O aniversário do golpe e seus oportunismos, por Rodrigo de Almeida

Sugerido por Paulo F.

Do iG

O aniversário do golpe e seus oportunismos: ditadura só durou dez anos, diz historiador

Rodrigo de Almeida

Os 50 anos do golpe militar, lembrados em 2014, abriram uma saudável frente de oportunidades para acadêmicos, jornalistas, editoras e, sobretudo, para leitores e leitoras de novas e antigas gerações. Da galeria de oportunidades, no entanto, aqui e ali podem ser identificados oportunismos fáceis. Um desses casos tem nome e obra: o historiador Marco Antonio Villa e seu livro Ditadura à brasileira: 1964-1985 – A democracia golpeada à esquerda e à direita (lançado este ano pela Leya).
 
Não é de hoje que o professor da Universidade Federal de São Carlos integra a equipe de “intelectuais públicos” celebrados por parte da imprensa brasileira. Invariavelmente ele está a postos para dar seus vaticínios antiesquerdistas, antigovernistas, antilulistas. É uma posição legítima, convém dizer. Mas com o incontrolável desejo de se mostrar um porta-voz qualificado para tal missão, Villa pareceu aos poucos abandonando certo rigor acadêmico, sua memória prodigiosa e sua erudição para dedicar-se à guerrilha midiática e à polêmica fácil.
 
Nada contra os polemistas, e quem já leu Manoel Bonfim e seus textos do início do século XX sabe a importância deles.  O risco é o modelo de polêmica carimbada a que Villa se dedica.
 
Esse tipo de predileção não resulta em coisa boa. Já o fez, por exemplo, defender em artigo a tese de que o Brasil enfrenta, com o PT, a mais séria crise da história de sua democracia (!). Devido à ausência de uma oposição eficaz e a previsão de mais quatro anos do partido no poder, Villa enxergou algum tempo atrás um desabono democrático mais grave do que o regime militar, o Estado Novo de Vargas e os golpes e tentativas de golpes encontrados na história do Brasil.
 
(Mais de duas décadas de eleições livres e idôneas, liberdade de expressão e associação, pluralidade de partidos e, nos últimos anos, redução de desigualdades econômicas parecem ser indicadores pouco relevantes para guerrilheiros midiáticos como Villa.)
 

Ditadura à brasileira sucede dois livros de Marco Antonio Villa: Década perdida: 10 anos do PT no poder  eMensalão: o julgamento do maior caso de corrupção da história política brasileira. Embora trate de tema distinto dos dois anteriores – que venderam razoavelmente bem, diga-se – Ditadura à brasileira segue a mesma linhagem: o viés implacável de mostrar que ele é um respeitável antiesquerdista, e que a esquerda deve ser vista como criminosa de lesa-pátria.

Oficialmente, sua intenção poderia até ser das melhores: denunciar “falácias” que costumam impregnar as análises da história brasileira (e são muitas, sabemos), e romper o “círculo de ferro construído, ainda em 1964, pelos adversários da democracia, tanto à esquerda quanto à direita”.

Mas Villa parece exceder na dose.

O ponto mais impressionante do seu livro sobre a “ditadura à brasileira” talvez seja este: a tese de que o Brasil não teve 21 anos de ditadura no regime instalado em 1964. Apenas dez deles, sugere Villa, podem ser considerados uma ditadura, o período de vigência do Ato Institucional Nº 5 (de 13 de dezembro de 1968 a 31 de dezembro de 1978).

Seus argumentos não são desprezíveis: entre 1964 e 1968 o Congresso manteve-se aberto, assim como as assembleias legislativas e as câmaras de vereadores. Os executivos estaduais tiveram eleições e, na esfera dos municípios, excetuando-se as capitais e as cidades consideradas áreas de segurança nacional, ocorreu renovação sistemática dos prefeitos. Jornais que se colocaram no campo oposicionista denunciaram as mazelas do regime. A vida cultural brasileira produziu momentos memoráveis e críticos aos militares. O movimento estudantil ganhou relevância no mesmo período.

Os últimos seis anos do regime militar também não exibiram uma ditadura digna do nome: a Lei de Anistia e a consequente volta dos exilados ao Brasil; a vida em liberdade de Luiz Carlos Prestes, por exemplo; as eleições de 1982; e a campanha das diretas foram alguns do fatos que confirmam sua tese para o período 1979-1985. Nesse caso, ele tem razão. Mas não se pode dizer o mesmo em relação a 1964.

Uma ditadura temporária

O general Humberto de Alencar Castello Branco foi eleito pelo Congresso no dia 11 de abril, depois de um conciliábulo de governadores e generais. Prometeu “entregar, ao iniciar-se o ano de 1966, ao meu sucessor legitimamente eleito pelo povo em eleições livres, uma nação coesa”. Adiou para 1967, quando entregou uma nação dividida a um sucessor eleito por 295 pessoas.

O estrago da ditadura temporária de Castello Branco, porém, foi bem maior. Por meio da suspensão das garantias constitucionais o presidente valeu-se da prerrogativa de cassar mandatos eletivos, suspender os direitos políticos dos cidadãos e anular o direito à estabilidade dos funcionários públicos civis e militares.

Entre 1964 e 1966 cerca de 2 mil funcionários públicos foram demitidos ou aposentados compulsoriamente; 386 pessoas tiveram seus mandatos cassados e/ou viram-se com os direitos políticos suspensos por dez anos. Todos os partidos políticos existentes (incluindo sólidas legendas como PTB e PSD) foram extintos, em nome do bipartidarismo formado por Arena e MDB.

Nas Forças Armadas 421 oficiais foram punidos com a passagem compulsória para a reserva, transformando-se em mortos-vivos. Expurgaram-se 21 dos 91 generais.

Sete em cada dez confederações de trabalhadores e sindicatos com mais de 5 mil associados tiveram suas diretorias depostas.

Nos primeiros nove meses do regime morreram 20 brasileiros, número indiscutivelmente baixo nas estatísticas do golpismo latino-americano (Villa gosta de refutar comparações às ditaduras dos nossos vizinhos), porém médio para as quarteladas nacionais.

Passeata dos Cem Mil, na foto clássica de Evandro Teixeira

Passeata dos Cem Mil, na foto clássica de Evandro Teixeira

Houve crescente censura às atividades culturais. Basta lembrar que  a famosa Passeata dos Cem Mil, de junho de 1968 (uma das provas apontadas por Villa de que não vivia numa ditadura), era justamente a crescimento da censura às atividades culturais.

E a tortura. Sim, a tortura foi iniciada ainda em 1964. Pensemos, por exemplo, num de seus casos mais emblemáticos: Gregório Bezerra, líder camponês e comunista, já idoso e arrastado pelas ruas do Recife amarrado a um jipe no dia do golpe.

O fato é que os acontecimentos posteriores a 1968, quando o regime assumiu sua natureza explicitamente ditatorial, fizeram com que se desse pouca importância à natureza da violência aparecida em 1964 e à forma como ela foi enfrentada pelo governo Castello Branco. Como escreveu Elio Gaspari, ali esteve a gênese do fenômeno e, sobretudo, o surgimento de uma política de compromissos que arruinaria as instituições políticas e militares do País.

Nos anos 1970 assim denunciava o general Mourão Filho, um dos artífices do golpe de 64: “As torturas foram o molho dos inquéritos levados a efeito nos desvãos dos DOPS ou dos quartéis e toda a sociedade ficou dominada pelo medo, angústia e sofrimento. Esta onda terrível começou no governo Castello Branco, que, demasiadamente fraco, não conseguiu conter os militares”.

Quatro Atos Institucionais e nenhuma ditadura?

O AI-1 suspendeu por dez anos os direitos políticos de todos aqueles que poderiam ser considerados contrários ao regime. O ato abriu alas para ameaças de cassações, prisão, enquadramento como subversivos e expulsão do País.

O AI-2 mostrou a essência antidemocrática da moderação castelista: transferiu ao Congresso o poder de eleger o presidente e reabriu o ciclo punitivo extinto em 1964. Para a direita militar, era democracia com derrota eleitoral ou vitória sem democracia. Preferiu a segunda opção.

O AI-3 determinou como indireta a eleição de governadores e vice-governadores, executada por colégio eleitoral estadual. Prefeitos de capitais e das cidades de segurança nacional não seriam mais eleitos e sim indicados por nomeação pelos governadores.

Por fim, o AI-4 convocava o Congresso para votação e promulgação do projeto de Constituição, que revogaria definitivamente a Constituição de 1946.

Mas o historiador Marco Antonio Villa acha que a ditadura só começou mesmo com o AI-5, em dezembro de 1968.

 

Redação

6 Comentários

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  1. Mesmo que fossem exatos 10

    Mesmo que fossem exatos 10 anos , este “só” não caberia.

    Não vou dizer aqui o que acho do villa para não correr o risco deste comentário não ser publicado.

  2. Perdoem, podem até denunciar, mas….

    É muito gozado a matemática desse energúmeno do tal de “professor”.

    A derrubada do governo constitucional do Sr. Jango deu-se em 01/04/1964.

    A assunção do Presidente José Sarney se dá em 15/03/1985.

     

    Sem sofismas, sem penduricalhos, sem perfumaria, sem desculpas, sem ditabrandas, ditamoles: foi uma ditadura com escamoteações, falsas eleições (Arena e MDB) os partidos NÃO representavam grandes parcelas dos brasileiros.

     

    Durou 21 anos sim, e jogou no limbo no mínimo três gerações de brasileiros que poderiam tornar a história desse país diferente. Vade retro satanás, desconjuro, três cruz d’água benta, sai satanás, vá pró caminho do piripipiu, da ponte do funil….vai prá p……

  3. “Os últimos seis anos do

    “Os últimos seis anos do regime militar também não exibiram uma ditadura digna do nome: a Lei de Anistia e a consequente volta dos exilados ao Brasil; a vida em liberdade de Luiz Carlos Prestes, por exemplo; as eleições de 1982; e a campanha das diretas foram alguns do fatos que confirmam sua tese para o período 1979-1985. Nesse caso, ele tem razão…”

    Não! Não tem razão.

    A irreverência carioca criou um slogan logo após a unção pelo ditador Geisel de seu sucessor:”Quem tem c´… tem medo, estamos com Figueredo”. Isso dá a dimensão do problema. Numa democracia, a sucessão se faz através de eleições livres, não com canetada de general

    Como se sabe, depois de intensa campanha cercada de medo e apreensões( Anistia Ampla Geral e Irrestrita), afinal ainda vivíamos em tempos de ditadura, estava fresca na memória de todos o fim que tiveram alguns de seus contestadores, saiu a lei que anistiou os torturadores. Pela primeira vez na história do mundo, anistiou-se gente que não tinha sofrido condenações e  que se quer tinham sido  investigadas. Conseguiram isso porque vivíamos numa ditadura, no caso, os “sinceros, mas radicais” ganharam a parada.

    Como se sabe, depois de memorável campanha cercada de medo e apreensões( Diretas, Já), afinal vivíamos em tempos de ditadura e a possibilidade de um novo surto repressivo estava na memória de todos. Não esquecer a tentativa dos “sinceros, mas radicais” no caso Riocentro. Apesar da presença de milhares de cidadãos nas manifestações, a maioria parlamentar do governo ditatorial conseguiu barrar o anseio do povo. Lembrando que essa maioria foi forjada a ferro e fogo pela ditadura( Lei Falcão, etc.).

    No período houve repressão e prisão de sindicalistas( Greves do ABC), as capitais continuaram sem poder escolher seus prefeitos, os governadores inimigos foram boicotados, principalmente os eleitos no Rio,Leonel Brizola e Darcy Ribeiro e por aí vai. Também impediram que Brizola pudesse reeditar a mística do PTB de Vargas, ajudando Ivete Vargas a arrebatar a sigla. O “Pasquim” na época apelidou-a de “Pivete Vargas”, uma  alusão aos meninos que batiam  carteiras no centro do Rio. 

    É razoável dizer que o governo Figueiredo foi a fase decadente da ditadura, inclusive, porque seu titular se preocupava mais com suas pontes de safena, hérnias de disco e com seus cavalos, mas dizer que tinha acabado é muita forçação de barra. Figueiredo não tinha à mão o AI-5, mas não lhe tiraram o poder de reeditá-lo. Na época a constiuição autorgada de 1967 continuava em vigor.

    Creio que somente após a promulgação da Constituição de 88 e a eleição de Collor deu para se sentir certa segurança na volta da democracia.

    PS. “Sinceros, mas radicais” foi expressão usada por Geisel para denominar seus pares da extrema direita militar.

     

  4. Logo ele some da midia

    Daqui a pouco esse Villa cai no ostracismo, escateado por aqueles mesmos que o mantém na mídia hoje. Será realmente melancolico o fim desse intelectual. Chegará um momento em que até teremos pena dele. Mas um tonto que se acha e acha que os outros serão leais com ele no futuro… Não tarda e nós nunca mais ouviremos falar dele. Esse é o fim daqueles que não tem nada de construtivo a ensinar para a nação apesar de ter um lugar de destaque, transitório.

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