quarta, 17 de abril de 2024

É cedo para estabelecer definições sobre a relação entre jornalismo e TikTok, por Ricardo José Torres

O que diferencia os riscos digitais impostos pelo TikTok e os que vêm sendo praticados há anos por outras plataformas transnacionais?

Quais os perigos de grandes empresas de comunicação em parceria com o Estado? Crédito: natanaelginting / Freepik

da objETHOS

É cedo para estabelecer definições sobre a relação entre jornalismo e TikTok

por Ricardo José Torres

Ao decidir banir o TikTok, o governo dos EUA evidenciou ainda mais o poder desproporcional que as empresas de tecnologia norte-americanas têm em inúmeros países em dimensões políticas e econômicas. Por outro lado, a ascensão do caso TikTok também fez alguns jornalistas refletirem sobre a segurança e a ética ligada ao uso e à promoção destas plataformas.

Embora as violações de dados mais hediondas tenham ocorrido recentemente no Twitter, e o consenso é que o Facebook tem pelo menos o mesmo vazamento de dados pessoais, o status do TikTok como uma empresa de propriedade chinesa coloca o uso do aplicativo – e riscos e preocupações éticas associadas – em uma categoria diferente (BELL, 2020).

O TikTok é utilizado de maneira ínfima por jornalistas e meios de comunicação para alcançar públicos próprios. No entanto, como indica Bell (2020), é difícil imaginar como jornalistas especializados em tecnologia ou cultura podem não gastar pelo menos algum tempo em um aplicativo que foi baixado bilhões de vezes e está crescendo muito rápido em popularidade.

Os debates que envolvem o aplicativo chinês TikTok possuem uma série de questões importantes relacionadas a vigilância digital e a comunicação. A mídia social de vídeos curtos relacionados ao entretenimento desencadeou diversas reflexões e inúmeras projeções dentre as quais a sua relação com o jornalismo.

Para além da disputa pelos dados dos usuários e ativos econômicos que é proporcionada pela intrusão comunicacional, a pergunta a se fazer é: o que diferencia os riscos digitais impostos pelo TikTok e os que vêm sendo praticados há anos por outras plataformas transnacionais?

A nebulosa formatação algorítmica, a falta de transparência na coleta e na preservação de dados dos usuários e a modulação no acesso aos conteúdos são a base destas plataformas. A parametrização de perfis de jornalistas por corporações e as possibilidades de intervenção não são novidades advindas do continente asiático.

As relações entre governos e corporações mediadas por aspectos econômicos também não têm nada de novo. Em 2009, o Facebook foi expulso do mercado chinês durante rebeliões de uma minoria que utilizou a mídia social para divulgar informações sobre a repressão dos protestos.

Em novembro de 2016, o New York Times (NYT) revelou que o Facebook -confidencialmente e com o apoio de seu fundador, Mark Zuckerberg – desenvolveu um programa para censurar o conteúdo dos usuários das redes sociais, de acordo com sua localização geográfica. Empregados do Facebook disseram que a empresa dos EUA procura responder às demandas do regime chinês em censura (RSF, 2017, p. 5).

A possibilidade de colaboração ativa das corporações com Estados pode estabelecer formas de repressão e censura. Banir plataformas e espaços digitais que engajam milhões de pessoas pode promover a supressão de informações jornalísticas, ser um álibi para controlar dados pessoais e moderar o acesso a conteúdos. Em 2016, o Twitter também enfrentou acusações ligadas à censura de jornalistas.

Em 2016, na Turquia, a rede social, que afirma em seu site que só leva em conta solicitações válidas e corretamente definidas, fez todo o possível para aplicar as ordens dadas pelo regime dias após a tentativa de golpe de 15 de julho, censurando pelo menos vinte contas de jornalistas e meios de comunicação (RSF, 2017, p. 6).

Joel Simon (2017) aponta que associadas a governos, algumas corporações estão encontrando formas inovadoras de repressão. A manutenção de processos sigilosos é típica nessas relações que formatam novos sistemas de controle, por meio de tecnologias que permitem que dados sejam cooptados e usados de maneiras distintas. Ele aponta três categorias que envolvem estratégias para controlar e gerenciar informações: repressão 2.0, controle político dissimulado e tecnologia de captura.

Basicamente, a repressão 2.0 é uma atualização de táticas antigas que vai desde a censura estatal até a prisão de críticos, com novas tecnologias de informação que incluem smartphones e mídias sociais. O controle político dissimulado é um esforço sistemático para ocultar ações repressivas, revestindo-as com o aspecto de normas democráticas. A tecnologia de captura diz respeito à utilização das mesmas tecnologias que geraram inúmeras plataformas de interação global para sufocar a dissidência, monitorando e vigiando críticos, bloqueando sites e utilizando trolling para calar vozes críticas.

Dilemas e desinformação

A relação das plataformas digitais e das empresas de tecnologia com o jornalismo é algo em desenvolvimento. É difícil mensurar e definir impactos e desdobramentos de maneira assertiva. Além de exercerem competências relacionadas com a distribuição de informações jornalísticas, as plataformas agem na monetização desses conteúdos como aponta o texto: “Quanto custará ao jornalismo aceitar o dinheiro de Google e Facebook? do professor Rogério Christofoletti.

Para Bell et al. (2017), as plataformas sociais influenciam o jornalismo ao incentivarem a produção de formatos específicos de conteúdos, por exemplo, o streaming ou ao ditar padrões gráficos aos meios. Atualmente, ferramentas digitais estão assumindo um papel editorial que não diferencia a qualidade e a veracidade das informações jornalísticas.

A sensação de empoderamento dos usuários projetada pelas plataformas é uma ilusão, já que essas empresas obtêm recursos financeiros com a venda de dados sobre o comportamento e as ações daqueles que utilizam as ferramentas. As relações de corporações e Estados e, principalmente, os limites e as formas de regulação dessas empresas são debates importantes e necessários. É difícil de imaginar alguma possibilidade de independência em um contexto em que a atividade de publicação é exercida por controladoras de plataformas tecnológicas.

A dúvida é saber como a imprensa vai vigiar os novos nós do poder quando essa mesma imprensa depende deles para distribuição, audiência e receita” (BELL et al., 2017, p. 81).

Dentre os vários aspectos que envolvem as discussões sobre o TikTok, destacam-se as temáticas ligadas ao controle de dados pessoais, à constituição de espaços digitais de desinformação e à vigilância comunicacional privada. Tanto os jornalistas, como as empresas de comunicação precisam encontrar formas de resguardar os seus dados e conquistar autonomia em relação aos formatos digitais hegemônicos.

Tanto o TikTok, quanto as múltiplas aplicações digitais utilizadas por jornalistas apresentam problemas no que diz respeito à vigilância comunicacional (estatal e privada) e isso representa um problema significativo de segurança digital que aponto na tese: “Jornalismo vigilante sob vigilância: vulnerabilidades e potencialidades do jornalismo investigativo brasileiro”. O fato de uma plataforma transnacional chinesa representar riscos digitais evidenciou ainda mais as vulnerabilidades com que os jornalistas convivem atualmente.

O debate do TikTok nas redações pode ter um aspecto geracional, mas também força conversas mais importantes sobre que relacionamento o jornalismo deve adotar com as plataformas de tecnologia. E essa preocupação é universal (BELL, 2020).

É importante ter claro que não sabemos o suficiente sobre as relações do TikTok com o governo chinês, mas também sabemos pouco sobre as relações das empresas norte-americanas com o governo dos EUA e de outros países. Essa é uma das características benéficas dos argumentos apresentados no caso TikTok, em última análise eles forçam os jornalistas a avaliarem as consequências das relações do jornalismo com plataformas terceirizadas.

Ricardo José Torres – Doutor em Jornalismo pelo PPGJOR e pesquisador do objETHOS.

Referências

BELL, Emily et al. (org.). Journalism After Snowden: The Future of Free Press in the Surveillance State. New York: Columbia University Press, 2017.

BELL, Emily. The modern dilemma of TikTok journalism. Columbia Journalism Review – CJR, 2020. Disponível em: https://www.cjr.org/analysis/the-modern-dilemma-of-tiktok-journalism.php. Acesso em: 16 ago. 2020.

CHRISTOFOLETTI, Rogério. Quanto custará ao jornalismo aceitar o dinheiro de Google e Facebook?. objETHOS, 16 ago. 2020. Disponível em: https://objethos.wordpress.com/2020/08/16/__trashed/. Acesso em: 17 ago. 2020.

REPÓRTERES SEM FRONTEIRAS. Censura e vigilância de jornalistas: um negócio sem escrúpulos, 2017. Disponível em: https://rsf.org/wp-content/uploads/rapport_cs_pt_v2-2.pdf. Acesso em: 16 ago. 2020.

SIMON, Joel. Introdução: A Nova Face da Censura. Committee to Protect Journalists – CPJ, 2017. Disponível em: https://cpj.org/x/6c36. Acesso em: 16 ago. 2020.

TORRES, Ricardo. Jornalismo vigilante sob vigilância: vulnerabilidades e potencialidades do jornalismo investigativo brasileiro. Tese. Universidade Federal de Santa Catarina, 2020.

Redação

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