Feliz a nação cujo Deus é o Senhor: sobre a fé que move a política.

Na eleição presidencial do ano passado, sentimos a presença do discurso religioso no plano político brasileiro. Contrariando os apóstolos do secularismo triunfante, tese de pouco valor para a sociologia da religião nos dias de hoje, o voto por motivação religiosa deixou claro que a fé move montanhas como ajudou a mover para o segundo turno a decisão política. Refletir sobre determinadas correntes do pensamento religioso se tornou um exercício para aqueles que buscam entender os rumos de nosso país, sobretudo a ação política dos grupos de tendência mais conservadoreas conhecidos atualmente como neocons (abreviação de neoconservadores).

Nesse sentido, o presente texto é um breve comentário acerca da produção textual do blogueiro Júlio Severo ( http://juliosevero.blogspot.com/). Meu posicionamento parte da análise de uma série de textos do blogueiro que venho colhendo nos últimos meses. 

Severo é um jovem ativista cristão que até bem pouco tempo atrás era apenas mais um blogueiro na grande rede. Entre suas atividades enquanto ativista destaca-se a militância contra o aborto, a homossexualidade e a defesa dos valores tradicionais da família. Seu ativismo, ao tratar de questões polêmicas para o pensamento religioso, lhe permitiu destaque no meio “gospel”, apesar de alguns contra tempos com a justiça (http://noticias.gospelmais.com.br/ativista-cristao-julio-severo-foge-do-brasil-para-escapar-de-acusacoes-de-homofobia.html).

O repúdio à homossexualidade é o viés maior de seus textos. Enquanto religioso tradicional, Severo sustenta o antagonismo entre a prática homossexual e a comunhão com o sagrado. Autor da obra O movimento homossexual, Severo encara a agenda dos militantes favoráveis à isonomia de direitos entre homo e heterossexuais como estratégia política para a dissolução da sociedade como a conhecemos. O livro supra parece ser a produção mais “consistente” e influente de Severo.

Como disse antes, o bloqueiro entende que o movimento homossexual intenciona derrubar o grande pilar da sociedade cristã, a família; ou melhor, a família de orientação heterossexual. Nesse sentido, ele afirma que gradativamente os religiosos perdem sua liberdade de culto e crença por conta de ações afirmatórias dos movimentos homossexuais que impedem legalmente o juízo de valor depreciativo da causa gay  A exemplo de outros, como Silas Malafaia, maior combatente do PL 122/2006 na mídia evangélica, Severo entende que há uma grande movimentação no sentido do total tolhimento da liberdade religiosa cristã mundo a fora.

A cosmização da política é o pilar nevrálgico do pensamento de Severo. Trata-se da tentativa de restaurar a percepção de um mundo sublunar enquanto manifestação da trama celeste: a luta do bem contra o mal onde cada um deve escolher seu “partido”. Assim, a politica deixa de ser o palco de interesses humanos para ser o terreno maior do apocalipse vindouro. Por fim, qualquer postura que não se adeque à moral judaico-cristã é errônea e satância.

 A consciência política sustentada pelo tipo de discurso como o de Severo é pouco propensa à negociações . No extremo, o voto se torna um exercício vão, visto que o demônio ou os demônios possuem controle total da  política. Em seu texto intitulado Uma eleição dos diabos  (vide aqui), Severo manifesta sua opinião:

 

 Na perfeita eleição do inferno, as opções são as seguintes: você pode votar no diabo número 1, 2, 3, 4, 5 ou mais.

Seja em quem você votar, o diabo ganha. Pode ser o diabo menos vermelho, ou o mais vermelho. Pode ser o diabo menos chifrudo, ou o mais chifrudo. No final, o diabo ganha.

Como foi que chegamos ao ponto onde, nas eleições presidenciais, só há chifrudos e vermelhos para votar? Como foi que chegamos ao ponto em que temos, há décadas, de escolher o “menos chifrudo” e o “menos vermelho”?

Contudo, mesmo com essas escolhas, as eleições seguintes trazem mais chifrudos e vermelhos. Toda eleição agora é marcada pela predominância deles.

Quando os eleitores chegarem ao ponto de dizer “Chega de chifrudos e vermelhos!” aí começará a transformação que tirará as chances de todos os diabos, desde os “menos piores” até os chifrudões e vermelhões.

  


Como é possível notar, a linguagem que compõe o texto é visivelmente obsidional (aqueles que se veem ameaçados o tempo todo). O demônio está em toda parte e cabe ao eleitor estirpá-lo.  Mas vejam, a democracia como um todo é conduzida pelo inimigo de Deus. Diante do fragmento acima me pergunto o que Severo quis dizer com “ Quando os eleitores chegarem ao ponto de dizer ‘Chega de chifrudos e vermelhos’”. A mentalidade obsidional em terreno político evoca sempre a necessidade de uma reação contra aqueles que representam ameaça. No caso de Severo, o inimigo parece ter tomado conta de todo senão quase todo terreno político não restando muita esperança de escolha para o verdadeiro fiel, pelo menos não em um sistema plural e democrático. Novamente me pergunto, qual a “reação” esperada por Severo?

Redação

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