Luis Roberto Barroso e a síndrome de Maria Antonieta, por Luis Nassif

Barroso tem um agravante. No STF, tornou-se o principal avalista da selvageria que tomou conta do país, promoveu o desmonte das instituições e levou ao poder o zoológico do bolsonarismo.

A entrevista do Ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), à bancada amiga da Globonews, é a versão almofadinha do simplismo fundamentalista que tomou conta do país. É o chamado terraplanismo sociológico, que abjura qualquer dado da realidade que possa comprometer suas crenças.

Que é um poser, não se discute. Ele trata a sociologia e a história com a mesma profundidade do leigo que recorre ao ritual de rodar o vinho na taça, cheirar e provar, sem ter a menor conhecimento de enologia, apenas para impressionar os vizinhos de mesa. E, convenhamos, a discussão pública atual, em alguns veículos, mais parece um convescote de firma, do que uma análise aprofundada sobre as questões nacionais.

Às vezes imagino que a incapacidade de Barroso de analisar a realidade seja fruto de uma enorme dificuldade de enxergar os pontos centrais no objeto analisado. Acontece com intelectuais vazios, que consomem livros da moda, mas são incapazes de processar seu significado.

Um caso típico, que sempre me surpreendeu, ao longo de minha longa carreira de jornalista, era a superficialidade de Fernando Henrique Cardoso, a enorme dificuldade em identificar os pontos centrais do caso analisado e de ficar fazendo firulas, encerando a bola no meio campo, sem saber o caminho do gol.

Barroso tem um agravante. No STF, tornou-se o principal avalista da selvageria que tomou conta do país, promoveu o desmonte das instituições e levou ao poder o zoológico do bolsonarismo. Então, impôs-se um desafio adicional, de permanentemente justificar o bebê de Rosemary que brotou de suas decisões e declarações. No mercado, quando se adquire um ativo podre, os mais espertos “realizam o prejuízo” – isto é, vendem com algum prejuízo para não ter prejuízo maior. Barroso, não: levará o micro preto até o fim.

Nas sucessivas palestras que faz – para um público aparentemente tão pouco exigente quanto a bancada amiga da Globonews – desenvolveu um álibi que, por falta de imaginação, é recorrente. Cita Gramsci, para explicar que, no Brasil, o velho morreu e o novo ainda não nasceu. Então há um período de escuridão antes do novo porvir, que será radioso, apud Barroso. Afinal, segundo ele, o Brasil é um país fabuloso, no qual a democracia vem se fortalecendo ano após ano, conseguiu universalizar a educação básica, tirar milhões de pessoas da linha da miséria.

E saiu-se com essa. Quando iniciou os estudos universitários, o grande desafio era combater a tortura que se praticava no país. Hoje em dia, o grande desafio é conseguir a modernização da economia e combater a corrupção, porque já conquistamos a democracia. Diz isso no momento em que o maior líder da oposição se tornou um prisioneiro político, com a ajuda inestimável do próprio Barroso.

Estão sendo desmontados todos os fatores, mencionados por Barroso, que permitiram os grandes avanços brasileiros pós-redemocratização. E Barroso não quer observar a realidade, para não se chocar com as asperezas do mundo real. Excesso de sensibilidade ou charlatanismo político? Ou um caso clássico da síndrome de Maria Antonieta?

Naquele momento, na Rocinha, na Mangueira, no Irajá, jovens estão sendo assassinados pela polícia; há um governador egresso do Judiciário, que viaja de helicóptero estimulando a polícia a atirar na cabecinha das pessoas; as milícias ampliam seu poder territorial no Rio de Janeiro; disputas de organizações criminosas provocam a morte de 55 pessoas nos presídios de Manaus; o licenciamento ambiental está sendo destruído, o fundamentalismo religioso avança em todas as áreas, a informalidade no emprego atinge 45% da força de trabalho,  há o risco concreto do país ficar à mercê das organizações criminosas, ou de terraplanistas, que conseguiram emplacar o presidente da República.

Mas, para o intelectual frívolo, tudo se resolve sem precisar recorrer a nenhuma fundamentação científica. Basta citar Gramsci sem a menor preocupação em interpretá-lo à luz da realidade brasileira. Com a mesma sem-cerimônia de um terraplanista defendendo suas convicções. Ou do general Alberto Heleno recorrendo ao método científico de pesquisas mensagens de WhatsApp e vídeos do Youtube para firmar suas convicções.

O obscurantismo brasileiro é um trabalho de décadas. E uma das grandes contribuições foi a miragem desse intelectualismo de salão, superficial como as notas de uma coluna social, que gosta de se apregoar como “homem bom, que só faz o bem” e se encantou um dia com o fato de ser mais um jurista que pretender entender o país, equiparando-se a Rui Barbosa, Joaquim Nabuco e San Tiago Dantas.

Luis Nassif

21 Comentários

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  1. SÉRGIO MORO, TOFFOLI, BARROSO, MENDES E OUTROs. Nosso judicário às cegas e de costas para o país. ELITE DA TOGA. VEIRAM DA ELITE, CONTINUARAM NA ELITE. É A TAL MERITOCRÁCIA.

  2. Nassif, pegou leve com o Barroso.
    Maria Antonieta perto do Barroso era uma pessoa centrada, realista e profunda conhecedora da sociedade que a cercava.
    Tanto que mandou seus súditos comerem brioches e o que o Barroso propõe é que o povo coma merda.

  3. “Muitos juízes são absolutamente incorruptíveis, ninguém consegue induzi-los a fazer Justiça”. Brecht
    55 pessoas mortas sob a custódia do Judiciário, 11 sem julgamento e esse ministro e os outros 10 do STF coçam o saco. Ops… falei palavrão e o mediador não vai deixar passar meu comentário. Mesmo porque no país hipócrita em que vivemos falar palavrão ante tanta selvageria e desrespeito a vida humana não pode. Só é permitido descarregar a consciência noticiando educadamente com “pesar” o ocorrido.
    Esses juízes são tão criminosos quanto os componentes das quadrilhas que comandam os presídios. Estão se lixando para a normalização da barbárie. O “peitudo” do Gilmar Mendes, a indignada das farmaceuticas e os “incorruptíveis” do STF só são juízes para proteger o interesse da elite. Milicianos de toga é que são. Eles não tem vergonha da barbárie que permitem ocorrer no país, só se importam em comer lagostas e tomar vinhos franceses. Xiii, agora é que meu comentário não passa mesmo.

  4. Pastores vagabundos tem dito que Jair Bolsonaro foi eleito por deus. Num primeiro momento é difícil saber a que deus eles se referem.
    Bolsonaro entrou na política pobre e se tornou milionário. Ninguém sabe exatamente como ele amealhou patrimônio. As ligações dele com o crime organizado pelas milícias cariocas podem ter ajudado. O bode de ouro é um candidato a deus do presidente.
    Ontem um parente da mulher dele foi preso. Um filho dele está a caminho da prisão. O sistema de poder que está sendo criado pelo presidente é criminoso, pois substitui o direito à vida pelo direito de matar.
    Dinheiro sujo acima de tudo, deus no banheiro para limpar a bunda.
    Esqueçam o bode de ouro. Bolsonaro é descendente de italianos, nasceu e cresceu na merda e afundou no esgoto da política depois que foi expulso do Exército. Portanto, ele pode muito bem ter sido eleito por uma tríade romana realmente divina: Stercorius, Crepitus e Cloacina.
    Em razão dessa hipótese, o ministreco Luis Barroso pode ser considerado o Flamen Dialis dos deuses da merda, do peido e do esgoto. Papel que ele tem se esforçado para desempenhar com grande empenho e eloquência patética.
    Estamos todos cagando e andando para a refundação do Brasil como se fosse a Suburra no período em que a Cloaca Máxima não existia e a merda produzida nos montes de Roma escorria e se acumulava na região baixa da cidade de Roma sempre que caia uma chuva.
    E tenho dito… a capital da última Flor do Lácio está fedendo.

  5. O pior tipo de desonestidade é a intelectual, de modo, que Barroso é só um sujeito desonesto intelectualmente, além de muito medíocre, igual a alguns de seus colegas de tribunal.

  6. Falando em Maria Antonieta ontem o ministro “legalista” Marco Aurélio de Mello votou a favor do trecho da lei trabalhista que permitia o trabalho de mulheres grávidas em atividades insalubres. Segundo o ministro legalista é só a grávida apresentar um atestado.
    Estou até vendo uma mulher grávida pedindo um atestado para o médico da empresa ou para um médico do SUS. O ministro disse que tem três filhas e portanto é expert na área. Uma das filhas, inclusive, foi nomeada desembargadora antes dos 30 anos, não foi?
    Vai comer brioche, ministro. Ou melhor, lagosta.

  7. Numa coisa ele está certo e o Nassif errado. Num futuro qualquer, impossível de se prever quão longe se situe, ele realizará o desejo de se equiparar a Rui Barbosa, Joaquim Nabuco e San Tiago Dantas. Inexorável !

  8. Não se impõe uma ditadura sem elementos que façam o trabalho sujo. Barroso, Moro, Bolsonaro e cia. não se incomodam com o sangue em suas mãos, não são diferentes dos que participaram e se enriqueceram com a escravidão, muitos deles são descendentes diretos dos escravocratas.

  9. Tentei, tentei mas não consegui acompanhar tamanha mediocridade. Constata -se, assim, o baixíssimo nível da nossa SUPREMA Corte. Lamentável

  10. A corrupção da TOGA é, de longe, a pior face da corrupção! Porque no momento em que a corrupção se torna hegemõnica no judiciário a criminalidade viceja e prodomina em toda a sociedade. Note-se que um juiz honesto não se destaca e, pior do que isso, nem sequer sobrevive na massa fecal predominante nessa instituição degenerada. A sociedade passa a ver com resignação, ou até naturalidade que se dê prêmio à delinquência e se criminalize a virtude. Nessa toada, os bandidos comparsas têm a garantia da impunidade e o Lula tem que estar na cadeia.

  11. Em primeiro lugar dizer que mais um vez, o Nassif coloca a sua marca indelével no jornalismo brasileiro, a cada comentário, a cada análise, a cada reportagem.
    Estamos com falta de mais Nassifs, mas, os que temos, são de altíssima qualidade.
    Entretanto, não se pode falar o mesmo dos nossos guardiães de nossos direitos inalienáveis estabelecidos pela constituição.
    barroso, tófolli, carmem, fux, fachin, alexandre, rosa verme, mendes, marco aurélio, lewandowisky, e o incógnita decano celso. De 11, talvez um se aproveita, eu disse talvez, significa dizer que a constituição é como o galinheiro de um roceiro, onde a raposa é a guardiã.

  12. Pobre STF de manipuladores como joaquim barbosa à charlatões intelectuais como barroso e tofolli.

    A refundação que se espera do Brasil dar-se-á quando a mediocridade der lugar à seriedade.

  13. Assisti à uma conferência com a professora psicanalista Eunice Santos e ela se refere ao atual momento no Brasil dizendo que a psicanalise não tem ainda como definir essa catarse nacional em torno do simplismo, da apologia ao obscurantismo e do uso da violência como resolução de conflitos.
    Volto a pensar que sem algo que chocoalhe o cidadão brasileiro e o retire do torpor, o Brasil dificilmente saira dessa quadra antes de muito sangue e suor escorrerem.

  14. Depois de muito meditar,concluir peremptoriamente,que as indicações de parias,cretinos,individuos de carater latrinal,capadócios e traidores no seu estado mais puro,feitas por Lula e Dilma para o STF,foi de longe,a causa maior de termos entrado na Era da Merdosfera,sem data para terminar.Como não completamente dito no artigo do senhor editor,esse Ministro Barroso representa o que o Brasil tem de pior.

  15. Caro Nassif;

    Entre outros, o teu grande mérito é nas tuas matérias apresentar de forma clara e didática o que a gente sente mas não sabe como expressar.
    Parabéns.
    Obrigado
    Genaro

  16. Sugiro a leitura do brilhante romance “Recordações do escrivão Isaías Caminha”, do fantástico Lima Barreto. Barroso, Heleno et caterva parecem absurdos personagens saídos deste livro cáustico e que tão bem explica diversas de nossas piores qualidades…

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