O Lula de hoje e o PT de ontem


Na noite da última sexta-feira (31/08), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) esteve na Praça da Estação, no centro de Belo Horizonte, para o primeiro comício desde que deixou a Presidência da República, em janeiro do ano passado. O evento foi organizado pela campanha do candidato petista a prefeito de Belo Horizonte, Patrus Ananias.

Lula cumpriu o papel de falar o que poderia não ser tão bem recebido se viesse da boca do candidato. As duras críticas ao principal adversário de Ananias, Marcio Lacerda (PSB), foram fundadas na contraposição entre o conhecimento adquirido na universidade e aquele decorrente das experiências de vida. Segundo o ex-presidente, os eleitores precisam observar que, assim como ele, o postulante petista tem uma trajetória política que o habilita a ser bem mais que um mero tocador de obras.

Eles [os opositores] sabem que o povo de Minas Gerais vai saber escolher a diferença entre o tocador de obra, só, que às vezes não sabe nem rir, que às vezes parece que não tem coração, parece uma pedra de gelo, e eles vão conhecer um outro tocador de obra, que tá fazendo uma ponte, mas tá de olho na criança que tá brincando na rua, com esgoto a céu aberto, que está pensando na criança que não tem assistência médica, que está pensando na mulher que precisa de melhor tratamento (Luiz Inácio Lula da Silva, comício na Praça da Estação, Belo Horizonte, 31/08/2012).

A sensibilidade perante problemas sociais seria, pois, a principal vantagem de Patrus, visto que Marcio Lacerda tem o perfil frio e técnico demais, na concepção de Lula. A ideia de cuidar das pessoas carrega uma semelhança com a campanha empreendida em 2008 por um atual apoiador de Patrus, que estava no palanque neste mesmo comício. Trata-se do deputado federal Leonardo Quintão (PMDB), que conseguiu se transformar de coadjuvante no primeiro turno a principal opositora de Lacerda parecia ser, até o início do HGPE, Jô Moraes (PCdoB) a uma ameaça real à vitória de Lacerda, que antes parecia garantida. Afirmando que ia cuidar de gente, Quintão conseguiu avançar para o segundo turno e, no início da última fase da campanha, logo após a primeira votação, chegou a aparecer à frente de Lacerda em algumas pesquisas de intenção de voto.

Agora, Patrus Ananias investe na mesma abordagem para sua campanha, com a vantagem de já ser conhecido por uma boa parte do eleitorado de BH como o candidato preocupado em promover melhorias sociais – esta imagem é reforçada também pela associação do ex-ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome ao Bolsa Família, principal programa de transferência de renda do governo Lula. O slogan da campanha de Ananias (Um homem de ação e coração) também busca enfatizar este aspecto.

Por sua vez, Marcio Lacerda também tem buscado se mostrar mais “humano” e menos técnico nas inserções televisivas e nos eventos de campanha. Ontem, por exemplo, após visita às obras do hospital do Barreiro (que ele menciona com bastante frequência no HGPE), uma reportagem do Portal Uai menciona que ele participou de um corpo a corpo com os eleitores na avenida Sinfrônio Brochado e chegou a sambar (cena inimaginável para quem está acostumado à imagem formal do candidato).

Durante o evento da campanha de Ananias na última sexta-feira, Lula falou ainda sobre a crise interna do PT mineiro e o rompimento da aliança com o atual prefeito. Ele disse que foi chamado a BH porque estaria havendo muitas brigas entre membros da sigla, mas que só decidiu aparecer na capital mineira porque percebe que “eles” (os aliados em 2008 e atuais adversários dos petistas) tentam destruir o PT. A oposição entre “eles” e “nós” está explícita no discurso de Lula, e ele se inclui (assim como inclui Patrus) no segundo grupo, visto que não apenas está mais próximo do povo, mas faz parte dele.

Em contrapartida, o atual prefeito estaria entre aqueles que, depois de chegarem ao poder com a ajuda do PT, interromperam a aliança por julgarem não precisar mais do apoio da legenda. Lula aproveitou para criticar também o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o governador Antônio Anastasia, ambos do PSDB – sigla que manteve o apoio a Lacerda para o pleito deste ano. Ele afirmou que “FHC não dava dinheiro pra ninguém” e que, portanto, a gestão de Patrus Ananias foi menos beneficiada pelo governo federal do que a de Marcio Lacerda, além de assegurar que o governo de Minas “está quebrado”.

Outra reportagem veiculada pelo Portal Uai contém uma declaração de Marcio Lacerda que pode explicar o que Lula entende como desejo de destruir o PT”. Segundo esta matéria, Lacerda afirmou que o PT precisa sofrer uma grande derrota, para que “desça do pedestal”. De fato, o foco no partido do ex-presidente decorre do fato de que esta é a única sigla que desperta tanto a preferência quanto a rejeição de parcelas expressivas do eleitorado no país. Tendo crescido “de baixo para cima”, a legenda pode ser classificada na sua origem e sobretudo antes de ter chegado à presidência, em 2002, como um partido de massa (KATZ e MAIR, 1996).

É em referência a este quadro de mobilização que promoveu o fortalecimento gradativo do partido no Brasil ao longo das últimas três décadas que Lula finaliza seu discurso no comício em BH com a afirmação de que “eles não percebem que o PT não é o Lula, o PT não é o Patrus, o PT não é o Pimentel, o PT não é a Dilma, o PT é cada um de vocês por este país”. A capacidade de empolgar simpatizantes é inquestionável. Mas será que esse discurso encontra correspondência, ainda hoje, no que pensa o eleitor comum?


Nayla Fernanda Andrade Lopes é graduada em Jornalismo e pós-graduada em Comunicação Empresarial pelo Centro Universitário de Belo Horizonte (UniBH) e especialista em Marketing Político pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Atualmente, cursa o mestrado em Ciência Política, também pela UFMG, e integra o Grupo de Pesquisa Opinião Pública, Marketing Político e Comportamento Eleitoral (http://www.opiniaopublica.ufmg.br), com sede na UFMG.

Luis Nassif

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador