Sobre a experiência de morar em Barcelona

Eu era fascinado por Barcelona. Até que eu fui morar lá. Minha impressão final é de uma cidade que não gosta de ter a atenção que recebe. O catalão, um povo sisudo que diz morar ao sul da França, e não ao norte da Espanha, não se adaptou muito bem à hiperexposição internacional que se seguiu às Olimpíadas. Barcelona virou um centro de convergência de turismo e de várias atividades, eminentemente das artes gráficas, o que me levou até lá para um curso de curadoria em arte e tecnologia e outro de cinema.

Existem duas Barcelonas, uma para os catalães e outra para os turistas e população flutuante. Felizmente é possível viver (muito) bem convivendo só com os estrangeiros que estão na cidade ao mesmo tempo que você. O que mais acontece é estar em um evento sem nenhum catalão. A cidade tem verdadeiros corredores para os estrangeiros. O termo “hordas” usado no post é sempre utilizado, porque, no verão, é disso que se trata. A imagem do casal escandinavo levando pelas mãos o louríssimo filho paramentado com o uniforme completo do Barcelona se repete várias vezes ao longo de cada caminhada pelas Ramblas, desafiando o mais recorrente déjà vu.

Mas essa invasão é mais do que o taciturno catalão parece estar disposto a suportar pela entrada dos euros de verão. O atendimento aos estrangeiros, de forma geral, é rude (se bem que, depois de um ano, eu passei a interpretar a falta de delicadeza catalã quase como uma raiz cultural) a polícia (a mais antiga da Europa, os Mossos d’Esquadra) é brutal e o preconceito se manifesta contra quase todas as etnias que habitam a cidade. Os sulamericanos (principalmente equatorianos e colombianos) são “sudacas”, os árabes são todos “pakis” e os chineses, bom, são “chinos” mesmo.

QuaQuando eu morava lá houve um movimento contra a invasão do simpático bairro de Gracia por estrangeiros endinheirados “mauricinhos”, que trouxeram a alcunha de lugar “cool” e a consequente valorização astronômica dos aluguéis (aliás, é exatamente o que acontece com Santa Teresa, no Rio, atualmente).

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Em bom catalão: “Gracia está péssima. Se você é um rico com óculos de marca, sapatos italianos, amigos europeus, sucesso em algum tipo de desenho de interiores que te paga rios de dinheiro, perfeito, este é seu bairro. Antes era o meu.” Acaba com “Ponham fora os ‘mauricinhos’, pressionem os proprietários, queimem a igreja, suspendam o prefeito!” Não sei bem o que é ‘penjem’, mas acho que pode ser derrubem, no sentido de ‘deslocar’.

A Catalunha dá a impressão de que a guerra civil e a ditadura franquista são, no fim das contas, exatamente o que parecem ser: eventos ainda muito recentes e com marcas profundas na personalidade de um povo que se esforçou para manter sua identidade, sua língua e cultura. E se esforça ainda. Quando a Espanha foi eliminada da Copa da Alemanha eu ouvi fogos. Não peça que se fale espanhol em uma sala com alunos predominantemente catalães. Uma hora você se acostuma. E sempre pode usar o clássico “más despacio, si us plau” (mais devagar, em espanhol e por favor, em catalão).

Em meu balanço final, Barcelona não era o que eu esperava. Aprendi muito, mas não gostaria de voltar a morar lá nas condições em que me encontrava. Acho que não tive sorte fazendo amizades com os locais (com as locais também não http://bit.ly/aMMYVC). Mas, excetuando os preconceitos, também aprendi admirar a determinação do povo que, talvez com um exagero de rancor pelos traumas do passado, quer tanto tomar conta do próprio futuro.

Luis Nassif

1 Comentário

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  1. Vamos ver o outro lado?

    Acho que às vezes a integração também depende de cada pessoa, não necessariame te da região. Moro na Cataluña há 13 anos e tenho ótimas experiências.

    Só esclarendo…. os Mossos de Esquadra são um corpo policial muito jovem….acredito que na web você poderá entender esse dado equivocado.

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