Maira Vasconcelos
Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).
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Macrismo está sem discurso para campanha e presidente visivelmente desgastado, por Maira Vasconcelos

Macri e o macrismo parecem, nesse momento, e desde o anúncio da moratória das dívidas, na última quarta-feira, 28 de agosto, atados sem poder fazer campanha.

Macrismo está sem discurso para campanha e presidente visivelmente desgastado

por Maira Vasconcelos

Se campanhas eleitorais são ponto chave para qualquer candidatura, são ainda mais definitivas na reeleição de um governo com resultados sociais e econômicos altamente negativos, como é o caso de Mauricio Macri (Juntos pela Mudança). A campanha já vinha apelativa, discurso que se mostrou um erro para o que é a sociedade argentina, além de distanciado da realidade econômica das famílias, somado a acertos argumentativos públicos importantes do opositor Alberto Fernández (Frente de Todos). O candidato tem participado de entrevistas nos grandes meios, após anos de briga do kirchnerismo com os conglomerados de mídia, principalmente as empresas do Grupo Clarín. 

Macri e o macrismo parecem, nesse momento, e desde o anúncio da moratória das dívidas, na última quarta-feira, 28 de agosto, atados sem poder fazer campanha. O governo está encurralado com a pressão do dólar, para tentar manter a estabilidade da moeda estrangeira, até as eleições de 27 de outubro, e conter a maxidesvalorização do peso argentino, em queda acelerada desde o resultado das eleições primárias, em 11 de agosto. Desde então, Buenos Aires não passa um só dia sem manifestações contra o governo.

“A sociedade argentina é bastante jacobina”. Essas foram algumas das considerações feitas pelo jornalista Sebastián Lacunza, correspondente das agências de notícias Redd Intelligence e Repórteres sem Fronteiras, quando perguntado sobre as eleições e as características do voto argentino, tido como bastante dramático e marcado na hora de mudar o voto. A diferença entre Mauricio Macri (31,28%) e Alberto Fernández (47,04%), nas eleições primárias, foi de mais de 4 milhões de votos de vantagem à centro-esquerda, com Cristina Kirchner como vice-presidenta. Essa vantagem permite considerar uma vitória dos Fernández logo no primeiro turno.  

Lacunza atribuiu o êxito da aliança Alberto-Cristina aos dois candidatos, que souberam reaver as sabidas diferenças políticas, sem tampouco publicamente negá-las. O jornalista define Alberto Fernández como um político, hoje, de centro-esquerda peronista, e afirma que o candidato possui “vínculos com setores de centro-direita, porque ele sabe que tem que remar com todo o peronismo”. 

Sebastián falou sobre o conceito de “grieta”, divisão política na sociedade argentina, incansavelmente comentado por aqui. Atribuiu erros à campanha macrista, além da dificuldade de se fazer campanha tendo um governo com péssimos resultados. Comentou o fato de que discursos apelativos, que foram comprados no Brasil, como dizer que um candidato de esquerda é marxista, na sociedade argentina isso não funcionou. Também discorreu sobre o uso do termo fascismo, hoje, tanto na Argentina, como no Brasil. 

 

O chamado “voto castigo” foi o que derrotou Mauricio Macri nas primárias? Quais as características do voto argentino?

Em toda democracia, obviamente, existe uma penalização, uma mirada sobre os passados quatro anos de governo. Não é fácil ao macrismo, ao Macri, à Vidal (Maria Eugenia Vidal, atual governadora de Buenos Aires), e demais, fazerem promessas agora. Porque, realmente, fizeram muitas promessas e não cumpriram. Ensaiaram um debate centrado em democracia e república contra o autoritarismo e isso ficou como em uma nuvem muito difícil de ver, por tudo o que estou dizendo. Porque o governo, na parte da democracia e da República não brilhou, ao contrário, em alguns casos aconteceram retrocessos. Isso se transformou em uma discussão muito vaga, muito etérea, que estava distanciada do que acontecia no interior das economias familiares. Nesse sentido, o eleitor argentino demonstrou que levanta o dedo de uma forma bastante dramática, entre uma eleição e outra. 

O povo argentino tem algumas características particulares, uma delas é que se assume protagonista da vida pública, e como o expressa? Saindo às ruas. A Argentina é um país que vive em estado de manifestação pelos mais diversos motivos, setoriais, massivos, nacionais, com maior tradição no peronismo e na esquerda, mas está claro que o macrismo, com outras liturgias, com outros componentes têm saído às ruas. Inclusive, nos dois anos finais de Cristina Kirchener, aconteceram manifestações antikirchneristas muito marcadas, muito numerosas, que poderiam ser associadas, de alguma maneira, às manifestações contra Dilma, ainda que somos países com tradições políticas muito diferentes. 

Depois, há outras circunstâncias, todo 24 de março, quando se comemora o aniversário do golpe militar da ditadura, saem centenas de pessoas às ruas e em quase todas as cidades do país há manifestações. Os atos na Argentina são dos mais diversos, estudantis, de professores, trabalhadores, piqueteiros, aposentados. 

Então, essa é uma característica. E, vinculado a isso, diria que a sociedade argentina é bastante jacobina, nos termos da Revolução Francesa. Às vezes, entra com tudo, e por isso também se explica o 2001. Situações de apego coletivo, de “afundar o polegar” (nas urnas), de deixar um marco. Talvez, os mesmos que celebram um governo pró-mercado e que vivem um pouco dessa festa expansiva do consumo, um setor de classe média e classe média alta, como foi com Menem, também não hesitam em sair às ruas e se aliar a outras classes sociais para pedir a cabeça do governante.   

As eleições primárias foram uma derrota para os meios massivos de comunicação na Argentina. Como avalia essa independência do voto argentino em relação aos meios?

Macri construiu, inclusive antes de ser presidente, uma muito forte aliança com os meios de comunicação, e isso é um dado da realidade. Em particular, como tinha meios que queriam o fim do kirchnerismo, e particularmente o grupo Clarín, por causa disso foram aliados muito firmes do governo Macri. É certo que o discurso que mais circulava, governista, nos meios massivos, não se traduziu em uma vitória de Mauricio Macri. O que, por um lado, relativiza teorias deterministas de que o público, o povo, os votantes decidem a partir daquilo que dizem os meios. Isso é mais para a teoria da comunicação, mas, evidentemente, se pode concluir que os meios têm uma influência, têm um papel e orientam o voto, mais ou menos, segundo o momento político. 

Aqui tinha uma razão muito básica, muito perceptível e fácil de ver. Houve uma defraudação entre as promessas de Macri e o cumprimento do governo. Macri chegou ao governo prometendo uma série de soluções rápidas, de terminar com ele definia como a loucura, entre aspas, de Cristina e do kirchnerismo. E três anos e meio depois há mais pobreza, mais inflação, mais dívida, não houve praticamente melhoras, nem na economia, nem na parte das instituições, no sistema republicano, aliás, o contrário, tem piorado nesses âmbitos também. Então, a conclusão é que os meios nem sempre determinam a decisão do eleitorado. 

A dois meses das eleições presidenciais, como vê o rumo das campanhas de Mauricio Macri e Alberto Fernández? E a decisão de Cristina Kirchner ser candidata a vice-presidenta é uma estratégia que definiu a vitória nas primárias?

Alberto Fernández tinha se definido, em uma projeção eleitoral, com uma frase inteligente, nos anos 2016, 17, 18, teria dito algo assim, “com Cristina não alcança e sem Cristina não se pode”. Cristina Kirchner tinha um 35%, 40% dos votos, que é uma base muito sólida e muito importante, mas que não era suficiente para ganhar de Mauricio Macri. Aí houve uma série de articulações e acordos políticos, que incluíram certos riscos, que foi que certos setores do peronismo voltassem a se unir, um dos quais tinha estado muito, muito indisposto um com o outro, começando por Alberto Fernández e Cristina Kirchner. Eles construíram uma relação, no último um ano e meio, e chegou-se a uma ação exitosa que, acredito, os dois são os primeiros responsáveis. Porque se tornou assimilável e eles não negaram a distância que tinham em anos anteriores. Não é que, de repente, desmentiram isso. 

Particularmente, Alberto Fernández tornou-se um bom argumentador que permitiu expandir algumas fronteiras em algo muito simples como, por exemplo, participar de entrevistas em determinados meios onde Cristina Kirchner, Néstor Kirchner e os kirchnerristas não pisaram, praticamente, durante uma década. Meios que são muito importantes, muito massivos, o que era, realmente, um absurdo. Porque deixava um lugar vago nesses meios que eram muito críticos do kirchnerismo, eram opositores e difundiam informações, algumas reais contra o kirchnerismo, outras inventadas, e que não tinham réplica. 

Alberto Fernández o que fez foi ir à réplica e na réplica saiu ganhando, porque expôs algumas contradições. Então, nesse sentido, me parece que a fortaleza foi, no lugar de ter uma reação distante e reativa, dessa que tinha mais Cristina Kirchner, tanto Alberto Fernández como Axel Kicilof (ex-ministro de economia na gestão de CFK e atual candidato a governador de Buenos Aires), eles foram jogar, por assim dizer, em terreno inimigo, e se saíram bem. Demonstraram ser melhores argumentadores e aqueles que os questionavam se mostraram mais débeis na hora de receber uma réplica. 

A campanha de Macri

No caso do Macri, na verdade, é sempre mais difícil fazer uma campanha com os resultados econômicos e institucionais bastante ruins do governo, e prosseguir nos mesmos estândares das campanhas anteriores, que eram muito vagas, ocas, no sentido de “vamos estar melhor”, “com muita força nos unimos”. Sim, muito cuidadosas no artístico, na retórica, e com muito favor dos meios. 

Tentaram algo parecido nessa campanha, e lhes saiu mal. Entre outras coisas, porque não esperavam esse movimento de Alberto Fenández e Axel Kicillof, de abrir as fronteiras e ir falar em território hostil. Então, a princípio, foram vistas nas campanhas de Mauricio Macri e Maria Eugenia Vidal estratégias contraditórias, apelaram a coisas muito absurdas para a Argentina de hoje, não para o Brasil, mas sim para a Argentina de hoje. Dizer que Axel Kicilof é marxista, isso não tem importância alguma para ninguém e hoje em dia não te dá nem meio voto. Apelaram a esse tipo de coisas, e depois vieram dizer que Alberto Fernández era Cristina, e Alberto Fernández utilizou isso um milhão de vezes na campanha para reafirmar que não era, e tinha argumentos para reafirmá-lo.

Então, a campanha de Mauricio Macri foi mais errática e se vê ao próprio Mauricio Macri muito desgastado. O que antes poderia parecer simpático, com o tempo pareceu ser mais um artifício que gera em uma parte do eleitorado essa sensação, “essa gente está atuando”. Deram verso publicitário para que se possa dizer isso, o que resulta ser pouco crível.  

Se pudesse fazer um balanço do governo do Macri nas áreas social e econômica, o que destacaria?

Antes da assunção de Macri, em algum momento, tive certa expectativa de que seria um governo de direita com tons mais liberais. Quero dizer, que é uma pessoa conservadora, neoliberal dos anos 90, muito vinculado a Menem, muito típico empresário argentino empreiteiro do Estado, tinha conseguido formar uma coalizão, tinha uma experiência de governo mais moderada, e a coalizão poderia incluir alguns setores nascidos em democracia, mais liberais e menos conservadores para tradições argentinas; porque o liberalismo argentino sempre esteve associado a ditaduras e ao antiperonismo visceral. Pensei que o macrismo fosse ter a inteligência de abrir o jogo, se bem ele fosse conservador. 

Na verdade, à luz da experiência, demonstrou ser um governo de direita clássico, com legitimidade democrática, e isso é muito importante. À diferença de outras direitas argentinas, ele teve legitimidade democrática porque ganhou pelo voto popular. Foi muito dogmático, assumiu acreditando que aplicando alguma receita básica pró-mercado as coisas iriam funcionar, e terminou totalmente encolhido nessa receita. Essa receita fracassou e longe de reorientar o governo, como acostuma passar em governos em crise, de direita, de esquerda, de todas as cores, terminou muito mais encolhido sobre si mesmo. E reinventar-se em política é extremamente difícil, é necessário diminuir o amor próprio, cortar com aliados, romper alianças. 

Assim, o balanço é paupérrimo do ponto de visto social. Há 8% mais de pobreza, o dobro de inflação, 30% a 40% mais de desemprego, 10% mais de emprego precário, e menos empregos sólidos, de carteira assinada, diminuíram o salário real e as aposentadorias.  Então, realmente, é um balanço muito pobre. Não deixa a situação cômoda para o governo que vem. Você poderia dizer, fez algumas reformas estruturais, isso que implicaria um ponto de partida para o próximo governo, mas não, claramente não fez. 

O balanço econômico

A dívida é preocupante para o PIB, a Argentina pode entrar em default. É realmente uma situação muito ruim, os serviços públicos não melhoraram, a vida pública não melhorou. Assumiram uma dívida para gastos correntes e não melhorou a vida pública. Não há grandes obras de infraestrutura como dizem que há, diz muito que fez e não fez. Na verdade, quando se registra os dados duros, isso não aparece. É outro dado muito significativo, se o governo diz que fez rede de esgoto e não fez. Quando se analisa as redes de esgoto construídas pelo governo de Mauricio Macri, novas redes de esgoto, por ano, são 22% menos, se comparado com os anos de Cristina Kirchner. E esses dados são oficiais, entregues pelo governo Macri a mim. 

Então, nesse ponto, o balanço é muito pobre, muito negativo. Não descarto que o resultado das primárias possa ser revertido. Você me perguntava o que vem de agora em diante, é muito difícil encontrar um discurso para Macri, nesse momento. Depois de uma derrota tão categórica, não é nada fácil. Porque você vai dizer, puxo pelo medo, mas se vai puxar pelo medo tem que ser um medo diferente daquele que já foi aventado, pois não houve resultado. Me modero, me modero muito, mas já tinha prometido que seria um governo moderado e não cumpriu. 

Em 2015, Macri dizia, “você não vai perder nada do que já tem”, e depois de dois meses mexia em questões emblemáticas, como em alguns planos sociais, e diminuiu a aposentadoria. Então, muitos perderam. Agora, é muito difícil. Tem ferramentas, tem ainda os meios de comunicação, o grupo Clarín, tem os fundos do FMI que são muito importantes, tem a seu favor grandes empresários. Então, tem espaço para reconstruir uma épica, por isso, acho que estão indo pelo único caminho que seu próprio eleitorado acredita, que é centrar-se no discurso da qualidade democrática, da liberdade de expressão, da qualidade da República. Acontece que, muito provavelmente, pode não funcionar. Ainda assim, não nego que possa acontecer uma vitória de Mauricio Macri.  

Discursos apelativos e ilógicos nas campanhas 

Cristina é Venezuela, Alberto é Venezuela, isso que faz também Bolsonaro no Brasil, associar Lula a Chávez e Maduro. Primeiro, há uma diferença importante entre Chávez e Maduro, logo, associar Dilma Rousseff a Maduro, ou o próprio Lula, que colocaram um presidente liberal no Banco Central. 

Bom, na Argentina é outra cultural política, como sabemos. Em mais de um sentido, o governo de Cristina Kirchner é social-democrático, comparado com o de Chávez. E, particularmente, Alberto Fernández está próximo de ser como água e azeite com Maduro, em relação ao seu estilo, seu campo de alianças, seus argumentos. Alberto Fernández é um dirigente clássico peronista que quando teve que ser centro-direita, foi centro-direita, e quando teve que ser foi centro-esquerda. Hoje em dia, em seus sessenta e poucos anos, poderíamos defini-lo como centro-esquerda peronista? Poderíamos. Mas com vínculos com setores de centro-direita, porque ele sabe bem que tem que remar com todo o peronismo. 

Na Argentina é recorrente a discussão sobre o que chamam de “grieta” (divisão). O que é esse conceito de divisão política na sociedade argentina?

Há um conceito bastante a-histórico de “grieta” (divisão) e é certo que a divisão, a polarização na Argentina, quando se estuda em períodos históricos, sem irmos à etapa de conformação do país, no século XIX, mas se nos referirmos a etapas do século XX, na origem da União Cívica Radical (UCR), décadas de 10 e 20, aí houve o que se define como “grieta”. Obviamente também durante o peronismo, inclusive, em muitos casos, muito mais grave no que diz respeito à violência política, se comparado com hoje, muitíssimo mais grave. Durante o governo de Menem, essa divisão teve outro formato. Obviamente, a ditadura, a seu modo, implicou uma divisão muito dramática, sangrenta, atroz. 

Hoje, não singularizaria que vivemos uma “grieta” inédita. Esse aspecto piora quando surge um projeto que fala em redistribuição de renda, que foi o que aconteceu com os Kirchner. Houve uma tentativa de redistribuição de renda, com muitos problemas que teve o governo dos Kirchner, de limites do próprio modelo político, de corrupção, de qualidade democrática. As divisões ficam exacerbadas nesses contextos e se perde um pouco de vista a origem do assunto. Há quem se beneficie, porque há lucro ao redor da divisão. Os que mais se polarizam são os mais premiados, do ponto de vista político, nos meios de comunicação. 

Então, me parece bastante irrisório definir quem iniciou a divisão. Isso é uma pergunta vã, me parece que não tem resposta, é sonsa. As divisões nas sociedades aparecem por divisões de interesse, ideológicas, interesses de culturas, e é isso o que acontece. Em todo caso, nos casos de Macri e do kirchnerismo, está em ambos o mérito de ter sabido interpretar esses tipos de eleitorado. Mas não diria que são responsáveis, nenhum dos dois é responsável pela divisão. 

Escutei recentemente uma entrevista sua para uma emissora de rádio, em que você menciona sobre o uso do termo fascismo, diferente de como poderia ser pensado no Brasil atual, que na Argentina é usado de forma sinistra. Como é esse uso do termo fascismo na Argentina?

Tenho respeito pela gravidade dos termos, nazismo, fascismo, ditadura. Foram marcos históricos que possuem determinadas características, no caso do fascismo, pontualmente, de luta de classes, de defesa de um modo do capitalismo, do uso gritante do Estado para amedrontar a oposição, para aniquilar a oposição. Por isso, bom, o nazismo é uma forma de fascismo e a Argentina teve ditaduras de estilo nazi. Portanto, em uma era democrática, é totalmente sem sentido, mesmo onde há excessos autoritários na cultura política, pois há forças de segurança pública muito preocupantes, desde os usos que violam direitos humanos, ainda assim continua sendo um abismo em relação ao que aconteceu na ditadura. 

A Argentina é uma democracia em muitos aspectos, de muita discussão, de muita participação social. Então o abuso dessa qualificação é totalmente inapropriada, inclusive, a oposição a Macri, oposição de esquerda, sai às ruas e diz, “Macri lixo você é a ditadura” (“Macri basura vos sos la ditadura”, em espanhol a frase rima dando música e grito de protesto). Na realidade, o que definiu a ditadura foi que saíram a sequestrar de noite, colocaram o Estado para fazê-lo e legitimar, durante oito anos. Isso define a ditadura, ter sequestrado toda a dissidência política e desapareceram 30 mil pessoas.  

No caso de Mauricio Macri, há uma mirada econômica parecida, tem uma mirada histórica parecida a alguns intelectuais da ditadura, tem uma mirada mais complacente sobre a ditadura, se poderia dizer, sem aprová-la e sem promovê-la. Na prática é um governo eleito pelo voto popular, que, mais ou menos, com seus vícios autoritários graves, respeita as normas do jogo. Agora, provavelmente, percam as eleições. Isso em uma ditadura não acontece. 

Do mesmo modo hoje existe no macrismo a tendência em dizer que o que está em jogo é a democracia, é a República, e que o peronismo é fascismo. Isso que é um disparate total. Não comparto esses excessos do discurso público, porque são nefastos. Porque, justamente, o que aconteceu na ditadura, no nazismo e no fascismo é gravíssimo. 

No caso do Brasil, é outro capítulo, lamentavelmente, ali sim há uma promoção do discurso de ódio ativo por parte do Estado na voz do presidente, há ameaças às minorias dito da boca do presidente, há práticas totalitárias, que, se bem hoje em dia há resguardos importantes que não o assemelham à era de Mussolini, digamos, mas sim há indícios para pelo menos dizer que vai em caminho a, ou é uma instância de fascismo, o que é realmente muito preocupante.      

Maira Vasconcelos

Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).

1 Comentário

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  1. A única coisa que o entrevistado não diz é que Macri deixará a Argentina de quatro perante o FMI, que levará a um enfrentamento do povo argentino com a realidade que ainda não se deu conta, ou rompe com todo o sistema ou simplesmente se curva perante ele. A primeira hipóteses é incerta e pode levar ao caos ou a redenção, a segunda hipótese levará a miséria pior da que aconteceu antes da era Kirchner, algo como a Grécia que passou de 354 bilhões em 2008 para 200 bilhões em 2018, ou seja, encolheu em torno de 43% em dez anos e continua com a miséria e a dívida.

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