Golpe via Mobilização Nacional? Lei para tempos de guerra pode se estender à pandemia e refletir mudanças de Bolsonaro

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
[email protected]

Nas mãos erradas, poderes concedidos pela lei de mobilização nacional atrapalharia governadores e prefeitos na gestão da pandemia. Deputados falam em golpe

Jair Bolsonaro, durante cerimônia comemorativa do Dia do Exército, com a Imposição da Ordem do Mérito Militar e da Medalha do Exército Brasileiro – Fotos Públicas

Jornal GGN – Na segunda-feira, 29 de março de 2021, dia em que Jair Bolsonaro pediu a cabeça do ministro da Defesa e dos três comandantes das Forças Armadas, a Câmara dos Deputados recebeu um “pedido de urgência”, já aprovado pelo colégio de líderes, para acelerar a tramitação do projeto de lei 1074/2021, assinado pelo deputado de situação Vitor Hugo (PSL-GO). O PL que será debatido no plenário a qualquer momento visa a incluir pandemias e catástrofes naturais ou provocadas por humanos na lista de motivos para a Presidência da República decretar o estado de Mobilização Nacional.

Sancionada durante o governo Lula, a lei de Mobilização Nacional (11.631/2007) é um instrumento de gestão de crises que concentra grandes poderes na figura do presidente da República. Em situações extremas, Bolsonaro poderia orientar a industrial nacional e a comercialização e distribuição dos itens produzidos; requisitar bens e serviços, convocar civis e militares de qualquer parte da federação.

Em termos de restrição às liberdades individuais e direitos coletivos, a mobilização nacional é um estágio anterior ao estado de defesa ou estado de sítio. Não há previsão legal para medidas de exceção como interceptação de meios de comunicação, prisões arbitrárias, censura, suspensão de reuniões, entre outras. Mas em qualquer uma das três hipóteses previstas pela Constituição brasileira, há necessidade de autorização do Congresso Nacional por maioria absoluta (metade dos votos mais um).

A lei de 2007 prevê a criação de um Sistema Nacional de Mobilização Nacional (SINAMOB). Para sua execução, membros de diversos órgãos do governo formariam um comitê cuja principal função seria a de aconselhar o presidente na resposta à crise. Neste comitê, segundo a lei que está em vigor, o Ministério da Defesa – justamente onde Bolsonaro decidiu alojar Walter Braga Netto, um general mais alinhado aos interesses de governo – exerce um papel “central”.

Na quadra atual, a mobilização nacional, em tese, funcionaria de modo semelhante ao Defense Production Act, o protocolo que o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, usa para garantir, por exemplo, que os laboratórios que produzem vacinas contra Covid-19 tenham acesso prioritário aos bens produzidos pela cadeia farmacêutica americana (que é a maior do mundo), mesmo que isso implique numa crise global de exportação de insumos.

Nas mãos erradas, a mobilização nacional poderia ser usada para obstruir os esforços de governadores e prefeitos que tentam controlar os danos da pandemia de coronavírus.

É por isso que a movimentação de deputados governistas em torno do PL 1074/2021 acendeu a luz vermelha na oposição. De Kim Kataguiri (DEM) a Paulo Teixeira (PT), parlamentares se mobilizam nas redes sociais para denunciar o prenúncio de um possível “golpe de Estado”.

O QUE DIZ O PROJETO DE LEI DO DEPUTADO VITOR HUGO

Na justificativa do projeto, o deputado Vitor Hugo é muito claro em seu intento. Diz ele que a mudança na lei da mobilização nacional é um meio de evitar que Bolsonaro recorra ao estado de sítio ou estado de defesa.

Com a “alteração legislativa”, o presidente da República poderia “agir de modo mais contundente, direto e eficaz no combate à pandemia, sem a necessidade de se valer das intensas restrições a direitos, liberdades e garantias comuns a outros instrumentos de defesa do Estado e das instituições.”

O PL não muda em nada o escopo da lei original no que tange as atribuições do presidente. A alteração se dá essencialmente no artigo 2º, para incorporar duas situações – pandemia (emergência em Saúde) e catástrofes (Defesa Civil) – nas hipóteses que decretam o estado de mobilização nacional.

O PL também atualiza a nomemclatura de órgãos do governo que podem fazer parte do comitê da gestão da crise (Ministério da Fazenda virou Ministério da Economia, por exemplo), e permite ao presidente da República, via decreto, nomear “outros órgãos da administração federal na composição do Sinamob.”

Para o autor do PL, a pandemia de Covid-19 no Brasil é uma emergência nacional digna de cenário de guerra. Já são mais de 314 mil óbitos por Covid-19, o sistema de saúde colapsou e há escassez de vacinas, remédios, equipamentos e outros insumos. Dentro de alguns meses, o País terá enterrado mais mortos por coronavírus em 1 ano de pandemia, do que a guerra na Síria gerou em 9 anos.

Para “além das medidas sanitárias já adotadas pelas autoridades competentes, deve o Presidente da República, autorizado pelo Congresso Nacional, ter à sua disposição a existência de ferramenta de gestão que o permita coordenar, em nível nacional, os esforços necessários ao suprimento dos bens e serviços indispensáveis ao atendimento da população acometida pela COVID-19”, defende o deputado.

O GGN reproduz, abaixo, os principais trechos da lei de emergência nacional:

Art. 4o A execução da Mobilização Nacional, caracterizada pela celeridade e compulsoriedade das ações a serem implementadas, com vistas em propiciar ao País condições para enfrentar o fato que a motivou, será decretada por ato do Poder Executivo autorizado pelo Congresso Nacional ou referendado por ele, quando no intervalo das sessões legislativas.

Parágrafo único. Na decretação da Mobilização Nacional, o Poder Executivo especificará o espaço geográfico do território nacional em que será realizada e as medidas necessárias à sua execução, dentre elas:

I – a convocação dos entes federados para integrar o esforço da Mobilização Nacional;

II – a reorientação da produção, da comercialização, da distribuição e do consumo de bens e da utilização de serviços;

III – a intervenção nos fatores de produção públicos e privados;

IV – a requisição e a ocupação de bens e serviços; e

V – a convocação de civis e militares.

Art. 7o Compete ao Sinamob:

I – prestar assessoramento direto e imediato ao Presidente da República na definição das medidas necessárias à Mobilização Nacional, bem como aquelas relativas à Desmobilização Nacional;

II – formular a Política de Mobilização Nacional;

III – elaborar o Plano Nacional de Mobilização e os demais documentos relacionados com a Mobilização Nacional;

IV – elaborar propostas de atos normativos e conduzir a atividade de Mobilização Nacional;

V – consolidar os planos setoriais de Mobilização Nacional;

VI – articular o esforço de Mobilização Nacional com as demais atividades essenciais à vida da Nação; e

VII – exercer outras competências e atribuições que lhe forem cometidas por regulamento.

Art. 8o O Sinamob poderá requerer dos órgãos e entidades dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de pessoas ou de outras entidades as informações necessárias às suas atividades.

Leia também:

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador