Índios desocupam canteiro de Belo Monte, mas exigem suspensão de hidrelétricas na Amazônia

Jornal GGN – Após oito dias de ocupação do principal canteiro de obras da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, a cerca de 55 quilômetros de Altamira (PA), os cerca de 150 índios que permaneciam no local deixaram o empreendimento na manhã desta terça-feira (4), como resultado de acordo feito com o governo federal.

Um grupo de 144 índios Mundurukus saiu direto do Sítio Belo Monte para Altamira, onde embarcou em um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) com destino a Brasília.

A previsão é que a delegação indígena se reúna, no Palácio do Planalto, com os ministros da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho; de Minas e Energia, Edison Lobão; da Saúde, Alexandre Padilha; e de Meio Ambiente, Izabella Teixeira, entre outros integrantes da equipe de governo.

O principal pedido dos Mundurukus é a suspensão de todos os empreendimentos hidrelétricos na Amazônia até que o processo de consulta prévia aos povos tradicionais, previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) – e internalizada pelo país em 2004 – seja regulamentado.

Uma carta divulgada nesta terça-feira (4) através do blog Ocupação Belo Monte do movimento de ocupação das obras da hidrelétrica de Belo Monte acusa o governo federal de ignorar as reivindicações apresentadas pelas lideranças.

Segundo as lideranças indígenas, um documento com 33 pontos de reivindicação foi entregue, durante uma assembleia Munduruku na aldeia Sai Cinza, a um funcionário da Secretaria Geral da Presidência da República. Segundo a denúncia, quando foram a Brasília cobrar a resposta, do governo sobre o documento, o ministro Gilberto Carvalho, da secretaria geral da presidência, tentou fazer com que assinassem um documento aceitando as hidrelétricas do rio Tapajós.

A carta afirma que os índios não estão fazendo pedidos ao governo, e sim “exigindo a suspensão dos estudos e das obras de barragem nos rios Xingu, rio Tapajós e rio Teles Pires”. Outra acusação do documento é de que durante uma reunião realizada em outubro, a Funai e a Eletrobrás afirmaram que as barragens serão construídas de qualquer jeito, com ou sem o aval indígena. Segundo o texto os representantes do governo afirmaram que colocariam a força policial na terra indígena se fosse necessário.

Leia abaixo a carta completa publicada no blog Ocupação Belo Monte

Carta número 9: tragédias e barragens (a luta não acaba nem lá nem aqui)

Nós saímos da ocupação da usina Belo Monte e viemos dialogar com o governo.

Nós não fizemos um acordo com vocês. Nós aceitamos a reunião em Brasília porque, quanto mais nós dizíamos que não sairíamos de lá, mais policiais vocês mandavam para o canteiro de obras. E no mesmo dia em que seríamos tirados à força pela sua polícia, vocês mataram um parente Terena no Mato Grosso do Sul. Então nós decidimos que não queríamos outro morto. Nós evitamos uma tragédia, vocês não. Vocês não evitam tragédias, vocês executam.

Viemos aqui falar para vocês da outra tragédia que iremos lutar para evitar: a perda do nosso território e da nossa vida. Nós não viemos negociar com vocês, porque não se negocia nem território nem vida. Nós somos contra a construção de barragens que matam a terra indígena, porque elas matam a cultura quando matam o peixe e afogam a terra. E isso mata a gente sem precisar de arma. Vocês continuam matando muito. Vocês simplesmente matam muito. Vocês já mataram demais, faz 513 anos.

Não viemos conversar só sobre uma barragem no Tapajós, como vocês estão falando na imprensa. Nós viemos a Brasília exigir a suspensão dos estudos e das obras de barragem nos rios Xingu, rio Tapajós e rio Teles Pires. Vocês não estão falando apenas com o povo Munduruku. Vocês estão falando com os Xipaya, Kayapó, Arara, Tupinambá e com todos os povos que estão juntos nessa luta, porque essa é uma luta grande e de todos.

Nós não trouxemos listas de pedidos. Nós somos contra as barragens. Exigimos o compromisso do governo federal em consultar e garantir o direito a veto a projetos que destroem a gente.

Mas não. Vocês atropelam tudo e fazem o que querem. E para isso, vocês fazem de tudo para dividir os povos indígenas. Nós viemos aqui dizer para vocês pararem, porque nós vamos resistir juntos e unidos. Estamos reunidos há 35 dias em Altamira, e por 17 dias nós ocupamos a principal hidrelétrica que vocês estão construindo. Junto dessa carta nós estamos mandando todas as cartas das duas ocupações que realizamos. Leiam tudo com atenção para entender nosso movimento. E assim respeitá-lo, o que vocês não fizeram até hoje.

O desrespeito não vem só nas palavras. Vem na ação de vocês.

Na região da Volta Grande do Xingu, tudo está sendo destruído e virado de cabeça para baixo, desde que vocês liberaram a construção da barragem Belo Monte. Todos estão muito tristes e apenas os ricos ficaram bem. Os parentes brigaram muito. Até os trabalhadores da obra sofrem.

Foto: Nacho Lemus

No Tapajós e Teles Pires, vocês estão começando agora, mas já nos desrespeitaram muito.

Em agosto de 2012, os seus pesquisadores começaram a invadir nossas terras e pegar nossos animais e plantas e contar hectares e medir a água e furar nossa terra.

Em outubro, a Funai e a Eletrobrás disseram em reunião que as barragens iriam sair de qualquer jeito, com nós querendo ou não querendo. E que colocariam força policial na nossa terra se fosse necessário.

Em novembro, a polícia federal atacou e destruiu a aldeia Teles Pires, onde somos todos contra as barragens. Adenilson Munduruku foi assassinado com três tiros e outros 19 indígenas foram feridos. No final do mês nós fomos a Brasília denunciar a operação da polícia ao Ministério da Justiça, Funai e Secretaria Geral da Presidência da República. Também fomos ao Ministério Público Federal.

Em janeiro de 2013, fizemos uma grande assembleia Munduruku na aldeia Sai Cinza, onde foi entregue ao funcionário da Secretaria Geral da Presidência da República um documento com 33 pontos de reivindicação.

No mês seguinte, nós fomos novamente à Brasília exigir alguma resposta da Secretaria Geral da Presidência sobre os 33 pontos. Conseguimos encontrar o ministro, mas ele ignorou nossas reivindicações e tentou fazer com que nós assinássemos um documento aceitando as hidrelétricas do rio Tapajós.

Para garantir à força os estudos das barragens, em março de 2013 o governo baixa um decreto que autoriza a entrada das tropas policiais em nossas terras. Um dia depois nossas aldeias foram invadidas por pelotões de policiais.

No Teles Pires, foram encontrados ossos de parentes, muito antigos. Vocês estão destruindo um lugar sagrado.

Nós não pudemos aceitar mais isso. Por isso, ocupamos seu canteiro trazendo nossa reivindicação, exigindo do governo o compromisso em respeitar os povos originários desse país, em respeitar nosso direito à terra e à vida. Ou, pelo menos, respeitar a sua própria lei – a Constituição e os tratados internacionais que vocês assinam. Mas vocês querem destruir as leis que protegem nós, povos indígenas, com outras leis e decretos novos. Vocês querem legalizar destruição.

E agora chegamos aqui com vocês. Esperando que afinal vocês nos ouçam, ao invés de ouvir aqueles que pagam suas campanhas. Ainda que vocês não estejam dispostos a aprender a ouvir, nós estamos dispostos a ensinar.

Canteiro de obras de Belo Monte, Vitória do Xingu, 4 de junho de 2013

Redação

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