Ex-líder da Arena fala dos bastidores do período militar

Jornal GGN – “Escute, esse é um país que costuma esquecer, de má memória! O Ulisses Guimarães estava na Marcha da Família. Ele foi o homem que redigiu um ato institucional que dava quinze anos de cassação. Você sabe disso?”, questionou Claudio Lembo, ex-governador de São Paulo e ex-presidente da Arena, partido criado em 1964, de apoio ao regime militar. Lembo participou do programa Brasilianas.org, especial 50 anos do golpe militar, apresentado na última segunda-feira (24), na TV Brasil. 
 
Durante o debate com o jornalista Luis Nassif, o entrevistado, que é advogado há 54 anos, respeitado nos círculos intelectuais, defendeu a mesma proposta do historiador Daniel Aarão Reis Filho, ou seja, de que o termo ‘regime militar’ no Brasil deveria ser alterado para ‘regime civil-militar’. “O [general Emilio Garrastazu] Médici foi três vezes aplaudido no Maracanã por três mil pessoas. E hoje tem quem vai a um estádio de futebol e é vaiado”, cutucou. 
 
Lembo reconhece que, em relação aos direitos humanos, “é impossível defender o que aconteceu”, de 1964 a 1985, quando se trata da perseguição de pessoas contrárias ao governo militar, mas convida o telespectador a observar os ganhos econômicos e desenvolvimentistas do regime ditatorial, com a criação de instituições de ensino e grandes obras que ajudaram a ligar o país. Sobre a concepção da Universidade de Campinas (Unicamp), o advogado lembrou ter escutado de modo irônico do então chefe da Casa Civil da Presidência da República na ditadura militar, general Golbery de Couto e Silva, que a instituição de ensino fora criada para “guardar os comunistas”. 
 
Acompanhe, a seguir, a transcrição e o vídeo da entrevista completos: 
 
Nassif – Em 1964 o senhor não participou absolutamente de nada, mas qual era a sua visão como cidadão? Como aquela guerra ideológica e aquele clima chegaram em São Paulo? 
 
Claudio Lembo – Eu era um jovem advogado em São Paulo, e o clima era muito pesado. Havia greve dos bancários, especialmente no centro histórico, onde eu trabalhava. Naquela época ainda tínhamos um agravante emocional que era a Guerra Fria. Havia um conflito efetivo entre a democracia e o real comunismo, o real socialismo da União Soviética e Cuba que assustava facilmente todos em São Paulo e no Brasil. 
 
A presença do Fidel Castro, em Cuba, e depois do Che Guevara, ingenuamente, na Bolívia, e, acima de tudo, um presidente fraco, faziam com que todos imaginássemos que o comunismo estava próximo do Brasil naqueles dias. Jango confundiu-se excessivamente no jogo da administração política. [Ele] confundiu a hierarquia militar, que é uma coisa muito sensível. E, aí, ele se perdeu e caiu. Porém, creio eu que 1964 era previsível. Todas as pessoas que estavam acompanhando os jornais podiam perceber que algo estava sendo preparado. 
 
É preciso que se diga que toda a imprensa do Brasil, com exceção da Última Hora [jornal carioca], era golpista. Não havia jornal democrático na época. Hoje se fala muito [que] todos os grandes jornais brasileiros no momento se diziam democráticos, mas naquele tempo todos eram golpistas aqui em São Paulo [e] no Rio de Janeiro, inclusive os que depois ficaram contra o golpe eram golpistas. A TV era embrionária, mas também era golpista. Portanto, era um clima psicossocial, como dizia a Escola Superior de Guerra, extremamente difícil. E, um dos pontos que nós devemos registrar, o seu programa [Brasilianas.org] tem o nome da Ditadura Militar no Brasil, não é isso? Eu acho que a Ditadura no Brasil não foi militar. A ditadura nasceu dos civis. O [Heráclito Fontoura] Sobral Pinto [jurista brasileiro] tinha uma frase genial: “Os civis servis”, que foram servis aos militares. 
 
Quem fez a ditadura, ou quem fez o movimento, foi [José de] Magalhães Pinto [governador mineiro], Ademar [Pereira] de Barros [governado paulista], em São Paulo, que teve o diálogo famoso com o [general Amaury] Kruel, Carlos Lacerda, no Rio de Janeiro e outros menores. Mas esses foram os grandes incentivadores do golpe político que aconteceu. Os militares vieram como instrumento, no começo. E aqui uma reflexão: eu vejo no primeiro momento da revolução, ou golpe, de 1964, uma total entrega aos Estados Unidos, com Castelo Branco, que foi um governo pavoroso. Ele alterou totalmente a história do Brasil e fez um governo pró-Estados Unidos. Talvez na época fosse necessário em função de problemas econômicos etc. Mas, foi um governo que não teve visão nacionalista. Porém os militares sempre tiveram uma visão nacionalista – é sempre bom que se tenha isso em mente -, e os militares, com esse núcleo nacionalista forte, nascem na revolução de 1930, quando tem uma revolução nacionalista de defesa dos interesses nacionais. 
 
[No segundo momento da ditadura civil-militar], eu vejo, com Costa e Silva e seguintes, a volta dos tenentes de 1930. Posso estar errado. E é o Positivismo [movimento filosófico-político que defende que o progresso vem com a organização e a ordem], porque o militar é positivista. Eles [militares] talvez hoje não estejam preocupados ou nem se lembrem mais de Augusto Comte [fundador do Positivismo], mas a alma, o espírito do militar, particularmente do Exército, é positivista e de revoltados de 1930, que tinham uma visão pró-Brasil. Por exemplo, vejo um que eu convivi e tenho uma imagem muito positiva que é o presidente Ernesto Geisel. Sei que há muitas críticas com relação a sua visão econômica, mas eu o achava um homem profundamente firme nos seus propósitos e, acima de tudo, um homem que acreditava no Brasil e nas potencialidades brasileiras. Quando ele rompe o acordo militar Brasil-Estados Unidos ele quis dar uma demonstração da independência, da autonomia e soberania nacional. 
 
Nassif – Então quando falamos dos militares, essa visão de país eles tinham e tem? Mas quando…
 
Claudio Lembo – O militar é o último monge do Século XXI.
 
Nassif – Agora quando a gente vê essa posição da UDN (União Democrática Nacional) e essa mescla fantástica de Ademar [Pereira de Barros] e [Carlos] Lacerda, não tinha um projeto de país, certo?
 
Cláudio Lembo – A UDN era terrível. Eles não tinham projeto de país, eles tinham projetos egoístas. Eles queriam dar o golpe militar para afastar o João Goulart e o Juscelino [Kubitschek], para depois haver uma eleição para que eles fossem eleito, particularmente Carlos Lacerda. E aí não aconteceu, porque daí os militares tomaram gosto pelo poder.
 
Nassif – Recentemente foi divulgada uma pesquisa do IBOPE da época mostrando que mesmo em São Paulo o Jango [João Goulart] tinha uma ampla popularidade, o Juscelino mais ainda. Logo depois de 1964 o Juscelino veio aqui [em São Paulo] teve uma grande recepção calorosa na Catedral [da Sé], e depois na associação comercial. Mas, em muitos círculos, você tinha um anti-janguismo muito virulento. Quem eram esses círculos?
 
Claudio Lembo – É fácil lembrar isso. Quando eu fui governador tive uma frase que ficou registrada: ‘a minoria branca’. Estamos falando de um estado de minoria branca naquele momento, particularmente a classe média urbana em São Paulo era minoria branca. E a paulistana, da capital, mais ainda. Foram eles que fizeram a Marcha da Família [de 1964]. Eu não participei, porém posso dizer que naquele momento todos fizeram [presença na marcha].
 
Ainda há pouco um advogado, aqui de São Paulo, que era presidente, então, do Partido Libertador disse [que] o Raul Pilla [defensor do parlamentarismo falecido em 1973] telefonou e pediu a que organizasse a marcha da família”, isso está escrito em uma revista cultural, dessa semana. Portanto veja que coisa interessante como todos participaram, mas era aquela pequeno-burguesa paulistana da época, que hoje não existe mais.
 
Nassif – Quer dizer, a correlação de forças ficou clara naquele dia, 1º de abril, logo depois do golpe, que você não tinha equilíbrio de forças…
 
Cláudio Lembo – O Jango caiu sem esforço.
 
Nassif – Agora, aquele fantasma do comunismo, que estaria sendo preparado pelo governo, parece que os dois lados [direta e esquerda] acreditaram nisso, né?
 
Claudio Lembo – Eu creio que no lado do Jango acreditou-se na estrutura militar legalista. Mas esqueceu que houve os episódios dos famosos marinheiros do Rio de Janeiro [rebelião ocorrida em 25 de março de 1964]. Aquilo causou um estrago, interrompeu a disciplina militar que não se deve nunca fazer isso. 
 
Nassif – Quer dizer que a deterioração se deu nos últimos dias, a partir do Comício da Central [do Brasil, realizado no dia 13 de março de 1964, no Rio de Janeiro, pelo então presidente da República João Goulart]? 
 
Claudio Lembo – Foi cheio de discursos absolutamente vazios, e nisso erraram primeiro e, segundo, o rompimento da hierarquia militar. O que estava dizendo um pouco antes, que os militares são os últimos monges do século XXI, é que eles estão guardados nos seus conventos que são os quartéis, mas estão pensando no Brasil e estão vendo tudo o que acontece no Brasil. O psicossocial estão acompanhando, porque faz parte do hábito do sistema militar. Então é ingênuo pensar que eles estão calados.
 
Vou lhe dar uma frase. Eu tive muito diálogo com o general Golbery [do Couto e Silva], como presidente da Arena. Ele era muito interessado na política de São Paulo e tivemos momentos muitos difíceis. Ele era um homem extremamente inteligente, lúcido – o Glauber Rocha o descreve como ‘o espírito da raça’, acho que exagerou um pouco, porque ele era muito inteligente. Um dia estávamos conversando sobre o Brasil e sobre uma eventual abertura política. Nisso ele disse no palácio do planalto, no gabinete dele, “vou colocar isso no ar [na TV Record] o Jânio Quadros”. Eu disse “o senhor enlouqueceu, ministro?”. Ele respondeu que iria por o Jânio no ar…
 
Nassif – Quando ele disse isso?
 
Claudio Lembo – Em 1976 ou 78. Ele disse “vou colocar o Jânio Quadros no ar, o Brizola e o Lula”. Eu perguntei: “O senhor tem capacidade operacional de fazer isso?”, ele respondeu que iria fazer e que percisava dizendo “e precisa, e vamos fazer uma abertura política com desaferramento”. Daí eu paulista e civil não sabia o que era ‘desaferramento’, ao que ele respondeu que era tirar tropas sem perda, que foi o que os militares fizeram. Retiraram as tropas do interior dos quartéis, redemocratizaram o país com os movimentos sociais todos sem perda. Eu não vi um tiro ser disparado nem antes e nem depois. Foi genial. Os argentinos mataram todos, os chilenos se mataram, e o Brasil fez isso com o maior equilíbrio.
 
Nassif – O senhor serviu no governo [Estadual de São Paulo] Paulo Egydio, nesse período houve uma radicalização…
 
Claudio Lembo – Aí eu era secretário municipal do Olavo Setúbal que era prefeito de São Paulo e aí houve um momento extremamente difícil que foi a morte de Manoel Fiel Filho, que todos esquecem e era um quadro do partido comunista que foi morto aqui no DOI-CODI de São Paulo. 
 
Nassif – O general Ednardo [D’Ávilla Mello] que chefiava [o DOI-CODI de São Paulo]…
 
Claudio Lembo – Eu ia chegar nele. E daí [teve após a morte de Manoel Fiel Filho] a segunda morte, e nessa vocês [jornalistas] falam muito que é do [Vladmir] Herzog. E aí o Ednardo cai. Esse é um dos momentos mais graves que vivi, porque casualmente o presidente [Ernesto] Geisel veio a São Paulo e no Palácio dos Bandeirantes ele reuniu a cúpula da direção da Arena, e disse: “Agora não vai haver mais brincadeira. A segunda morte eu não aceito. O Ednardo cai!”. E exonerou Ednardo a partir de São Paulo. Foi uma coisa dramática. O general Ednardo era um quadro da FEB [Força Expedicionária Brasileira], era muito admirado no exército brasileira. O que o general Geisel fez foi um ato de coragem imensa. Tem dois atos de coragem do presidente Geisel, a queda do Ednardo, em função da sua figura de herói na FEB, e o segundo foi [a queda do general] Sílvio Frota [então chefe do Estado-Maior do Exército, exonerado por Geisel]. 
 
No caso Silvio Frota, casualmente, eu tinha sido convocado pelo ministro Golbery, para estar em Brasília em 12 de outubro [de 1977]. Chego no Planalto e vejo sacos de areia para todos os lados, uma coisa incrível! Nunca tinha visto aqueles vidros todos com sacos de areia. Eu entrei, não havia ninguém na porta, somente soldados com metralhadoras. Subi e, quando abro a porta do [gabinete do] ministro Golbery, escuto “O que você está fazendo aqui? E como você chegou aqui?”. Respondi que não sabia e que tinha entrado pela porta. Daí ele disse “caiu o ministro Silvio Frota. Nesse momento o Geisel está dando posse ao novo ministro do Exército”. 
 
Nassif – Eu queria pegar dois pontos aí, um é o próprio livro do [Elio] Gaspari onde ele mostra o papel do general Geisel usando a repressão, inclusive, para enfraquecer a direita. E um dos episódios que poucos sabem, por coincidência, meus pais foram morar em um prédio onde no segundo andar o Ednardo [D’Avilla Mello] tinha parentes lá e, quando houve a morte do Manoel Fiel Filho, foi chorar na cozinha dizendo que tinham armado para derrubá-lo. Essa questão da ditadura e da tortura não foi um jogo também do Geisel?
 
Claudio Lembo – Não, o Geisel não era um homem de jogo. Primeiro ele tinha comando, perto dele você sempre teria respeito, ele era um general alemão e luterano. Até hoje um amigo dizia “só o Geisel conseguiu implantar o divórcio no Brasil”. Ele não fez isso, não. O que houve, a partir de São Paulo, foi uma certa confusão de busca por um conflito com a linha dura. Acho que São Paulo errou. Faltou qualquer diálogo com o comando do exército. O Ednardo foi um infeliz, porque estava no lugar errado na hora errada. Creio que o grande problema foi o chefe do estado-maior em São Paulo, o general Marx. Esse sim deve ter perdido o comando da tropa. Mas o Ednardo era equilibrado, mas extremamente anti-comunista.
 
Nassif – Quer dizer, perderam o controle da tortura, da máquina?
 
Claudio Lembo – É, perderam o controle da máquina. Quando você tem uma máquina perigosa como era o DOI-CODI, perder o controle. Veja que todos os casos piores do DOI-CODI foram  [decorrência da] perda de controle.
 
Nassif – Mas nós tivemos esse período entre 1974 e 1978, onde ouve o recrudescimento dos desaparecimentos e mortes. Como o [general] Golbery [do Couto e Silva] encarava isso?
 
Claudio Lembo – Não saberia dizer com pormenores. Foi ele que imaginou a abertura. Outra vez, também estando casualmente com o general Golbery, o Darcy Ribeiro chega ao Brasil. Ele [o Golbery] está ao telefone bravo dando ordens: “não façam isso, mande uma ambulância!”. Então ele me fala: “você sabe o que está acontecendo?”, digo que não, então ele diz “o Darcy Ribeiro está chegando e têm idiotas que querem prendê-lo e levar para o quartel!”. Só para você saber que ele [o Golbery] tinha mandado [o Darcy] para o hospital, porque estava canceroso, doente. Então acho que tem muito episódio que os heróis não são tão heróis quanto parece. Houve um equilíbrio de bom senso, a famosa conciliação brasileira aconteceu quase espontaneamente. Tendo e um lado o Golbery, o Geisel que, como luterano, sabia que era preciso democracia, porque isso é próprio do pensamento calvinista e aí surge a abertura com as ruas, etc. Uma movimentação popular que teve legitimidade. 
 
Nassif – Então, o Paulo Egydio, nesse período, assume durante um certo tempo a bandeira da abertura e é pressionado…
 
Claudio Lembo – O Paulo Egydio perde em um certo momento toda a vontade, toda a emoção, de ser um homem político, que é o momento em que houve a convenção da Arena e ele queria que implantassem o Olavo Setubal como governador de São Paulo. Mas aí o Olavo não saíu e sai o Laudo Natel e [Paulo] Maluf, e o Maluf ganhou. Nesse momento Paulo Egydio ficou agastado com o Geisel e nunca mais conversaram. O Marco Maciel [político pernambucano ex-filiado da Arena] veio um dia para São Paulo e me pediu: “O Geisel está muito mal. Ele queria falar com o Paulo Egydio”. Já tinha deixado a presidência da república, já tinha a democratização plena, o governo Fernando Henrique. Então marquei um jantar com o Marco Maciel, o Luis Silva, eu e o Paulo Egydio, que não aceitou. E foi pena para o Brasil.
 
Nassif – Gostaria de explorar um pouco mais o [general] Golbery do Couto e Silva. Quando a gente pega o Geisel, ele tem uma trajetória dos tenentes, do petróleo, e o Golbery sempre nos bastidores, mas o grande estrategista… Qual que era a ascendência dele específica sobre o Geisel mas, principalmente, depois com relação ao [João] Figueiredo [último presidente do período militar]?
 
Claudio Lembo – Quanto ao Geisel eu diria que era uma veneração e muito respeito. Em seguida, o Figueiredo… É muito complexa essa situação. Eu fui apresentado ao presidente Figueiredo pelo Golbery, durante uma audiência que ele me convidou. Eles acreditavam no Figueiredo.
 
Nassif – Se vendeu uma imagem do Figueiredo tríplice, coroado, que não era…
 
Claudio Lembo – Golbery dizia que ele era inteligente, que foi o primeiro da turma etc. Confesso que quando falei com Figueiredo tive uma má impressão, achei ele muito rústico, muito simplório. Era época de natal, ele me mostra uma árvore e disse: “Isso é a Petrobras. Só tem penduricalho, eu vou acabar com isso!”. Achei um pouco cavalariano demais para um presidente da república. Mas nele acreditaram, e deu no que deu. Ele fez a abertura arrebento, com aquelas frases ingênuas, mas no fim terminou o processo que o Geisel tinha iniciado, portanto foi leal. Mas não teve sensibilidade. 
 
Nassif – E quanto ao [general Hugo] Abreu, qual foi o papel dele nisso? 
 
Claudio Lembo – Conheci pouco o Abreu, foi nas caravanas do presidente Geisel à São Paulo. Ele era o chefe da Casa Militar, falava muito com os políticos à volta dele e daí quis ser presidente da República. Ambos estão mortos, então não vão me processar. Um dia eu disse ao Golbery: “Ministro, o Abreu vai ser presidente da República”. Daí ele respondeu: “Desde quando paraquedista, cara louco que pulou lá de cima, vai ser presidente da república?”. O Golbery era muito gozador, no sentido da ironia.
 
Nassif – No caso do meio empresarial de São Paulo, em que momento se dá o divórcio com a ditadura militar, foi o excesso de estatização, aquela visão mais centralista do Geisel?
 
Claudio Lembo – Acho que nunca houve o divórcio. Vamos deixar de ser ingênuos. O sistema empresarial de São Paulo está sempre ligado ao governo, qualquer governo, pode se dar mal com o diabo, falar menos bem do ministro A ou B. 
 
Nassif – Até com o Getúlio…
 
Claudio Lembo – O Getúlio [Vargas] salvou São Paulo, ele é um herói de São Paulo, deveria ter estátua em toda a esquina. Porque você conhece o problema, em São Paulo tinham os bônus da tal revolução de 1932 e Getúlio salvou todos e a indústria de São Paulo. Getúlio é um homem notável. Os empresários estavam sempre com os militares, eles só passaram a falar em redemocratização, em eleição direta, quando o sistema abriu.
 
Nassif – Quando veio a crise econômica também…
 
Claudio Lembo – Acho que eles não estavam tão preocupados com a crise econômica. Hoje talvez mais, porque as centrais mundiais hoje são mais fortes do que naquela época. Eles tinham, naquela época, o Banco do Brasil e o BNDES, e a inflação era boa. Então quando a abertura avançou eles viram que a democracia era o novo caminho. Hoje é um país de democratas. Não vejo nenhum jornal que não seja democrata.
 
Nassif – O senhor acha que hoje a democracia ficou irreversível aqui?
 
Claudio Lembo – O seu adjetivo é muito forte. Então eu não gostaria de afirmar que seria irreversível. Mas acho que é um regime que veio para ficar, porque ele permite que todas as áreas de conflito possam ser resolvidas de forma transparente, e a democracia é produto de consumo. Então ela fica. 
 
Nassif – Agora quando começa, nos anos 70, a oposição…
 
Claudio Lembo – Um ponto aí é que todos os empresários foram, todos queriam ser ministros do Tancredo Neves. Você viveu isso. Não havia uma rede de supermercados que não tinha um candidato à ministro. A Febraban só trabalhava ministro, e assim ia. De repente isso secou, eles perceberam que a democracia é um jogo muito difícil, muito complexo, você precisa ter nervos de aço. Não tem hierarquia de comando na democracia, todos somos iguais. E daí o empresariado se retirou e ficou trabalhando nos bastidores, nos partidos e não diretamente.
 
Nassif – Com o bipartidarismo, com a Arena e o MDB, o que era ser de um partido político em um país político que não tinha praticamente uma base social, organizações sociais dando retaguarda?
 
Claudio Lembo – O conflito Arena x MDB era efetivo. Eu assumi a presidência da Arena na grande catástrofe de 1974, que ninguém queria a presidência do partido, porque aquilo era uma coisa dramática. E aí me procuraram e eu aceitei, e fui ungido. Mas o jogo político havia e era violento, porque haviam sublegendas. E também o MDB era um partido muito próximo do governo. Não vamos ter esses sonhos, não. 
 
Escute, esse país é um país que costuma esquecer de má memória! O Ulisses Guimarães estava na Marcha da Família, ele foi o homem que redigiu um ato institucional que dava quinze anos de cassação. Você sabia disso? Então leia a biografia do Daniel Krieger. Depois ele percebeu que a democracia era melhor que o autoritarismo. Mas, escuta, vamos parar com isso! Tudo aconteceu com uma amplitude imensa que hoje ninguém quer ver. E todos falam “ditadura militar”, eu acho que foi uma ditadura civil-miltar.
 
Nassif – Recentemente saiu um livro de grandes jornalistas e escritores que com o tempo até assumiram uma posição crítica em relação ao regime que em 1964 apoiaram o golpe. Quer dizer, independentemente dos fantasmas, houve um golpe, inclusive de tirar o Jango enquanto estava em território nacional… Aliás eu tinha um depoimento do [José Antonio de Affonseca] Rogê Ferreira [político cassado pelo AI-1] que era grandão dizendo que conseguiu dar uma cusparada que atravessou o Senado e pegou na cara do Auro [de Moura Andrade]… Mas, em 1964, ainda não tínhamos os valores democráticos…
 
Claudio Lembo – Era um país autoritário, e ainda é hoje. A gente tem uma carga autoritária imensa. 
 
Nassif – Essa consciência democrática-liberal na época ficava restrita aos advogados que defendiam presos políticos.
 
Claudio Lembo – Escuta, eu fui o primeiro liberal do país, heim! Eu tenho essa vaidade. Fui eu que comecei na Arena com a pregação liberal. Até recolhi todo o material e tenho livro publicado. Foi muito difícil, mas nunca recebi uma censura de nenhum militar. Faça-se justiça, nenhum deles jamais fez-me qualquer censura. Só fui mais objeto de um certo desgosto e desamor quando recebi o [Leonel] Brizola, casualmente, em Assunção, no Paraguai, com a minha mulher. Na época era presidente da Arena, encontrei um jornalista daqui de São Paulo que disse que o Brizola ia chegar e que eu não teria coragem em recebê-lo. Ao que respondi que tinha. Por que não? Fui com um carrinho até o aeroporto, em 1979. Lá no aeroporto estava o Pedro Simon, o Sereno [Chaise], o filho do Jango (João Vicente), e tinha mais alguém que não me lembro. Conversamos muito bem, era ditadura no Paraguai e os paraguais nos trataram muito bem. Às tantas, veio um oficial, não sei qual era a patente, com uma garrafa de uísque, que disse: “Vocês estão à vontade em território paraguaio, mas peço que não dêem entrevistas em nosso território”. Eu acabei dando para o jornal O Estado de São Paulo. E recebemos o Brizola que ficou muito impactado. Ficamos muito amigos, Brizola e eu. Até tenho uma tristeza porque eu liguei à ele, que me atendeu ao telefone e no dia seguinte morreu [21 de junho de 2004]. 
 
Nassif – Ele pessoalmente era um tipo fascinante…
 
Claudio Lembo – Ele era um tipop fascinante e um homem inteligente e patriota. Aí, em certa ocasião, alguns coronéis do comando do Sul-Sudeste foram indelicados, porque o Brizola era um odiado da tropa. Mas foi o único momento que eu tive um frisson, digamos.
 
Nassif – Dessa conversa com o Brizola, o que ele esperava do futuro?
 
Claudio Lembo – Estava muito preocupado, porque ele desceu do avião internacional em Assunção e lá tomou um avião pequeno. Eles tinham medo que [o avião] fosse abatido. Mas não aconteceu nada.
 
Nassif – E quando começou aqueles atentados as bancas de revistas, do Rio Centro…
 
Cláudio Lembo – Isso é o que seria hoje o PCC..
 
Nassif – De que maneira que o Golbery e o sistema via isso? Porque agora apareceram informações de que o próprio comandante do DOI-CODI foi informado horas antes do atentado e não tomou nenhuma decisão…
 
Claudio Lembo – É, eu li ontem no jornal. Agora nunca conversei sobre isso aprofundadamente.
 
Nassif – Agora, vamos ser claros, acho que suas posições em defesa da ditadura militar são absolutamente legítimas, mas a hierarquia militar aceitou um bando de assassinos em um certo momento…
 
Cláudio Lembo – Acho que aí tem um problema, quando uma máquina de terror é montada, ela passa a ter uma vida própria, independente dos comandos. Ainda porque os DOI-CODIS eram fora das estruturas militares, propriamente dita. Foram criados pelas Escolas das Américas dos Estados Unidos. Outro ponto é que quem começou com isso primeiro foram os civis, em São Paulo, com a OBAN [Operação Bandeirante], e não esqueça que lá estavam presentes empresários de São Paulo, fazendo tortura no governo [Roberto Costa de Abreu] Sodré.
 
Nassif – Sim, com a Copersucar [do empresário Jorge Wolney Atalla], [o empresário Henning Albert] Boilesen…
 
Claudio Lembo – Você diz os nomes. É mais corajoso que eu…
 
Nassif – Eu fui ameaçado pelo [Jorge Wolney] Atalla. E o [delegado] Fleury, como ele era?
 
Cláudio Lembo – Não o conheci, mas ele foi um homem dramático.
 
Nassif – Lembro quando o general Dilermando [Gomes] Monteiro veio substituir o Ednardo [no DOI-CODI de São Paulo]. Ali foi o primeiro sopro. Lembro de uma entrevista clássica com Marília Gabriela dizendo: “General, nós temos medo de você. Como fazer?”, e ele passava uma tranquilidade… Ali foi a virada efetivamente? 
 
Claudio Lembo – Sim, ele era um matogrossense muito tranquilo, mas foi ele que acabou com a cúpula do Partido Comunista, na Lapa. As coisas no Brasil são muito estranhas. Veja como eu falei com muita gentileza do presidente Geisel, pela imagem dele como um patriota. No entanto, como o próprio Élio Gáspari coloca, morreram mais no governo Geisel do que no governo Médice. E tem um professor do Rio de Janeiro que foi do Partido Comunista, que é o Daniel Aarão [Reis Filho], uma figura muito interessante, que mostra isso com muita clareza, – até para o desespero dos intelectuais que leem o estudo dele – , que o Médice foi três vezes aplaudido no Maracanã por 3 mil pessoas. E hoje tem quem vai a um estádio de futebol e é vaiado. Ele [Daniel Aarão] chama aquele período de ‘Ouro e de Chumbo’, e está certo, porque foi um período de ouro na economia e de chumbo na [política]. 
 
Nassif – É impressionante como que, a economia indo bem, é o que conta efetivamente…
 
Claudio Lembo – Porque o povo estando alimentado já está satisfeito. É o grande lema… 
 
Nassif – Quando começa o processo de transição para a democracia? Qual foi o papel do Tancredo [Neves, eleito presidente do Brasil em 1985, pelo voto indireto]?
 
Claudio Lembo – O Tancredo estrutura o PP [Partido Popular], teve o apoio muito grande do empresariado. Não deixava nada claro sobre o futuro, porque o Tancredo era um homem muito cuidadoso. Mas o PP tinha uma vantagem, particularmente nas greves do ABC o partido estava presente. Realmente eram situações incríveis de vibração, havia vibração autêntica popular. O Lula conseguiu isso com grande habilidade. Havia uma figura também muito interessante em Santo André na época, que foi o Dom Claudio José, que era muito interessante e simples, e não histriônico, ao contrário, ele ofereceu realmente a Igreja. O Brasil é um país muito complexo para ser analisado com facilidade e havia um general, que nem sei ao certo se era general, que foi comandante da tropa e também não queria atirar [em uma das greves no ABC]. Ninguém queria nada, queriam abertura, mas havia um calor popular muito grande. Houve também perseguição. Eu não esqueço, por exemplo, que o prefeito de São Bernardo era o Tito Costa, e o Alemão [sindicalista Enílson Simões de Moura], que está vivo, teve que ser jogado no carro, porque ia ser preso, [então era] para fugir com ele… Então haviam situações difíceis particularmente nesse momento da abertura.
 
Nassif – Por que o PP desaparece?
 
Claudio Lembo – Isso é uma história complexa. Você pode dizer que foi uma visão de abertura democrática para ter uma eleição de um presidente civil. Eu acho que foi mais a visão pragmática do Tancredo, que estava pensando mais nele, como todo o político, do que na estrutura partidária e na agremiação e nas ideias, e se incorporou ao PMDB para ser eleito.
 
Nassif – Ali quem ele arregimentou para o PP nessa época? O ACM [António Carlos Magalhães] vai para o PP? 
 
Claudio Lembo – Não, aqui em São Paulo foi o Olavo Setúbal que constrói o PP. Tem um fato muito interessante que você não me perguntou sobre o Geisel. Um dia ele reuniu todos os presidentes da Arena do Brasil no Palácio do Alvorada [Brasília], na casa dele. Nos levou todos à biblioteca do Palácio e ali, solenemente, disse que reuniu todos para dizer que iria revogar o AI-5. Os presidentes da Arena, particularmente dos estados aqui do Sudeste, foram muito contra. Portanto, eram os civis que queriam o autoritarismo, ele [Geisel] queria revogar e revogou. Só para vocês saberem o jogo, não era assim “ditadura militar”. Os civis estavam lá também querendo suas boquinhas.
 
Nassif – Mas quando você pega 1964, que tinha de um lado todo o esquema getulista e anti-getulista, o genro do Getúlio, o ex-governador Amaral Peixoto faz parte das manifestações contra o Jango também… A hipocrisia é um ingrediente intrínseco à política.
 
Cláudio Lembo – Sim, mas no Brasil é excessivo. Ninguém tem um ideal claro e preciso. Os 32 partidos brasileiros são [hoje] uma coisa constrangedora. 
 
Nassif – E os jornais? O senhor diz que na época houve esse sentido conspiratório. De que maneira se dava isso? Denuncias diárias, criação de um clima…?
 
Cláudio Lembo – Sim, os jornais criaram um clima, alguns até ofereceram os seus equipamentos. Portanto foi uma coisa muito complicada.
 
Nassif – Quando veio o golpe de 1964, ele vem também em nome da moralidade. Você falou dos títulos de São Paulo de 1932, mas tem também, talvez, um dos maiores escândalos da política no Brasil que eram os títulos do Ademar [de Barros, ex-governador de São Paulo] quanto interventor…
 
Claudio Lembo – Ah! Os famosos bônus do Ademar… 
 
Nassif – Que não tinham controle nenhum, metade foi desviado…
 
Claudio Lembo – Veja, aí você colocou um ponto interessante que é 1964 com todos os seus defeitos. Particularmente a parte dos direitos humanos é impossível defender o que aconteceu, que foi uma tragédia que nem é própria da índole brasileira. Mas criou-se o Banco Central, [antes] o doutor Ademar fazia o que queria com os mundos dele; na área do ensino criou-se o CNPq que é de 1964; criou-se a Unicamp (em 1972) – mais um ponto para o Golbery que dizia: “Lá era para guardar os comunistas”. E foi verdade, a inteligência brasileira se reuniu muito na Unicamp. A Unesp também foi criada naquele momento. Tudo isso é do regime militar.
 
Nassif – É, as grandes estatais do período que cumpriam sua função. Em termos de futuro, estamos vendo hoje uma polarização novamente de esquerda e direita. Eu particularmente achava que tinha acabado isso aí…
 
Claudio Lembo – Eu não vejo. Tenho até pena de ver os Estados Unidos em situações tão saia-justa, no caso da Criméia. Tão ingênua a posição dos Estados Unidos. A Criméia é Russa tradicionalmente e culturalmente, e agora os americanos falam em prender dez russos que não podem entrar em território norte-americano…
 
Nassif – Quando falam em venezuelação do Brasil, a cubanização, os dois velhinhos [Fidel e Raúl Castro] já morrendo e, aqui, trazendo os fantasmas…
 
Claudio Lembo – Dizem, os bons comentaristas – no Brasil eu não li isso – que Cuba será democratizada já, e o preço da democratização de Cuba é a entrega da Venezuela, segundo a imprensa latino-americana. E acho possível isso sim, porque o [Nocolás] Maduro [atual presidente da Venezuela] é muito frágil.
 
Nassif – Agora, se formos pensar em termos de Brasil hoje, depois da redemocratização tivemos uma bandeira que o Collor levantou, outra bandeira da estabilização monetária que o Fernando Henrique levantou, uma bandeira de inclusão social que o Lula levantou. E daqui por diante? Não tem projeto de país, né?
 
Claudio Lembo – Complicado. Eu acho que está faltando, agora sim, estudos como tinham no passado, com grandes consultorias. A Escola Superior de Guerra tinha estudos que foram positivos para o país lá atrás. O Peru teve uma Escola Superior de Guerra também. A Argentina não teve, e esse foi seu mal. E o Brasil teve coisas positivas que hoje não tem. 
 
Nassif – Com o Getúlio tinham as metas, hoje parece que temos um vácuo…
 
Claudio Lembo – Estou preocupado, temos um vácuo e a Universidade não está muito preocupada com o jogo político e sim mais preocupada com o jogo burocrático dela. 
 
Nassif – Quer dizer, em termos de pensamento estratégico, nem a Escola Superior de Guerra teria [hoje]?
 
Claudio Lembo – Eu não creio que os militares tenham parado de estudar, porque eles têm tempo. Como os bons monjes eles ficam estudando. Estamos vivendo a idade média e daqui à pouco vem a Renascença.
 
Nassif – O que aconteceu na política de São Paulo? Durante um tempo parecia que tínhamos a sociedade civil mais dinâmica do país, hoje você vê estratificação em todos os cantos, nos partidos políticos, nas entidades empresariais. O que acontece com São Paulo?
 
Claudio Lembo – Duas coisas, talvez, a [primeira é a] riqueza excessiva [que] torna a pessoa burguesa, e o paulista tradicional, economicamente tradicional, se aburguesou demais. Eles [paulistanos] não têm mais ideias. Está frágil [a sociedade paulista]. É sociedade do consumo, pura e simplesmente, e isso me deixa muito preocupado. A juventude está muito desinteressada.
 
Nassif – Mas a gente teve as manifestações em junho passado que mostram uma insatisfação, exigindo novos pensadores…
 
Claudio Lembo – Classe média! Junho foi muito interessante porque preocupou muitas pessoas e eu confesso que nunca me preocupei como junho. Foi a classe média na rua, não foi o povo. Quando o povo saiu para a rua, a classe média ficou assustada e agora quer lei anti-terrorismo, etc. Aquilo foi brincadeira de classe média na Paulista andando com as namoradas, com as criancinhas. Muito bonito e simpático. Foi uma marcha da família, aquilo. Falta uma ideia a força. Falta um conflito entre direta e esquerda. Não tem nada. 
 
Nassif – Mas um dos grandes benefícios que a democracia traz, embora lentamente, são esses processos de inclusão social. Essa resistência atávica aqui da chamada burguesia como você coloca, à qualquer forma de política inclusiva, o preconceito em relação aos que estão vindo de baixo, o que explica esse, digamos, conservadorismo entranhado aí em uma certa elite brasileira?
 
Claudio Lembo – A Casa Grande. Você é descendente de imigrantes como eu. O italianinho, quando chegou em São Paulo, sofreu muito. As grandes greves foram o italianinho que fez porque ele tinha que mostrar que estava vivo. E, agora, você teve toda uma migração interna que criou outro conflito entre a classe média e o povão. Normal.
 
Nassif – Assim como os imigrantes, lá atrás, vieram rejuvenescer o país, trouxeram essa insatisfação que ajudou, agora essa migração interna vai fazer esse papel?
 
Claudio Lembo – Sim, porque eles querem subir intelectualmente, economicamente e daí lutam. Porque a burguesia tradicional já não luta mais, está com tudo. 
 
Nassif – E os imigrantes dos anos 40 e 50? Já foram absorvidos pelo estado?
 
Claudio Lembo – Nós já somos pequenos burgueses. Esse é o ponto. Eu me considero pequeno burguês e fui neto de camponês simples, de pedreiro.
 
Nassif – Qual é a sua visão de país, passada essa fase?
 
Claudio Lembo – É positiva. O Brasil conquistou todo o oeste do Brasil, que era… estava estudando a Guerra do Paragai, por passar o tempo, e é uma história muito interessante e hoje muito mais clara. Não tinha comunicação do Rio de Janeiro com Cuiabá, tinha que ser pelo rio. Quando o [Francisco] Solano [López] fechou o rio, perdemos tudo, tanto que alguns coitados tiveram que andar terrivelmente. Hoje o Brasil está todo integrado, também [graças] à 1964, pelas grandes estradas e grandes estruturas que foram elaboradas. 
 
Nassif – Mas eles [governantes militares] mataram um ponto essencial que foi a estruturação social brasileira. Inclusive o fato de não ter eleição, se despreocupou com a questão da concentração de renda…
 
Claudio Lembo – Vamos com calma. Eleição houve, não é como o militar argentino que colocou duas tábuas na porta do congresso que ficou fechado dez anos. Aqui pode ter sido um minueto falso, mas a ideia de eleição sempre aconteceu…
 
Nassif – Sim, mas era uma eleição de coronéis. A acessibilidade social para você democratizar ensino, reduzir a disparidade de renda, fazer a reforma agrária, [coisa] que até o Castelo [Branco, primeiro presidente militar] chegou a apresentar, depois recuou…
 
Claudio Lembo – Será que era a reforma agrária que era prevista pelo Jango? Ela era ingênua, de tantos quilômetros ao longo das estradas. Isso era coisa de criança! Não é assim que se faz. Acho que a reforma agrária aconteceu e é capitalista. Hoje nos dois Mato Grossos [tem, e] é capitalista.
 
Nassif – Sim, mas você tem um espaço para a agricultura familiar que poderia ser melhor…
 
Claudio Lembo – Está no Rio Grande do Sul que está falindo.
 
Nassif – A alimentação no Brasil hoje é fundamentalmente de pequena propriedade…
 
Claudio Lembo – Não sei, quem pode responder isso é você. Em São Paulo acho que não, tem pequenas propriedades, mas são cem alqueires. 
 
A seguir, assista ao vídeo completo da entrevista.
 
Redação

22 Comentários

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  1. “… O sistema empresarial de

    “… O sistema empresarial de São Paulo está sempre ligado ao governo, qualquer governo”

    Sensacional e muito esclarecedora esta frase… O sistema empresarial do resto do país NUNCA está ligado ao governo, qualquer governo…

     

    Tem que criticar São Paulo de algum jeito, né?

  2. Acho lamentável que se

    Acho lamentável que se defenda a ditadura sob qualquer argumnento que seja.

    E o excelente Lembo o fez:

    “mas convida o telespectador a observar os ganhos econômicos e desenvolvimentistas do regime ditatorial, com a criação de instituições de ensino e grandes obras que ajudaram a ligar o país.”

    Lembo

    criticar uma ditadura apenas em relação …

    Lembo reconhece que, em relação aos direitos humanos, “é impossível defender o que aconteceu”

    é fechar os olhos para o absurdo que é a tomada de poder por qualquer via fora do voto popular.

    Lamentável.

  3. Parabéns ao Nassif pela

    Parabéns ao Nassif pela entrevista.

    Impressiona o bom senso, a lucidez, o senso histórico de Lembo.

    Tenho uma ou outra divergência, mas acho que a ditadura foi mais ou menos como ele descreveu.

    Um liberal reformista com as idéias no lugar  (diferentemente dos liberais com as idéias fora do lugar, tão bem retratados por Machado de Assis, Oliveira Viana e outros e que são maioria até hoje por aqui ). Lembo está a anos luz dos seus  congêneres paulistas e que tais.

     

  4. Achei a entrevista excelente

    representa bem uma parte muito importante do pensamento conservador brasileiro, que teve um peso enorme na nossa história. Agora este pensamento virou muito minoritário. Se bem que acho a “nova direita” muito boçal quando comparada ás ponderações do C. Lembo.

  5. Nassif, revisão:Onde se lê :

    Nassif, revisão:

    Onde se lê : O general Ednardo era um quadro da FEB [Forças Aéreas Brasileiras], era muito admirado no exército brasileira.

    leia-se O general Ednardo era um quadro da FEB [Força Expedicionária Brasileira – que combateu na Itália no final da II Guerra Mundial], era muito admirado no exército brasileiro.

  6. O general aplaudido…

    …”“O [general Emilio Garrastazu] Médici foi três vezes aplaudido no Maracanã por três mil pessoas.”

    Bueno, tres mil pessoas no Maracanâ nâo sâo nada… digamos 30, 40, 50, 60 mill… também continuam a não ser NADA… Mussolini reunia muito mais na Piazza Venecia em Roma… para não falar de daquele pintor austriaco…

    1. presidente médici

      acho que exsite um erro de numeros, Médici torcia pelo Flamengo, e só ia aos domingos ao Maracanã, e casualmente eu lá estava quando o Presidente Médici esteava presente, não foi por tres mil torcedores, em jogos de domingo normalmente havia mais de cincoenta mil torcedores, teve uma vez que teve mais de cem mil torcdedores, por isso acho que deva haver uma correção por parte do entrevistado.

  7. Não consigo não gostar do Lembo…

    …e das coisas que ele diz, da lucidez, da objetividade.

    É um cara que precisa ser lido, ouvido.

    Muito boa a entrevista.

    Fiquei com a mesma sensação de quando acaba o desfile do Salgueiro: quero mais!

  8. presidente médici no maracanã

    Em todas as vezes que vi o presidente médici no maracanã havia mais de cincoenta mil torcedores, pois médici só ia  aos domingos, e como ele era torcedor do Flamengo, normalmente era um dia de jogo importante, por isso acho que o entrevistado se enganou com os numeros, maracanã com jogo do flamengo aos domingos era espetaculo de casa cheia.

  9. Militares

    Onde estão mesmos quelesmilitares que madaram prender tortura, e tanta outras barbariades. Estão no mesmo lugar daqueles que torturam, Estão comendo mandico pela raiz. Cedo tarde eles tambem vão. E ai eu perguntou fazertudo pra que? um dia voce morre e vira comida minhoca e ninguemta nem ai…..Todos nos a favor ou contra, vamos tudo pro memso buraco,  E sou ma questão de tempo, por isso esquerdadireita centro pra cima pra baixao e tudo a mesma merda…… e tudo pó.

  10. Militares

    Onde estão mesmos quelesmilitares que madaram prender tortura, e tanta outras barbariades. Estão no mesmo lugar daqueles que torturam, Estão comendo mandico pela raiz. Cedo tarde eles tambem vão. E ai eu perguntou fazertudo pra que? um dia voce morre e vira comida minhoca e ninguemta nem ai…..Todos nos a favor ou contra, vamos tudo pro memso buraco,  E sou ma questão de tempo, por isso esquerdadireita centro pra cima pra baixao e tudo a mesma merda…… e tudo pó.

  11. Excelente entrevista. O que

    Excelente entrevista. O que me chama a atenção é a mensão, nesta história, do protagonismos de grandes nomes gaúchos, como Getulio Vargas, Jango, Brizola, Pedro Simon e o próprio João Figueiredo, quem concluiu a abertura política, e no fim o Lembo encerra firmar que o Rio Grande esta “falindo”.

    Como filho daquela terra  tenho que concordar. No que pese Simon ainda estar vivo, infelizmente não é sobra do que foi, novos líderes de lá não sai há decadas, o que fez o Estado sucubir, até na agricultura, o que lhe era intrínsico. Uma pena.

  12. Parecer sobre depoimento do Cel na Tv

    Na verdade os militares e civis colocaram uma pedra sobre a época do governo militar, inclusive ambos os lados tiveram baixas. Agora esse vagabundo traidor que vestiu uniforme verde oliva na época passada merece alguns anos trancafiado na cadeia, numa ilha deserta.

  13. Há pouco tempo eu disse, em

    Há pouco tempo eu disse, em comentário aqui, que o Médici foi um presidente com alta popularidade e fui contestado.

    Ditadura é algo péssimo e que não deveria voltar jamais, mas não se pode ir contra os fatos.

  14. Uma outra visão da história

    … Excelente entrevista. Em uma época de pensamento único, onde não se aceita versões a nao ser a “oficial” do governo, o Lembo dá uma nova conotação aos períodos da história do Brasil. Existe vida além daquela que prega os “comunistas”

  15. Memória é tudo…

    Parabéns Nassif!

    Uma das coisas que mais me incomoda atualmente é a falta seletiva de memória de muitos que deveriam cultivá-la. Já discuti bastante com professores, colegas (“à gauche et à droite”), etc. e muitos padecem deste mal que é a falta de memória e da má-vontade em colocar as coisas em perspectiva. O erro mais comum é o julgamento de fatos passados com conhecimento e informações do presente. E o que tem de “engenheiro de obra feita” por aí não é deste mundo.

  16. Lembo e o Golpe de 64: excelente entrevista

    Caro Nassif, parabéns pela entrevista com Cláudio Lembo. É incrível como um sujeito conservador como ele consegue ser tão lúcido. Sempre tivemos conservadores com espírito público e inteligentes. Isso é positivo. Lembo, no caso, é até bem melhor que alguns intelectuais de esquerda ou que lutaram contra o regime militar. Tenho pavor de ouvir Serra e FHC sobre o período, por exemplo. Estes falam deles mesmos, uma coisa autoreferenciada e pseudo-informada. Lembo explicita, assume lado e cobra caráter a quem hoje está desprovido de um. Só acho exagero seu, Nassif, chamar Golbery de “grande estrategista”. Só deu merda durante o regime. Osmilitares foram incapazes de por em prática seu projeto nacionalista-conservador e, depois, tudo terminou em estupidez. Como fizeram muita merda, Golbery truxe apenas o papel higiênico e ele mesmo não teve mais relevância alguma. O legado que tentaram nos impor foi o do esquecimento. isso não se faz com um país.

    Com o fim do regime, ficamos à mercê das oligarquias novamente, acrescida dos oportunistas. Alías, o regime militar produziu oprtunistas aos tudos, inclusive à esquerda. A maioria das pessoas contrárias ao regime não era de esquerda, mas falavam como se fossem (alguns ainda falam). Outros endireitaram de vez, o que não me surpreendeu. Chico Buarque já falou sobre isso. Lembo desmistifica o MDB (finalmente!). Todavia, sua visão positiva em relação ao regime militar é idealizada. Isto está contido na interpretação que faz do Golpe como militar-civil. Falta-lhe e a nós muitos esclarecimentos sobre o papel dos empresários. Digo, a classe de industriais que não estava nas fotos das solenidades militares e alegam que foram cooptadas ou coagidas pelo regime. Portanto, ele enfatiza qualidades que, na visão dele, o regime poderia ter ter mas que jamais teve.

    O contraste que faz ente Geisel e Castelo é interessante, mas Geisel foi tão ou mais inoperante que Jango, que ele critica. Ora, vamo combinar. Geisel nos deu Figueiredo. Precisa dizer mais?

    A crítica que faz ao tipo de manifestante que foi às ruas em junho (classe média!) foi de uma provocação atroz ao comparar com a “marcha da família com deus” de 1964. Discordo totalmente. As manifestações foram realmente de classe média, mas não só. E mesmo a classe média que foi à rua é mais arejada, fora os grupelhos extremistas. Não há comparação. Ninguém rezou na rua em junho de 2013, ao contrário. Não faltou blasfêmia. Embora ele tenha apontado o problema: não era popular. Não era popular no sentido clássico. Faltou mais análise poítica aí e inserir o contexto do Lulismo.

    Sua crítica à universidade hoje foi na direção correta, pois está mais burocrática e alienada ao produtivismo sem produzir ideias e muitos docentes e discentes demonstram desinteresse pelo jogo político. Sua lição mais clara está neste trecho: “Falta uma ideia a força. Falta um conflito entre direta e esquerda. Não tem nada.” E tem muita gente boa hoje com visão de que ter ideologia é ruim para o país.

    Apesar das minhas ressalvas, esta foi uma das melhores entrevistas que li sobre o Golpe de 64 e suas consequências sociais e políticas. Precisamos exorcizar muitos dos demônios do período. Parabéns.

  17. Rio Grande do Sul

    O RS tem crescido acima do PIB Brasileiro. Basta olhar para as cidades que mais crescem, em zonas de agricultura familiar, para cair esse argumento a favor da grande propriedade. Bagé ou Caxias do Sul? BentoGonçalves ou Alegrete? Quais são as mais pujantes?

  18. O Nassif fica tão em cima do

    O Nassif fica tão em cima do muro, mas tão em cima do muro, que em diversos momentos da entrevista até um ex-líder da ARENA demonstra sua ingenuidade em relação ao período de “redemocratização”… 

    Excelente a entrevista!

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