Líbia vive processo de “somalização”

Por Rodolfo Machado 

Como salvar a Líbia da “somalização”?

Do “Voz da Russia”

Em janeiro do corrente ano, a França vendeu à Líbia um lote de 50 lanchas. A Itália doou, em fevereiro, à sua antiga colônia duas dezenas de viaturas blindadas. Espera-se que em abril, junto da costa líbia, atraque um navio da Marinha de Guerra britânica, levando a bordo uma vasta gama de armas e munições. Ao derrubar a Jamahiriya, a UE procedeu ao armamento do governo frágil do país à beira de desintegração segundo o péssimo cenário vivido em tempos pela Somália.

Vale notar que, na Líbia, tanto o governo atual, como os demais ramos do poder e o Exército, não passam de estruturas nominais. Na verdade, no território do país atua uma série de grupos armados que se formaram conforme os princípios territorial, tribal, religioso e outros. O novo regime, levado ao poder pelo Ocidente, não é capaz de prevenir a cisão que se avizinha, considera o diretor do Centro de Pesquisas Estratégicas do Cairo, perito em problemas da África Setentrional, Rifayat Sayyed Ahmed.

“Na realidade, a Líbia está sendo governada por um grupo de 45 mil combatentes, “guerrilheiros voluntários” que se subordinam à Al-Qaeda e ao Partido de Justiça e Construção, uma filial da Irmandade Muçulmana. Não se sabe por que razão os observadores ocidentais lhes chamam milícias. No entanto, os que ostentavam o nome de revolucionários como que se dissolveram nas fileiras de milicianos. A ganância do poder e a partilha dos recursos petrolíferos constituem a sua fundamental linha ideológica. Estamos lidando com uma comunidade de terroristas potenciais, bem armados e hostis aos vizinhos e a todo o Norte de África, capazes de provocar o descalabro do Estado líbio.”

Resumido, pode-se traçar um cenário seguinte: no “berço” da última revolução, cidade de Benghazi, as elites locais pretendem instituir um regime autônomo. Em Bani Walid permanecem no poder os antigos adeptos de Kadhafi. A cidade industrial de Misrata também almeja receber estatuto de um enclave livre. As tribos dos montes ocidentais da Tripolitânia parecem aguardar um momento oportuno sem expressar, para já, suas preferências políticas. Em Trípoli fica a sede do governo oficial. Em cada região existem centros do poder local apoiados por respetivos “braços armados”.

A situação que se criou na Líbia faz lembrar o cenário vivido outrora na Somália, onde em 1988 deflagrou a guerra civil entre o regime do ditador Muhammad Siad Barre e as forças unidas da oposição. Com o tempo, a revolução se transformou numa guerra intestina entre os clãs diversos que não cessou até hoje. Por isso, a perspetiva de a Líbia se tornar numa segunda Somália é bem real, realçou em entrevista à emissora Voz da Rússia, Serguei Seriogichev, perito do Instituto do Oriente Médio.

“Em termos gerais, o principal problema da Líbia consiste na ausência de uma força única centralizadora. Ou seja, em troca de Kadhafi, a Líbia tem de se apoiar em outro líder desse gênero, um ditador, dado que as tentativas de aplicar na Líbia um modelo democrático ocidental fracassaram. Utilizando os direitos e as liberdades democráticos inerentes a esse modelo, vários grupos tribais e políticos têm defendido seus interesses próprios.”

Neste contexto, nem se pode falar de qualquer democracia na Líbia, adiantou Seriogichev, argumentando que o país, pelo nível de desenvolvimento político e econômico-social, se associa mais à Europa medieval no período de feudos. Teoricamente, a Líbia poderia aceitar um modelo federativo. Mas as unidades de tal federação dificilmente superarão as controvérsias e divergências existentes. Em última análise, a comunidade mundial perderá a Líbia como um Estado único e unido normal.

Todavia, existe mais uma opção – enviar para a Líbia um contingente militar que possa servir de sustentáculo do atual regime, sofrendo enormes perdas na guerra de guerrilha. Claro que tal cenário será rejeitado pelo Ocidente. Daí restam apenas duas hipóteses reais – a instauração de uma ditadura ou a repetição do cenário somaliano.

Luis Nassif

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