Estaríamos caminhando para uma teocracia?; por Rogério Cezar de Cerqueira Leite

Da Folha

Intolerância e monoteísmo
 
ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE

Tudo começou com a Primavera Árabe, conjunto de acontecimentos aparentemente não conexos, que se apresentaram como libertários e dispostos a interromper as ditaduras de muitos dos países árabes que, não obstante, se diferenciavam pelas suas propostas laicizantes.

De fato havia muitas das nações ditas islâmicas começado a se descaracterizar como teocracias, amenizando a “sharia”, ou seja, o governo pelas leis islâmicas.

A derrota dessas ditaduras abriu brechas para insurgências de natureza retrógrada, a “sharia” e seu postulado, a “jihad”, a guerra santa, estimuladas pela agressividade expansionista de Israel e pela presença inoportuna de tropas do Exército norte-americano.

Ficamos perplexos com as recentes atrocidades perpetradas pelos movimentos jihadistas. Esquecemos que tragédias equivalentes ou piores já haviam ocorrido no passado no Ocidente, como após o debacle moral do Santo Império Romano e do papado em meados do século 16 e a consequente difusão do calvinismo, em síntese muito parecido então com a “sharia” de hoje.

Ao fim da última etapa das guerras religiosas, ou seja, durante a Guerra dos Trinta Anos, um terço das populações que hoje compõe a Alemanha havia sido exterminado. A barbárie e a desfaçatez de então não eram menos violentas que as do Estado Islâmico. A diferença é que não havia televisão à época.

A luta entre teocracia e laicismo é perene e todo recrudescimento de ortodoxias religiosas se alimenta de razões de ordem econômica, ou pelo menos de necessidade de sobrevivência, senão de supremacia. Eis porque as religiões precisam convencer seus adeptos de que são eles “os escolhidos”, o que proporciona legitimidade às suas conquistas.

Uma observação interessante é que todo movimento religioso de reação contra o laicismo se caracteriza pelo retorno às suas escrituras, ao livro, e um forte recrudescimento do monoteísmo absoluto.

A intolerância se estende ao seu próprio panteão. Toda religião evolui pelo abrandamento da onipotência de seu Deus original, pela criação de novos figurantes.

Do monoteísmo hebreu surgiram os profetas, inclusive do cristianismo, do qual, além de Cristo, eclodem anjos e santos aos borbotões. Basta lembrar que há nossas senhoras para todos os gostos. O mesmo ocorre com o budismo, com suas centenas, senão milhares de budas e bodhisattvas. Os lohans do taoismo, os sábios do confucionismo. Até o islamismo tem seu profeta.

A rejeição de acólitos do Deus supremo também ocorreu nas mais recentes denominações dissidentes do catolicismo, as ditas neopentecostais, que também disputam poder político, exatamente como as nações de religiões monoteístas.

A diferença é que a guerra santa dos neopentecostais se faz com outras armas, mais modernas, mais práticas e talvez mais eficientes. Meios de comunicação, como rádios e TVs, e meios políticos, como o Congresso, as Câmaras Municipais e as Assembleias Legislativas, foram ou estão sendo invadidos.

Seria o começo da derrota do secularismo, que no passado sempre prevaleceu no Brasil? Seria a vitória da intolerância? Estaríamos caminhando sorrateiramente para uma teocracia?

 

Redação

15 Comentários

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  1. Ah, esses deuses sem imperfeições !

    Ficaria com deuses- homens à imagem e semelhança de seus homens repletos de erros, falhas, imperfeições e mudanças.

    Talvez os “semideuses”, os de carne e osso necessitem eleger seus representantes cada vez mais e melhor, porque erra-se, corrige-se, melhora-se.

    Chega de perfeições mono alguma coisa.

  2. Sou obrigado a concordar

    Estamos, sim, caminhando para a implantação de uma teocracia em nosso pais e todos sabem o motivo. Ei-lo: os Srs. Deputados, não pertencentes à bancada da bíblia, não possuem coragem suficiente para fazer uma lei que impeça os representantes de religiões (todas e qualquer uma) de se candidatarem a cargos eletivos. 

    1. Discordo, eles conseguriam

      Discordo, eles conseguriam eleger alguem simpleesmente paganddo sua campanha e ordenando aos seguidores que votem no beltrano ou no sicrano, é no eleitor  que reside o problema, sem educação boa, incapaz de um raciocinio mais elaborado, de sequer refletir sobre a realidade em que vive sem a óptica da religião, ele – o eleitor- é o problema.

       

  3. Teocracia

    Só os patetas não percebem o avanço dos fundamentalistas pentecostais, incluindo-se neste grupo os carismáticos católicos. Desde os tempos em que a igreja Universal tinha entre seus representantes no parlamento  um tal de bispo Rodrigues, cassado e condenado no mensalão, era visível o desejo das igrejas evangélicas de alcançar o poder. Lembro-me, perfeitamente, de ter ouvido do bispo Rodrigues, em entrevista,  que a meta da Universal era também o poder político. Hoje já vemos a celebração de cultos religiosos nas câmaras municipais, assembléias legislativas, congresso nacional e por aí vai. É o calvinismo redivivo. Quem viver verá.

  4. mas… se há gérmen numa sociedade super religiosa ???

    o terreno é fértil, desde a citação de um deus no preâmbulo da nossa constituição, até crucifixos em repartições públicas, tribunais, e rezas em escolas pública (talvez não todas, as e os professores em escolas públicas podem melhor falar disso que eu, apenas assisti uma vez quando fui fotografar atividades de uma professora que tava escrevendo um livro sobre a história de um certo município no agreste de pernambuco). Mesmo em escolas particulares e religiosas a pressão social, a pressão de estar fora do grupo, inibe (só quem sente na pele sabe o que é isso) e é uma força invisível que faz as pessoas levantarem, orarem, etc.

    1. num colégio jesuíta e a liberdade religiosa

      onde estudei havia professores laicos que… iniciavam rezando, e, se bem me lembro, nem nosso professor de religião (o padre-diretor) não fazia a turma rezar . Eu fui o melhor aluno em religião. (Corre a piada que a maneira rápida de tornar-se ateu ´estudar num colégio jesuíta). Numa outra vez, em local de trbalho, em empresa-mista, de muito boa fé, um então colega pôs um crucifixo numa sala. Ninguém protestou. Só eu, usei alguns argumentos, afinal ele retirou depois de dias. Claro que passei por herege, ou intolerante, quando apenas estava defendendo a liberdade religiosa (que e também a liberdade de não-religião, de não-divindade alguma).A propria presença de crentes (em algum deus, ou “energia”) é percebida por esse Posts do Dia.

      1. tempos depois, cheguei a ter vergonha de mim mesmo indo…)

        indo a missas: eu só podia estar enganado, não crer n”Ele, nem em religiões quaisquer. Fui a missas, comunguei, mas não me envergonho, faz parte da vida (imagino que também na de muitas outras pessoas que se reprimem ou “estão no armário” como se diz a outra minoria discriminada. Ainda acho que a minoria mais discriminada, sobre a qual se pensam e julgam mil coisas negativas, são os ateus e atéias. Só quem sente na pele, e quem tem um pouquinho de sensibilidade acima da mediania, pode falar sobre isso. O que não impede de valorizarmos personalidades religiosas (Dom Héldaer Câmara, o atual papa, Igrejas desde que tenham a mão artística do homem, música sacra, etc.)

        1. nada a ver com precipitadas também preconceituosas visões de

          de que não haja, e haja muito crente num deus, ou deuses, de bom caráter, coerentes na prática (a prática, pra mim, é o que vale). De crentes autoritários já tô por aqui, cheio, vejo isso no meu pequeno prédio, reuniões onde se gritam (católicos) canções e rezas., desrepitando, ou tentando influir, ou se mostrando (se amostrando, se exibindo tão superiores). Ai de mim se eu reclamar, serei visto como … (minha ex veterinária e sua filha já moça de uns 25 anos, não acreditam que seu seja descrente, porque me acham uma pessoa boa, muito boa até (tem gosto pra tudo…). Noutras palavras, elas (como muita gente) julga que um ateu não pode ser boa pessoa, não ter bom caráter, etc etc.

          1. Mas lembro que as religiões, a católica predominante, p ex,

            Concordo, em parte,  com o participante que usou o termo “pateta”. Mas lembro que as religiões, a católica predominante, p ex, é riquíssima, e sabe lá deus como chegou a isso… tem um Estado, e foi (veja-se a História das Cruzadas, as catequeses dos índios no Brasil, etc) e é criminosa (ao rechaçar aborto, veja-se outro lado da Madre Teresa de Calcutá, quem procurar, acha documentarios). Mas que é ruim, é, ficar á margem da sociedade, é ruim. Ainda bem que morei em Porto Alegre, a capital com mais traços de civilidade (hors-concours, a meu ver), de tolerâncias diversas, de respeito a individualidades. (É pena que ainda na capital haja vestigios de racismo).

          2. Religiões podem ter papel progressista

            Já postei – e dpois citei noutro dia – aula do convidado intelectual marxista Michel Lövy, uma série de aulas no Youtube também, que esclarece uma ou duas frases de Marx sobre a religião e o ópio do povo. Ele diz que é um equívoco dos leitores, da vulgata marxista (leitura superficial). Pois Marx tinha mais o que fazer. Se deteve, sim, num determinado período da religião, parece que protestante (como Weber ), período da religião que foi reacionária  (não entro no mérito, quem sou eu). Posteriormente, outro participante citou a mesma coisa (a aula, mas com todo o programa da série – que se encontra listado sob o primeiro vídeo que postei, a quem se interessasse – e não por ouvir dizer… )

          3. comentários oscilam entre 1 e 5 estrelinhas 🙂

             🙂

            hora vi que tava com 5 estrelinhas, outra hora 1 estrelinha ( é o blog, é o público, invisíveis visitantes, ou participantes e/ou cadastrados: deduzo que o número de 1 estrelinha foi mais clickado até este instante – isto é um registro, uma estatística a que me arvoro, num momento, este que tá gravado ao final destas mal traçadas linhas: não entro no mérito de quem botou ou não botou clickes – e é por isso que disse ao Conde de Rochester – post do Aldo – pra não ligar pra essas coisas ). 

            🙂

  5. Não acho que seria bem uma teocracia, mas

    mais uma plutocracia que usa religião como uma desculpa para intimidações, perseguições e exclusões. A bancada da bíblia parece adorar mais o dinheiro e poder do que deus e seus mandamentos.

  6. Teocracia x secularismo

    A única nação dita teocrática foi Israel no século IX AC, e por pouco tempo. As monarquias prevaleceram e ainda resistem como uma espécie de deificação da família real, ou por pura tradição. Os parlamentos do mundo inteiro, quando exercem o seu papel com liberdade, impedem qualquer tentativa dessas. Por isso julgo esse debatge irrelevante para o momento que vivemos, e para a democracia que já estabelecemos.

  7. Teocracia x secularismo

    A única nação dita teocrática foi Israel no século IX AC, e por pouco tempo. As monarquias prevaleceram e ainda resistem como uma espécie de deificação da família real, ou por pura tradição. Os parlamentos do mundo inteiro, quando exercem o seu papel com liberdade, impedem qualquer tentativa dessas. Por isso julgo esse debatge irrelevante para o momento que vivemos, e para a democracia que já estabelecemos.

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