Os riscos do conflito chegar à Arábia Saudita

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Flavia Bemfica

É tão crítica a situação no norte da África e partes do Oriente Médio que nem mesmo os especialistas na geopolítica da região arriscam palpites sobre os desdobramentos dos conflitos. Para os analistas, apesar de a Líbia ser a “bola da vez”, é forte a tendência de que os conflitos se estendam por outros países. E a preocupação é de que eles possam chegar à Arábia Saudita, principal produtor mundial de petróleo.

“Do norte da África ao Paquistão, ninguém está a salvo” resume o professor André Reis da Silva, coordenador do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “Se os conflitos chegarem à Arábia Saudita (para onde já foi marcado um ‘dia de fúria’ em 11 de março), a sineta que está tocando vai se transformar em um alarme”, completa a professora de História Contemporânea da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Cláudia Musa Fay.

As consequências de uma troca de poder na Arábia Saudita, onde a mesma dinastia governa o país desde a sua fundação, em 1930, são “incalculáveis” na opinião dos especialistas. Não apenas pela questão do petróleo, já que hoje o país é governado por uma ditadura amiga do Ocidente. Derrubar o regime teria sobre os vizinhos um efeito bem mais intenso do que o fim das ditaduras na Tunísia e no Egito porque na Arábia existe uma monarquia, e acabar com um sistema inteiro costuma ser mais complexo do que interromper um governo. E, por isso, uma vitória daria aos que clamam por mudanças na região ainda mais força.

O fato de existir uma monarquia no país e as dificuldades de substituição do sistema, por outro lado, podem também ajudar a frear os distúrbios. Além disso, na tentativa de acalmar os ânimos, o idoso rei Abdullah (87 anos, e que retornou ao país na semana que passou após três meses fora em tratamento médico) anunciou um pacote de ações que beneficiam a classe média e o funcionalismo público.

“Mesmo com o maior grau de dificuldade, sempre se pode lembrar o exemplo da revolução inglesa no século XVIII. A instituição monarquia ficou garantida, só que com muito menos poder, e as mudanças foram feitas via gabinete dos ministros”, alerta Reis da Silva.

Por enquanto, as atenções continuam a recair sobre a Líbia. Mas, para além dos domínios do ditador Muammar Kadafi, a situação é considerada crítica em pelo menos 10 países, com diferentes graus de tensão. Como, desde o princípio, os conflitos atingem tanto ditaduras aliadas aos Estados Unidos como adversárias, um Ocidente cauteloso se pergunta o que esses países têm em comum além do baixo grau de democracia e da religião, e como os protestos se espalharam de forma tão rápida.

Fatores conjunturais e estruturais explicam a expansão dos distúrbios Além das questões históricas, como o fato de os países terem sido alvo do imperialismo durante um extenso período. A professora Musa Fay destaca o fato de, atualmente, eles sofrerem com os fatores econômicos, como a baixa qualidade de vida e o desemprego que atinge em grande medida inclusive a população jovem. “Falamos de países com desemprego na faixa dos 30% e com uma desigualdade social não apenas grande, mas que perdura há muito tempo. Além disso, não podemos esquecer o fator século XXI, marcado pela velocidade na circulação das informações e na facilidade de comunicação”, enumera ela.

A população ocidental que não acompanha de perto a situação daquela região do planeta pode pensar, por exemplo, que Kadafi blefa ao acusar o chefe da rede Al-Qaeda, Osama bin Laden, de alimentar os protestos na Líbia. O professor Reis da Silva explica que o ditador retoma uma disputa histórica na região, onde três grandes correntes de opinião se engalfinham desde o século passado. Elas incluem os nacionalistas, representados em diferentes países pelo partido Baath e por governantes como o próprio Kadafi ou o ex-ditador do Iraque, Saddam Hussein; os fundamentalistas islâmicos (que encontram expressão na Al-Qaeda e no Hezbollah, e que em determinados momentos foram patrocinados pelos Estados Unidos); e os pró-ocidentais (que incluem representantes das elites locais e os governos de alguns dos países).

“Durante a invasão do Iraque, em 2003, muitos governos tiveram que ‘segurar’ suas populações, que se manifestavam contra a intervenção ocidental, e aí estas questões de hoje já apareciam. Da mesma forma como aparecem em relação a cada ação de Israel que, neste momento, não pode fazer nenhum movimento brusco. Desde o século VIII é muito forte esta concepção de solidariedade para com o irmão islâmico que está sofrendo. A concepção de grupo no islamismo é completamente diferente da ocidental”, assegura o professor.

Para além dos motivos dos distúrbios, os especialistas se debruçam agora sobre seus desdobramentos em termos de política interna. Reis da Silva chama a atenção para o papel que pode ser desempenhado pelos exércitos, já que são eles que podem aparecer como a força “moderada”. “No caso da Líbia, por exemplo, têm chamado a atenção estas dissidências. Para os Estados Unidos, se o exército assumir, o dano é menor do que se a população pegar o poder porque ela é francamente anti-Ocidente.” O caso do Egito dá ainda mais força às projeções.

Luis Nassif

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