O cenário político e a intolerância, em 1963 e em 2013

Sugerido por Webster Franklin

Da Carta Maior

Intolerância insana, 50 anos depois
 
Venício Lima
 
Acontecimentos tão distintos como o ocorrido em Dallas em 1963 e os que ocorrem no Brasil em 2013, ressalvadas as diferenças, parecem ter algo em comum.
 
No final da tarde do dia 22 de novembro de 1963, me aproximei de um pequeno grupo de pessoas que ouvia incrédulo à edição extra do noticiário de um velho rádio no “Bar do Seu Crispim”, bem defronte ao Cine Villa Rica, em Ouro Preto. Foi onde e como fiquei sabendo do assassinato do presidente dos Estados Unidos, John Kennedy, nas ruas de Dallas, Texas.
 
Militante estudantil, apesar de ter apenas 18 anos, vivi intensamente o momento político, marcado pela radicalização da Guerra Fria, pelas repercussões da Revolução Cubana, pelo conturbado processo de resistência às Reformas de Base do presidente João Goulart e da ativa movimentação de opositores como Carlos Lacerda que percorriam o país – inclusive Ouro Preto – pregando abertamente o golpe de estado.

 
Cinquenta anos depois, estaríamos diante de um processo de intolerância e radicalização política que lembra os conturbados meses que se seguiram àquele novembro longínquo?
 
Dallas 1963
 
Entre as inúmeras atividades que marcam os 50 anos do assassinato de Kennedy, nos Estados Unidos, está o lançamento do livro Dallas 1963 resultado de um elaborado trabalho de reconstituição histórica realizado por Steven L. Davis e Bill Minutaglio (Editora Twelve, outubro de 2013). A preocupação dos autores não é apresentar uma nova hipótese sobre quem afinal matou o presidente. O que pretendem é reconstituir a atmosfera de intolerância que fez de Dallas a “cidade do ódio” e construiu o cenário no qual o assassinato se tornou possível.
 
Os autores iniciam sua reconstituição três anos antes (1960) e mostram como conservadores extremistas e antiliberais difundiam o ódio a Kennedy que consideravam um traidor socialista que promovia os direitos civis e estava a transformar os Estados Unidos num país comunista (sic).
 
Em entrevista concedida à jornalista Juliana Sayuri e publicada no caderno “Aliás”, do jornal O Estado de São Paulo, de domingo dia 17 de novembro [cf. http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,bem-vindos-a-dallas,1097396,0.htm], Steven L. Davis explica que esses conservadores lunáticos “não estavam à margem da sociedade, mas no centro. Líderes cívicos e poderosos eram os organizadores dessa resistência.”
 
Ele menciona especificamente dois homens de mídia: o bilionário petroleiro H. L. Hunt que controlava várias emissoras de rádio e Ted Dealey, herdeiro e editor do Dallas Morning News, “o mais influente jornal no sul do país”. Também o pastor W. A. Criswell, líder espiritual da maior igreja batista dos EUA, dentre outros. A ação desses “lideres” acaba por criar “uma atmosfera insana” condutora de ações violentas e culmina com o assassinato de Kennedy.
 
Perguntado se “há uma cidade raivosa como Dallas atualmente nos EUA?”, Steven responde: “Não há uma cidade em particular. Na verdade, esse sentimento de ódio que nós vimos começar, dominar e explodir em Dallas agora se espalhou nacionalmente. Está em todos os lugares do país”.
 
Brasil 2013 
 
O 15 novembro de 2013 – dia em que se celebraram os 124 anos de Proclamação da República – certamente ficará marcado na história política do nosso país pela prisão midiática dos réus condenados pela Ação Penal 470.
 
Os questionáveis deslocamentos, de São Paulo para Belo Horizonte e, depois, para Brasília foram cobertos ao vivo, ao longo do dia e da noite, pela mesma grande mídia que criou a atmosfera que ajudou a condená-los e contribui para transformá-los em figuras de escárnio público para boa parte da população, independentemente de serem culpados ou não.
 
Escrevendo sobre os efeitos políticos do julgamento da Ação Penal 470, Renato Janine Ribeiro afirma:
 
“Um segundo resultado (…) foi converter nossa disputa política em guerra. É básico para qualquer analista político que a democracia se distingue dos outros regimes porque nela há adversários e não inimigos. Ela não é guerra. A democracia é o único regime no qual a divergência é admitida, e a oposição – que ao longo de milhares de anos foi presa, banida, executada com requintes de crueldade – tem o direito de falar, e de tornar-se governo. Mas desde o mensalão o que temos é um estado de guerra inscrito no espaço político, substituindo o debate pelo ódio” [cf. “A prisão dos condenados” in http://www.valor.com.br/politica/3340990/prisao-dos-condenados#ixzz2l0Ok2JVU].
 
Pode haver alguma dúvida de que as ações emanadas do STF, conduzidas pela Polícia Federal e “celebradas” pela grande mídia no último dia 15, em nada contribuíram para amenizar “a guerra” em que vem se transformando o processo político brasileiro?
 
E o futuro?
 
Para um dos autores do Dallas 1963, como já dito, “o sentimento de ódio que nós vimos começar, dominar e explodir em Dallas agora se espalhou nacionalmente. Está em todos os lugares do país”. Vale dizer, 50 anos depois, os Estados Unidos estariam a viver a mesma atmosfera que levou ao assassinato de Kennedy.
 
Acontecimentos tão distintos como o ocorrido em Dallas em 1963 e os que ocorrem no Brasil em 2013, ressalvadas as enormes diferenças históricas, todavia, parecem ter algo em comum: o clima político não democrático de intolerância, de ódio, de recusa a ouvir o outro, de defesa intransigente de interesses privados e total desprezo pelo interesse público.
 
A questão que fica é: a quem e a quais interesses serve a intolerância insana, esteja ela nos Estados Unidos ou no Brasil?
 
A ver.
(*) Venício A. de Lima é jornalista e sociólogo, professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado), pesquisador do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros (Cerbras) da UFMG e organizador/autor com Juarez Guimarães de Liberdade de Expressão: as várias faces de um desafio; Paulus, 2013; entre outros livros.
Redação

7 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Perfeito o artigo. De

    Perfeito o artigo. De craque.

    Tentando responder a pergunta final: serve aos defensores de privilégios e aos opositores dos Direitos Sociais; aos antissociais e inocentes úteis de um modo geral. Enfim, os golpistas de sempre.

    Há muito tempo que não consigo acessar o site da Carta Maior; com nenhum navegador.

  2. Tolerância/Intolerância

    Por falar nisso, alguém dá notícias do noticiário a respeito da gang dos fiscais de São Paulo? Parece que nunca existiu. Os jornais aproveitaram as prisões para jogar para debaixo do tapete Alstom, os fiscais do Serra, a Privataria Tucana eles nunca tiraram debaixo do tapete. Pronto, basta uma notícia bem trabalhada sobre o PT para tudo que é tucano virar probo.

    1. Malu
      Tudo que é Tucano é

      Malu

      Tudo que é Tucano é probo, é honrado até a raiz do cabelo (Henner preto, claro), vc não sabia?

      No Brasil vale a regra dos 4 Ps. Pobre, preto pu.. e petista (3) para pagarem todas as contas dos 500 anos de existência.

      O resto é do bem. São competentíssimos: todos PHDs, Decanos, “Harvard men”, “Chicago Boys”, Letrados, da Academia, e Excelentes Políticos associados aos Melhores  Gestores do Mundo, que irão tirar o Brasil das mãos da Dilma, do Lula e do Mantega.

  3. Uma crônica que anuncía uma inconsequente tragédia.

    A crônica do sociólogo Venício A. de Lima, vem alertar-nos, em tempo, do que poderá ocorrer, se a sociedade civil ordeira e cumpridora das leis, ficar mais uma vez, silenciosa e calada, diante desta aberração, cometida pela mais alta Côrte de justiça brasileira, e aplaudida pelas direitas, oposições e amplificada pelo PIG.

    Lembro-me tambem, do ano de 1963, e aqui mesmo no Brasil, quando pelo escessivo medo de nossa despolitizada sociedade, de um regime comunista, vir a ser implantado no Brasil, deixamos que a direita aliasse-se aos militares, fizesse o que fizeram.

    Não há efetivamente as mesmas condições objetivas, no Brasil atual, de ocorrer as mesmas transformações, porem que existe uma minoria, que aposta e torce por isto, ah, isto há.

  4. O protagonismo de um STF

    O protagonismo de um STF liderado pela insanidade ególatra do Barbosa e do pig já era mais que esperado. Mas contar com a cúmplicidade do ministério da justiça, do PT(?)

    Isso mostra de forma clara como a máquina do estado está totalmente fora do controle da esquerda

  5. Quintas Colunas

    Perfeita a analise do Venicio, e acrescento

    Sem qualquer ideologias, embora todos sabemos que  o que está em jogo, é a luta pelo Poder, venho acrescentar que, em toda a historia, seja a ocorrida em Dallas em 1963 e no Brasil em 2013, têm entre sí, o mais pernicioso evento, qual seja – a possível eclosão dos Ovos da Serpente!

    Quando o PT assumiu o governo, tivemos um distanciamento da órbita dos EE:UU, e para eles, e os quintas colunas nacionais, isto está atravessado na garganta!

     O alinhamento, ou aviltamento, ocorrido no governo anterior (FHC), era explicito, ao ponto de ficar registrado como “Politica Externa de Tirar os Sapatos”!!!! 

    O julgamento da Ação Penal 470, vem somente dividir o Pais, e para nossa desgraça, estamos dando munição aos oportunistas que somente querem nos “dividir para governar/saquear”!!!!!

    O futuro me parece nebuloso, e se me permitem um aviso, digo-lhes:

    Estamos todos no mesmo barco, e aos náufragos, não haverá salvação!!!!! 

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador