Militares debatiam AI-5 cinco meses antes

 

Do Última Instância

AI-5 já era debatido cinco meses antes, opondo Costa e Silva e o futuro presidente Médici

Então chefe do SNI e futuro presidente, Médici defendia medidas de exceção antes do discurso de Moreira Alves; os ministros civis Gama e Silva (Justiça) e Antonio Delfim Netto (Fazenda) também apoiavam

Vitor Sion, do Opera Mundi

O dia 13 de dezembro entrou para a história do Brasil há 45 anos com a implementação do Ato Institucional nº 5. Diferentemente do que se pode imaginar, no entanto, o símbolo do endurecimento da ditadura militar brasileira não foi uma medida intempestiva ou revanchista do presidente Arthur da Costa e Silva (1967-1969) contra o Congresso, pelo veto à abertura de processo contra o deputado opositor Márcio Moreira Alves.

A narrativa mais tradicional desse período da história diz que o ato foi uma resposta à resistência da Câmara em processar Moreira Alves, que defendera, meses antes, um boicote às comemorações de Sete de Setembro. “Seria necessário que cada pai, cada mãe, se compenetrasse de que a presença dos seus filhos nesse desfile é o auxílio aos carrascos que os espancam e os metralham nas ruas”, disse o deputado na tribuna da Câmara. E, num trecho que ficou famoso: “Aquelas que dançam com cadetes e namoram jovens oficiais. Seria preciso fazer hoje, no Brasil, que as mulheres de 1968 repetissem as paulistas da Guerra dos Emboabas e recusassem a entrada à porta de sua casa àqueles que vilipendiam-nas.”

Leia aqui a íntegra dos discursos emblemáticos de Moreira Alves antes do AI-5

Mas o documento que fechou o Poder Legislativo, extinguiu o habeas corpus e autorizou a censura à imprensa já estava pronto muito antes do discurso de Moreira Alves e, inicialmente, tinha conteúdo ainda mais repressivo do que o aprovado por Costa e Silva.

Desde julho de 1968, a cúpula civil e militar do governo discutia o recrudescimento da legislação de exceção (“revolucionária”, conforme o discurso oficial) para evitar o sucesso daquilo que chamavam “contrarrevolução”. O país vivia, desde a morte do estudante Edson Luís, no restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro, em março, uma grande onda de manifestações, que ao mesmo tempo se antecipou e se alimentou do mítico Maio de 1968 francês.

Em duas reuniões, nos dias 11 e 16 de julho de 1968, os integrantes do Conselho de Segurança Nacional foram chamados por Costa e Silva a opinar sobre o conteúdo de uma nova medida, que teria o objetivo de interferir na cobertura da imprensa e conter a subversão.

Agência Estado

Imagem da reunião comandada por Costa e Silva em julho de 1968

As discussões foram marcadas pela divergência entre dois presidentes do Brasil: Costa e Silva e o então chefe do SNI (Serviço Nacional de Informações), Emilio Garrastazu Médici. Já no início do primeiro encontro, registrado na ata da reunião, Costa e Silva faz um alerta aos seus conselheiros:

Costa e Silva: O documento que os senhores membros do Conselho de Segurança Nacional têm em mãos é de caráter ultrassecreto, de modo que deve ser manuseado com a devida cautela…

Ministro dos Transportes [coronel Mario Andreazza, que em 1984 tentaria disputar a Presidência da República pelo PDS, perdendo a convenção do partido governista para Paulo Maluf]: Ele será recolhido?

Costa e Silva: Será recolhido como precaução, no entanto, se algum Ministro desejar uma leitura mais demorada, o fará sob essa condição de ultrassecreto. Este documento é uma análise feita à luz de informações positivas, muito bem estudadas e triadas, que levam conclusões, embora não devamos entender que haja algo alarmante.

Ao retomar a discussão cinco dias depois, o presidente foi ainda mais claro em suas palavras. “Nós estamos aqui justamente para decidir se o momento impõe medida de exceção ou não.”

A posição de Médici era a de que se tornava necessário tomar, “sem tardança, medidas concretas de segurança, agindo energicamente contra os elementos que ameaçam a integridade do governo e causam desassossego popular”. De acordo com o então chefe do SNI, o Brasil vivia uma guerra devido à “tentativa de conquista do poder por forças subversivas”, algo que “não é exclusivo de nosso país”.

O voto de Médici — favorável ao AI-5 já em julho de 1968 — foi acompanhado por outros seis conselheiros, sendo a fala do ministro da Aeronáutica, Marcio de Souza e Mello, aquela que mais claramente caracterizou os objetivos dessa ala do governo. “Falta uma regulamentação ou uma legislação subsidiária que, ao invés de obrigar o Estado a provar que o indivíduo transgrediu essas leis ou violou os princípios fundamentais, atue sob o efeito do delito flagrante, atribuindo-se ao indivíduo provar que não transgrediu e não um processo em que o Estado tem de ir colher provas para levar a julgamento, com toda aquela série de recursos protelatórios que prejudicam os resultados.”

A defesa pela implementação do AI-5 já em julho de 1968 não foi feita exclusivamente pelos ministros militares, como parte da imprensa noticia até hoje. Luiz Antonio da Gama e Silva (Justiça), Antonio Delfim Netto (Fazenda) e Ivo Arzua Pereira (Agricultura) também apoiaram a criação de um Ato Institucional cinco meses antes do que realizado por Costa e Silva.

Dentre as falas desses três conselheiros, a que chama mais atenção é a de Gama e Silva, com duras críticas ao Poder Judiciário (“Lá encontramos inimigos figadais da Revolução, que são contra nós, que no momento oportuno de lá não foram afastados como deveriam ter sido”) e a defesa aberta da censura à imprensa. Gama e Silva conclui: “O que nós sentimos, Senhor Presidente, é que toda essa legislação que está aí é insuficiente. […] Essa legislação não nos dá os elementos necessários para que possamos restaurar os princípios e os propósitos da Revolução. […] Não vejo outro remédio se não retornarmos às origens da Revolução e, através de um Ato Adicional à atual Constituição, darmos, ao Poder Executivo, os meios necessários para salvar a Revolução e com ela a felicidade, o bem-estar do nosso povo e a democracia pela qual nos batemos.”

Apesar de o AI-5 ter representado o endurecimento da ditadura brasileira, a proposta apresentada em julho era ainda mais restritiva. De acordo com o jornalista Carlos Chagas, no livro A Guerra das Estrelas (1964/1984) – os bastidores das sucessões presidenciais, o ministro da Justiça queria, além do fechamento do Congresso e da censura à imprensa, o afastamento de todos os governadores e o recesso do STF (Supremo Tribunal Federal).

Na votação terminada em 16 de julho de 1968, o AI-5 perdeu por 11 a 7, com as abstenções de Tarso de Moraes Dutra (Educação), Leonel Tavares Miranda (Saúde), Afonso Augusto de Albuquerque Lima (Interior) e José Moreia Maia (Chefe do Estado-Maior da Armada), que deram seus pareceres sem indicar um posicionamento.

Apesar da “derrota” do Ato Institucional, o presidente Costa e Silva deixou claro que a votação era apenas simbólica. “Não costumo fazer e não farei votações para obter maioria. Quero ouvir cada um e então sofrerei sozinho o ônus da decisão.”

Reprodução

Transcrição da fala de Costa e Silva em 16 de julho, pedindo que imprensa não soubesse da possibilidade de nova medida de exceção

Ao anunciar que nenhuma medida de exceção seria tomada ao final da reunião dupla, Costa e Silva argumentou: “Entendo, como revolucionário, que qualquer ato fora da Constituição, no momento, será uma precipitação. Será, como se diz, um avanço no escuro sem necessidade. […] O Governo resolve não adotar, de momento, qualquer medida excepcional para a contenção de uma subversão, que nós sentimos em marcha, mas que não poderá jamais atingir os seus objetivos, porque o Governo, conscientemente, honestamente, sente que ainda tem ao seu lado o povo do Brasil.”

Posteriormente, o presidente fez uma observação específica sobre a relação de seu governo com a imprensa. “Alguns elementos do governo, que têm trânsito livre em algumas empresas [de comunicação], podem procurar convencer esses homens [diretores de jornais], mas jamais o faremos pela força, jamais ordenaremos faça isso, aquilo ou aquilo outro, pois seria proporcionar os elementos que tanto eles querem e desejam para dizer que isto é uma ditadura. Não demos até hoje este motivo nem esses elementos, e não o daremos.”

No final das contas, Costa e Silva acabou cedendo e instituiu o AI-5 há exatos 45 anos. Na mesma noite, censores entraram em ação e os jornais passaram a ser apreendidos e o Congresso, fechado.

Redação

3 Comentários

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  1. Esse trecho diz tudo:

    Esse trecho diz tudo:

     “…sendo a fala do ministro da Aeronáutica, Marcio de Souza e Mello, aquela que mais claramente caracterizou os objetivos dessa ala do governo. “Falta uma regulamentação ou uma legislação subsidiária que, ao invés de obrigar o Estado a provar que o indivíduo transgrediu essas leis ou violou os princípios fundamentais, atue sob o efeito do delito flagrante, atribuindo-se ao indivíduo provar que não transgrediu e não um processo em que o Estado tem de ir colher provas para levar a julgamento, com toda aquela série de recursos protelatórios que prejudicam os resultados.”

    1. CAMINHO SEGUIDO NO MENTIRÃO

      No julgamento do MENTIRÃO, os ministros justiceiros se esquereceram de nossa Constituição e decidiram conforme proposta do então Ministro da Aeronáutica para o famoso AI 5: OS ACUSADOS TÊM QUE PROVAR SUA INOCÊNCIA.

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