Na quebra do sigilo, faltou Arnaldo Madeira

Da Folha

JANIO DE FREITAS

Sob o tráfico de sigilos

O caso das quatro pessoas ligadas a Serra presta-se à exploração eleitoral; mas o caso verdadeiro é de milhões

É GRANDE A possibilidade de que você esteja com seus dados confidenciais à disposição de qualquer um. Ou já em mãos de quem você nem imagina existir, mas que tanto pode desinteressar-se de usar os seus dados, como pode dar-lhes as mais diferentes utilidades. E nisso não estão apenas os seus dados entregues ao mal denominado sigilo da Receita Federal.

Os fatos já conhecidos são alarmantes, na transformação da “confidencialidade oficial” em instrumento de crime lucrativo, fácil e sem limites. Por uma quadrilha enorme, com ramificações já antigas em diversos setores da administração pública, ou por várias quadrilhas com ação paralela -não se sabe, e talvez não se venha a saber.

Por isso, o caso dos sigilos de quatro pessoas ligadas a José Serra é muito mais complexo do que as acusações feitas pelo próprio Serra e pelo PSDB. Além disso, deixa distante da realidade a posição manifestada a respeito pela Receita Federal, mesmo admitindo finalidade comercial na quebra dos sigilos. O problema é muito maior.

Os quatro nomes figuram entre duas centenas de sigilos cuja quebra está revelada com as identidades das vítimas. Duas primeiras indicações graves: as quebras não se limitam aos quatro com ligações políticas, estendendo-se por centenas e incluindo grande empresário, e a precisa escolha dos quatro.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, posto por Serra na presidência do BNDES e depois, já como ministro das Comunicações no mesmo governo Fernando Henrique, descoberto pela repórter Elvira Lobato em viagem sigilosa à Espanha para encontro com dirigentes da Telefónica espanhola, tida como beneficiária das artimanhas na privatização das telecomunicações. Ricardo Sérgio de Oliveira, à época diretor do Banco do Brasil, tesoureiro de campanhas de Fernando Henrique e Serra, foi parte destacada na manobra que impediu a Votorantim de adquirir a Vale do Rio Doce e dirigiu-a para Benjamin Steinbruch e outros.

Eduardo Jorge Caldas Pereira, secretário da Presidência no mesmo governo, é ligado a Joaquim Roriz, licenciou-se do Planalto para ajudá-lo em sua última eleição para governador do Distrito Federal, e foi o intermediário da participação de Fernando Henrique naquela campanha do hoje declarado “ficha suja”. Gregório Marin Preciado, contraparente de Serra, esteve presente no noticiário quando revelada a sociedade de ambos em um imóvel.

A quebra não incluiu pessoas como José Gregori, Arnaldo Madeira ou algum dos outros peessedebistas atingidos por suspeitas e inquéritos. A escolha foi precisa. Com ou sem venda, seu fim político é a hipótese mais lógica. A escolha e a quebra, porém, tinham possibilidade dupla de destinação. Para o PT, como resposta a citações do mensalão e dos “aloprados”. Para a campanha de Serra e o PSDB, a utilidade de atribuir ao PT mais uma “trapalhada criminosa”, agora sob a responsabilidade da suposta beneficiada Dilma.

Nada recomenda que uma das duas linhas possíveis seja abandonada antes de investigação séria e correta. E para lá de improvável.

A conclusão da Receita no sentido de venda do sigilo é certa. A negação de fins políticos, não.

Tudo isso é muito grave, sem dúvida. Mas eis o que se pôde ler em um texto do “Globo” de quarta-feira passada: (…) “adquiriu por R$ 95 outro CD com informações de mais de seis milhões de contribuintes da Receita Federal”, de “São Paulo, Rio, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Minas e Espírito Santo.”

“Adquiriu” e “outro CD” porque o repórter Lino Rodrigues já comprara dois, por R$ 200, “com dados completos de aposentados da Previdência Social (…) e do Denatran contendo informações de milhares de proprietários de veículos em todo o país”. Além dos setores mencionados, há referência ao Serpro, o serviço de processamento de dados oficiais, e à oferta de outros CDs, entre eles o dos correntistas de um dos maiores bancos. A segunda compra foi feita para comprovar que, depois da primeira publicação, “o comércio de dados pessoais sigilosos continua livremente no Centro de São Paulo”. A zona franca da quebra de sigilo é a rua Santa Efigênia. Com as adjacências. Negócio ali ativo, segundo a indicação biográfica de um dos expoentes do ramo, há mais de dez anos.

O caso dos quatro presta-se muito bem à exploração eleitoral. Mas o caso verdadeiro é de milhões, que nem se supõem quantos milhões são. Como não se sabe a que está sujeita cada pessoa que integra esses incontáveis milhões de devassados pelo tráfico de sigilos. 

Luis Nassif

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