Maria Inês Nassif e as mudanças no Incra

(Atualizado em 10 de março, às 12h40)

Do Valor

Controle conservador sobre a reforma agrária

Maria Inês Nassif
10/03/2011

A forma como a estrutura burocrática de reforma agrária foi concebida, desde a criação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) pela ditadura militar (1964-1985), é a antítese do que se entende por política pública. A excessiva autonomia das superintendências regionais, e o avanço de grupos políticos sobre elas depois da redemocratização, tiraram do governo federal qualquer capacidade de formular e executar políticas nessa área. O superintendente nacional do Incra não consegue, via de regra, penetrar nos redutos políticos que tornaram a questão agrária um negócio entre amigos em alguns Estados, em especial nas fronteiras agrícolas, onde o interesse econômico incentiva um clima permanente de conflito. É impossível controlar políticas e evitar desvios numa estrutura como essa.

Segundo reportagem de Roldão Arruda publicada no jornal “O Estado de S. Paulo”, na edição de ontem, o governo Dilma Rousseff estuda formas de aumentar o controle sobre as superintendências regionais do Incra. Isso pode encontrar resistências corporativas de funcionários do instituto, que atuam na ponta burocrática, e de setores que detém o controle regional da política agrária nos Estados em que a pressão por indicação do superintendente tende a favorecer grupos interessados em legitimar a ocupação de terras públicas ou de áreas de preservação ambiental. Aliás, nessas regiões, a questão ambiental e a agrária andam tão próximas que é impossível elaborar uma política de meio ambiente eficaz sem resolver com muita clareza o problema de titularidade da terra. 

AqueA questão tende a ser mais polêmica porque faz parte de um plano amplo de reestruturação, que poderá transferir parte das atribuições do Incra para o Ministério do Desenvolvimento Social, articulando-as com a segunda fase do programa de combate à fome. Nesse caso, tendem a reagir os setores ligados à reforma agrária, que não têm nenhum interesse em despolitizar esse debate. A luta pela terra, para os movimentos sociais, é em si uma questão política. Negar isso seria retirar o conteúdo classista do embate pela distribuição da terra concentrada em mãos de grandes proprietários e pela primazia da pequena propriedade na distribuição das terras em poder do Estado. Seria jogar para o Ministério do Desenvolvimento Social, que atua na área de políticas compensatórias (não se pode dizer que meramente sociais, mas menos politizadas), funções que hoje estão sob a responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento Agrário. A criação do MDA, se não representou, de fato, a valorização da política de distribuição de terras, ao menos simbolicamente marcou um território para as lutas camponesas, em contraposição a um Ministério da Agricultura que historicamente tem privilegiado a grande propriedade.

Ainda assim, o controle do governo federal sobre as superintendências regionais do Incra é um ganho para os movimentos sociais. Desde a redemocratização, os setores conservadores ligados à terra – no caso brasileiro, à grande propriedade – literalmente aparelharam o Ministério da Agricultura. Isso aconteceu também nos governos do petista Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006 e 2007-2010). Paralelamente, o PMDB, que foi da base do governo também nos governos anteriores, do tucano Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 2 1999-2002), manteve o controle sobre superintendências estratégicas do Incra, como a do Pará e do Mato Grosso do Sul. Nos Estados onde aliados conservadores dominam a estrutura regional do Incra, as superintendências são impenetráveis para os movimentos sociais que militam pela reforma agrária.

Assim, os setores ligados à grande propriedade, nos últimos governos, mantiveram a faca e o queijo na mão. De um lado, tinham controle inconteste sobre as decisões do Ministério da Agricultura. De outro, no Ministério do Desenvolvimento Agrário, teoricamente território dos movimentos sociais, mantiveram o poder de decisão sobre a execução da reforma agrária, valendo-se de posições nas superintendências do Incra em fronteiras agrícolas, áreas onde a luta pela terra – na sua acepção política – é mais literalmente sangrenta no país.

Esse diagnóstico era mais do que evidente no governo de Lula, mas a base governista era menor. O ex-presidente, além de ter vocação para a gestão por conflito, tinha uma dependência maior do PMDB do que tem hoje a presidenta Dilma Rousseff. Uma base mais ampla no Congresso dá alguns confortos, inclusive a de bancar mudanças administrativas que não interessam a banda direita do governo de coalizão. No caso do Pará, talvez o mais crítico, facilita também o afastamento do chefe pemedebista Jader Barbalho, cuja eleição para o Senado foi impugnada pela Justiça Eleitoral.

As superintendências regionais do Incra, portanto, não se situam numa mera disputa partidária entre o PT e o PMDB, não simplesmente um mero desejo de consumo da fisiologia. A disputa é política, onde estão em jogo um enorme poder da bancada ruralista no Ministério da Agricultura, de um lado, e do outro o poder final de veto sobre políticas de reforma agrária pela ocupação de superintendências por setores ligados aos interesses das grandes propriedades. A disputa por cargos de segundo escalão pode se dar no campo da fisiologia, mas tem enorme repercussão no conjunto das políticas públicas.

Maria Inês Nassif é repórter especial de Política. Escreve às quintas-feiras

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Por Rui Daher

Aproveito para adicionar nota que publiquei, em 15/02, no Terra Magazine:

INCRA

Outro leitor chama a atenção para suposto processo de sucateamento funcional e de recursos humanos no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.

Segundo ele, “o INCRA deveria ser considerado um órgão que regularizasse terras, controlasse a aquisição delas pelos estrangeiros, e fiscalizasse a sua ocupação e o seu aproveitamento (…) sua missão não pode mais se basear apenas na questão da reforma agrária (…) colonizar já ficou no passado. O aproveitamento da terra da reforma agrária, de forma sustentável, deve ser um dos objetivos desse Instituto”.

De fato, há fortes indícios de êxodo de profissionais qualificados do Instituto em direção da iniciativa privada e de concursos para outros órgãos públicos.

O fato é corroborado pela Confederação das Associações dos Servidores do INCRA (CNASI), no “Diagnóstico”, realizado em julho de 2010, e que pode ser lido emcnasilutas.wordpress.com


Luis Nassif

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