Almino Affonso: Crise política do governo Jango levou Brasil ao matadouro

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Nacho Lemus

Jornal GGN – No final da tarde do último dia 28, Almino Affonso abriu as portas de sua casa no bairro Alto de Pinheiros, em São Paulo, para receber a equipe do Jornal GGN e o jornalista Luis Nassif. Nas mãos, Almino carregava a primeira versão impressa que lhe entregaram do livro 1964: Na visão do ministro do Trabalho de João Goulart, obra que o ex-deputado federal lança no dia 31 de março, exatamente 50 anos após o golpe militar.

Nas mais de 400 páginas do livro, Almino, aos 87 anos, resgata o período pré-ditatorial analisando cuidadosamente os governos Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e Jânio Quadros; se atenta ao crescer das raízes do partido mais popular da época, o PTB, berço de sua carreira política, e lista os fatores que derrubaram o governo Jango, abrindo caminho para a ditadura militar.

Sem muito esforço, o ex-ministro do Trabalho busca na memória os detalhes de momentos históricos que antecederam o golpe de 1964. E começa avaliando as circunstâncias sociais do período. “Em meados dos anos 1960, o Brasil passa a viver uma ascensão social admirável. Não sei de ter havido outra em nossa história”, diz.

A classe trabalhadora começara, na época, a organizar centros sindicais para pleitear direitos. Até mesmo estudantes e intelectuais da região urbana entraram na batalha em nome do povo explorado no campo. A reforma agrária era a meta. E, na visão de Almino, o PTB soube canalizar os anseios da população e transformar isso em bandeira política. 

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Analisando o curto período do governo Jânio, Almino destaca as “atitudes progressistas” do ex-presidente, que o levaram, por meios tortos, à renúncia. O motivo? A pressão das frentes anti-comunistas contrárias à abertura de negociação comercial com a União Soviética e China, o respeito a não intervenção em Cuba, e o combate à corrupção política com abertura de sindicâncias e divulgação dos resultados.

Até mesmo João Goulart, vice-presidente na época, não escapou de investigação por conta de um caso em que teria levado para casa “talheres de um banquete policial”, conforme revela Almino. “Isso resultou em uma carta de protesto contundente [do vide-presidente] que eu e o senador Barros Carvalho, de Pernambuco, tivemos de levar a Jânio. Ele disse: ‘Não posso aceitar isso’, e tentou devolver a carta. Eu disse: ‘Presidente, nossa tarefa está cumprida’.” 

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No poder, Jânio teve uma única derrota em plenário e, mesmo assim, sustentava que tinha dificuldade de governar e emplacar as reformas econômicas necessárias. “Aqui entra o cerne da crise que deflagra pelo menos a decisão de Jânio em efetivar a renúncia. É incrível como as coisas menores se entrelaçam. Em conversa com o [governador carioca Carlos] Lacerda, o [ministro da Justiça] Pedro D’Horta tenta ganhá-lo para a conspiração que ele e Jânio estavam fazendo para a hipótese de um golpe de Estado”, revela Almino. O objetivo era fazer mudanças nas instituições do poder e, para isso, fechar o Congresso.

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A renúncia de Jânio foi consolidada e os militares fizeram o que o ex-presidente previra, impedindo que João Goulart, vice-presidente, tomasse posse. Em meio ao caos, o Congresso começa a discutir o regime parlamentarista. “Jango tinha humildades, fazia consultas com simplicidade comovedora”, frisa Almino ao contar que foi consultado, numa madrugada em que Jango estava em Paris, sobre a alternativa. “Isso é um golpe! É uma tentativa de impedir que o senhor assuma um direito que é seu”, respondeu o então deputado. 

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Jango aceita a proposta parlamentarista, sofre a resistência de Leonel Brizola, mas faz um governo de coalizão, colocando o banqueiro Walther Moreira Salles no Ministério da Fazenda. Almino resistiu a algumas ações do dirigente, a quem hoje classifica como um “fidalgo”.

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A relação muitas vezes conflituosa entre Brizola e Jango também é destrinchada nas páginas de 1964: Na visão do ministro do Trabalho de João Goulart. “Brizola foi um grande governador, comprometido com a causa social. Em uma das revoluções gaúchas, seu pai foi degolado. Ele fez um governo avançado, com medidas de reforma agrária (…), mas lhe doía que Jango fosse o presidente, e não ele”, analisa Almino.

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A reforma agrária, pretendida pelo Estado, era um obstáculo instransponível, porque o latifúndio possuia apoio da maioria no Congresso. O mesmo se aplicava à reforma urbana, explica Almino. Nesse momento, fragiliza-se ainda mais a governabilidade de Jango, já visto por setores mais conservadores como uma ameaça comunista, provocado a buscar soluções rápidas para a crise econômica que se alastrava e para as provocações de Carlos Lacerda. Os ministros militares sugerem a instauração do estado de sítio. Jango recusa.

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Começa a discussão em torno de uma Frente Ampla Parlamentar, um grupo suprapartidário que pudesse garantir conquistas ao governo Jango. O PTB de Leonel Brizola, porém, declina a proposta e recua com a base petebista, invibializando a governabilidade do então presidente. A Frente Ampla fracassara. “Não superamos as crises econômica e social porque não superamos a crise polítca”, conclui Almino Affonso. E o Brasil caminhou “como um boi para o matadouro”.

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Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

11 Comentários

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  1. golpe de 64

     

    Graças ao golpe de 64 vivemos hoje numa democracia. Os comunistas de 64 estão ai de novo tentando acabar com essa tênue democracia que temos no Brasil. Espero que não consigam.

  2. Jango caiu no lugar de Getúlio

    A história só se repete como farsa: Jango caiu por que não conseguiram derrubar Getúlio… até hoje!

    FHC disse que a era Vargas acabou. Hahahaha! A pauta das eleições até hoje são a Petrobrás – Pasadena é um disfarce colocado pela Chevron/Serra – e as reformas de base!

    Segundo a obra citada de Almino Affonso:

    “Decidida a viagem, João Goulart, em telefonema a Darcy Ribeiro, chefe da Casa Civil, determinara várias providências dentre as quais destaco: que queria dispor do avião mais rápido da Varig, o Coronado, recém incorporado à sua frota; que comunicasse aos ministros a decisão que estava tomando e que permanecessem em Brasília, a salvo de vexames no Rio de Janeiro; e que se informasse se dona Maria Tereza e filhos já haviam chegado a São Borja. À essa altura o deputado Tancredo Neves ponderou: não seria adequado que o presidente João Goulart deixasse a capital da República, em meio às inquietações que o país estava vivendo, sem que dissesse ao povo uma palavra.

     Desde logo o presidente concordara. E nos entregamos à tarefa de redigir um manifesto: Tancredo Neves, num vai–e-vem peripatético, ditando a mensagem; eu, como datilógrafo improvisado, a dar-lhe forma. De repente, dei- -me conta de que estávamos escrevendo algo com enorme semelhança à Carta Testamento de Getúlio. Num tom provocativo, insinuei que acabara de descobrir o autor do famoso texto. Tancredo não negou a hipótese, nem a confirmou.Todo comentário se resumiu numa sonora gargalhada.”

  3. Pelo exposto acima, por sinal

    Pelo exposto acima, por sinal muito bem colocado, o responsável pelo golpe de 64 foi Leonel Brizola, que tomado pela inveja do cunhado (Brizola achava que ele é que deveria ser o presidente), negou-lhe o apoio político para a viabilização da frente ampla, acarrecando a derrocada do governo.

  4. entrevista do Almino Afonso

    Sôbre este assunto sugiro um excelente livro que li recentemente do jornalista Flavio Tavares – 1961 O GOLPE DERROTADO.

  5. O lado bom

    Nota-se que muitos comentários são a favor do regime militar que tinha por objetivo corrigir os desmandos da administração política dos grupos da época. O que se viu no novo regime foi grande avanço no País. Não havia tantos impostos e o BNH, criado pela administração militar, foi capaz de impulsionar, a custo baixíssimo, a construção de habitações em todo País. Foi aberta a Transamazônica para defender nossa soberania e estender a área de desenvolvimento, etc.. Infelizmente pessoas contrárias ao regime foram torturadas e sofreram o abuso da força no poder, o que se lamenta e se repudia. Hoje tbem sofremos com o excesso de tributos e a arrecadação, que bate recordes seguidos, não é direcionada para dar dignidade ao povo na saúde, educação, segurança, locomoção, etc..  

     

  6. Dois detalhes que me

    Dois detalhes que me impressionaram no texto:

    1 – Ele não sabe se houve outra ascenção social no Brasil como a de meados da década de 60 !!!

    Absurdo. Náo tem sequer cabimento comparar com o que estamos vendo nos últimos dez anos. Opinião que só poderia vir de São Paulo.

    2 – Só faltou dizer que a culpa da ditadura foi do Jango, Brizola e da esquerda.

    Sem comentários.

     

  7. Parabéns pelo bom trabalho

    Parabéns pelo bom trabalho jornalistico!

    Um trabalho sério, como o jornalismo ‘deveria” ser.

    A todos da equipe do GGN.

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