo para filosofar sobre as profundas consequências econômicas e geopolíticas do eventual afastamento da Grécia da Comunidade Europeia.
 
Antes de mais nada, vamos combinar três coisas: 1) que só a miopia, ou a necessidade estratégica do Ocidente, pode explicar os favores dados à Grécia para aceitar o euro como sua moeda. Avaliada, ela parecia superar o custo da sua secular irresponsabilidade fiscal. A vontade política ignorou a certeza econômica que ela muito dificilmente se acomodaria naquela área monetária. No longo prazo, a pedestre restrição da economia costuma dominar a metafísica “vontade” política; 2) que em alguns países da Eurolândia, depois de sete anos de “austeridade”, existe uma distância enorme entre o “PIB potencial” e o nível da demanda agregada, além de uma distância abissal entre a taxa de desemprego “natural’ e a atual. Isso sugere que o que falta mesmo é “demanda efetiva”, que não será gerada por um programa que se esgota em “mais austeridade”; e 3) que a “ajuda” à Grécia, desde 2008, salvou o sistema bancário credor, mas despejou todos os seus custos no lombo da população, que, até então, ingenuamente, atribuía o aumento da sua prosperidade sem ter que trabalhar aos “bons governos”…

 
A peculiaridade do desafio grego implícito na rápida e inesperada consulta popular de 5/7 é que ele foi produto: 1) Da enorme diferença, ainda não reconhecida, que fará no futuro o crescente empoderamento da cidadania no enfrentamento dos problemas sociais e econômicos dos países; 2) Do reconhecimento crescente que os programas de austeridade postos em prática nos últimos sete anos, derivados da “teologia” acumulada pelos tecnocratas (apetrechados pelo “mainstream” da economia) que dominam as burocracias de Washington, Frankfurt e Bruxelas, não entregaram o prometido. É verdade que a Grécia também não entregou o que prometeu! 3) Do deliberado propósito de desafiar a “ciência” e o poder daquelas burocracias. É claro que isso não poderia ser feito por um ministro de Finanças condicionado pelo “mainstream”, escolhido no mercado financeiro, ou extraído da burocracia nativa. Foi por isso que Tsipras foi buscar Yanis Varoufakis, um acadêmico que conhece o “mainstream”, admira Keynes, tem um evidente viés marxista e é especialista em teoria dos jogos. Simpático, dissimulado e narcisista, empurrou sem pressa e alguma arrogância as negociações até a exaustão e exasperação dos burocratas.
 
Encerrado o referendum, era certo que, com qualquer resposta (sim ou não), a tarefa de Varoufakis estaria terminada pelo seu desgaste. O que fez, então, o primeiro-­ministro? Nomeou para as Finanças outro acadêmico, Euclid Tsakolotos, conhecedor do “mainstream” e com um elegante tempero do morno marxismo da Universidade de Oxford. Na primeira reunião depois de 5/7, apresentou-­se com algumas notas escritas à mão. Não esqueceu de pedir mais um dinheirinho e prometeu voltar com um novo programa… Finalmente, em 9/7, o próprio Tsipras apresentou-­o. Contém concessões significativas que negam o seu programa eleitoral, mas mesmo assim não foi aceito pela tecnocracia da “troika”, o que politizou a decisão.
 
Como tudo vai terminar será, ainda, uma longa história. Tsipras, que reconheceu que “seu mandato é para concluir um acordo melhor, não para retirar a Grécia da zona do euro” deve sair muito mal. Para seus eleitores, será um estelionatário. Para os ministros da Comunidade, seu esquerdismo infantil retirou-­lhe a credibilidade que lhe fará muita falta. Não tem como garantir que o seu compromisso da madrugada de 13/7 será levado a bom termo.
 
O “não” grego não sugeriu o apoio à irresponsabilidade fiscal. Não foi a vitória da “antiausteridade”. Repudiou apenas o equivocado “excesso” de austeridade, transformado no fim de si mesmo e exigido como preliminar do crescimento e não construída simultaneamente com ele. As causas dos problemas dos países europeus não são as mesmas, e, logo, não podem ter a mesma solução. Na Espanha e na Irlanda, não havia déficits fiscais importantes e a relação dívida/PIB era razoável. Os EUA mostraram que há políticas fiscais e monetárias mais inteligentes que, mesmo quando não levam a rápida recuperação do crescimento, mitigam o desemprego, o que é o mais importante.
 
Talvez o maior e mais duradouro efeito do referendum que empoderou o governo grego seja de ordem moral. O mundo se informou melhor sobre a origem das graves crises financeiras que se espalharam depois de 2008. Elas somaram o irresponsável comportamento dos devedores com a insopitável busca de lucro dos credores. A “troika” também terminou muito mal. Tão mal, que o FMI, no dia 3/6, abriu uma dissidência: reconheceu que não há solução fora de um novo “hair­cut”, isto é, de mais um perdão da dívida. Isso para não falar da visível “saia justa” do assustado Hollande diante da musculatura de Merkel.
 
Aos trancos e barrancos, foi conseguida mais uma possibilidade política de diálogo. Que ele seja mais sério, mais realista, mais racional e mais generoso. Será criminoso perdê­la pela eventual incapacidade de “gregos” e “troianos” se moverem de posições ideologicamente determinadas, cujos resultados já conhecemos.
 
Redação

8 Comentários

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      1. Fui mal nesse comentário. As

        Fui mal nesse comentário. As realidades não são “profundamente” distintas. Há, sim, similaridades no que tange aos aspectos abordados pelo ex-ministro Delfim no seu texto: a “onipotência” dos “iluminados” da dita troika(*) devidamentre mainstream com relação ao receituário neoliberal. 

        (*) União européia-Banco Central Europeu – FMI). 

        O que temos que sopesar são as magnitudes entre o Brasil e a Grécia nos aspectos econômicos, sociais, políticos e geopolíticos. 

    1. Na verdade o Mantega é o porta vóz

      Faltou a grécia conhecer o truque que coloca 72 estrelas no teto do Capitólio em Washington e deixa a banca sem ação, o resto é conversa mole.

      1. Poderias, Alexandre, decifrar

        Poderias, Alexandre, decifrar para nós, ímpios, o que diabo quer dizer esse teu comentário? Faz parte do mistério da Rosa Cruz? Ou será uma codificação com base nos escritos maias que previram o fim do mundo para 2012? 

        1. Claro JB Costa, afinal maias e Rosa Cruz para um ímpio é cavalar

          Trata-se da abdução dos ímpios que se livram do descrédito e da ambição, Sete de deniers invertido. No mais o de sempre, Astrologia, Tarot e  Geometria.

          http://www.cosmicdoorways.net/CosmicDoorways/COSMIC_DOORWAYS.html

            
          Analogia entre o forno alquímico de Janus Lacinius e o Caldeirão no 9 de Discos do Tarô Sola-Busca.   Nove dos Discos (ou moedas) de Tarô Sola-Busca é uma alegoria da “cozinha de iniciação”, que é uma parte da “Obra em Negro” (Nigredo). A caldeira contém sete discos (os sete metais, ou planetas, ou personagens humanos). Um outro disco é elevado e representa a parte volátil da matéria. Outro se encontra no fundo e é a parte pesada. O homem sob a caldeira “morre para si mesmo”, e ele vai renascer com um novo estado de consciência.

               Sete de Discos do Tarô Sola-Busca   O Sete de Discos (ou Denier) do Tarô Sola-Busca é uma alegoria clara do “Rubedo” (A Obra em Vermelho). A operação que o homem está brincando com o fogão faz alusão aos sete graus do “Opus alchemicum”: as sete destilações (ou correções) também conhecidas como planetas, ou personagens, ou Estados do ser. O fogão que ele está ajustando não é nada mais do que o recipiente dos fogos interiores. O Falcão (ou Águia) colocado na vara representa a chamada “matéria volátil” que ao crescer deve ser purificada a partir da escória (defeitos psíquicos e espirituais). A correia que conecta as asas que envolvem os sete discos é o símbolo da “coniunctio”: assim é representado em antigos tratados sobre alquimia da União harmônica entre as várias partes do ser. 

          http://technutaro.blogspot.com.br/2013/02/o-taro-sola-busca-codigo-secreto-de_10.html 

           

  1. Brilhante artigo do sempre

    Brilhante artigo do sempre intelectualmente lustroso economista Delfim Netto. Seu fulcro, a crise grega, é hoje o assunto mais explorado na mídia mundial. Decerto que a visão do ex-ministro, mais ou menos um meio-termo, é,  a meu ver,  a mais sensata. Nesse aspecto, sintetiza-a muito bem no item 2 do terceiro parágrafo(“Do reconhecimento frequente que os programas de austeridade………….”).

    Também de uma percuciência indiscutível  que bem poderia ser aplicada ao nosso Brasil atual da dupla(não caipira) Levy e Tombini o repto: 

    Os EUA mostraram que há políticas fiscais e monetárias mais inteligentes que, mesmo quando não levam a rápida recuperação do crescimento, mitigam o desemprego, o que é o mais importante.

     

  2. Até quinfim

    Um artigo que fala que os gregos também possuem parte da culpa. O que tem de gente que acredita em moeda de um lado só…

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