O Fantasma do Golpe Perfeito, por Jair Pinheiro

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Foto – Sputinik

O Fantasma do Golpe Perfeito

por Jair Pinheiro

“Corte alinhada com Maduro assumiu funções do Congresso”, é a manchete do UOL hoje, 01/14/17, data adequada para a pós-verdade. De um só golpe a manchete difunde a ideia de que dois pilares básicos da democracia foram atacados: o rompimento da divisão dos poderes e a usurpação da independência do judiciário e, imediatamente, a falsa notícia é disseminada por toda América Latina, curiosamente sem citar fontes venezuelanas.

Aos fatos, pois! Dois deputados oposicionistas a Maduro vinham sendo investigados por crime eleitoral, desde as eleições de 2015. Terminado o processo, o TSJ – Tribunal Supremo de Justicia, após responsabilizá-los, determinou à Assembleia Nacional as providências para a cessação do mandato. Ante a recusa da AN de cumprir a ordem judicial, o tribunal tomou para si, o que a lei venezuelana permite, as funções estritamente vinculadas ao cumprimento da ordem judicial, preservando as prerrogativas do legislativo. Em seguida, num movimento aparentemente coordenado, diversos líderes oposicionistas deixaram o país em direção a diferentes países (Colômbia, Panamá, México, EUA e Espanha).

Enfim, está montada a cena do golpe perfeito: as manchetes insinuam uma dissolução do legislativo que não houve, os comentários dos mal-denominados especialistas e de âncoras celebridades ratificam e o movimento de líderes oposicionistas deixando o país, e dando entrevistas no aeroporto pedindo apoio internacional, confirmam: rompeu-se a ordem constitucional no país vizinho.

Na sequência, as manchetes reiteram o que parece ser um desdobramento natural: “Argentina pede reunião do Mercosul para discutir crise venezuelana”, “Brasil (não é piada) pede suspensão da Venezuela do Mercosul”, “Peru pede retirada de embaixador venezuelano”. Portanto, no plano discursivo vai se criando o isolamento internacional do país vizinho, na expectativa de que tal isolamento se concretize, um dos quesitos normalmente aceitos pelos bem-pensantes senhores que se arrogam o papel de representantes da comunidade internacional para justificar a intervenção imperialista contra governos que se opõem ao império.

A esta altura já estamos muito distantes dos fatos, mas estes nunca tiveram importância mesmo, a não ser como referência a ser superficial e maliciosamente aludida para criar a ilusão reconfortante de que se está restabelecendo a ordem constitucional, quando, o que se visa de fato, é alterá-la. É neste contexto de manobra alusão/ilusão que a imprensa informa como algo excepcional e não prerrogativa do cargo, que a fiscal geral (equivalente a procurador geral da república) Luisa Ortega Díaz considera inconstitucional as sentenças de número 155 e 156 e pede a revisão à Sala Constitucional do TSJ (equivalente ao nosso STF na função, mas melhor na execução) a anulação. Passados poucos minutos da meia-noite, Maduro anuncia deliberação do Conselho de Defesa da Nação de, entre outras coisas, “Exhortar al Tribunal Supremo de Justicia a revisar las decisiones 155 y 156, con el propósito de mantener la estabilidad institucional y el equilibrio de Poderes, mediante los recursos contemplados en el ordenamiento jurídico venezolano.”

Oportuno registrar que, em seu pronunciamento, Maduro cita a anulação pela corte suprema do plebiscito na Colômbia para ratificar o acordo de paz com as FARC, medida de grande gravidade por anular o voto popular, sem que nenhuma agência multilateral ou liderança regional tenha proposto intervenção no país vizinho, o que, a seu ver, está correto, pois trata-se de problema interno do povo colombiano.

Cumpre anotar que o Conselho de Defesa Nacional tem sua existência estabelecida pelo artigo 323 da Constituição venezuelana e é composto pelo presidente da república, que o preside, o vice-presidente, o presidente da AN, o presidente do TSJ, o presidente do Conselho Moral Republicano (órgão sem equivalência no sistema brasileiro) e os ministros dos setores de defesa, segurança interna, relações exteriores, planejamento e outros cuja participação se considere pertinente. Portanto, a ordem constitucional está preservada segundo disposições e instrumentos estabelecidos, algo bem distante das medidas de exceção que se vão tornado rotina no Brasil. Entretanto, não será surpresa se este desdobramento constitucionalmente previsto for anunciado pela imprensa brasileira como vitória da oposição venezuelana e resultado da pressão internacional.
 

Jair Pinheiro – Professor do depto. de ciência política da UNESP/Marília

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

17 Comentários

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  1. Em 1968, a recusa do

    Em 1968, a recusa do Congresso em autorizar que um deputado fosse processado, deflagrou o AI-5.

    Estamos presenciando o mesmo na Venezuela.

    Diga não ao AI-5 da Venezuela.

    1. Absolutamente NADA A VER, em

      Absolutamente NADA A VER, em dezembro de 1968 o regime militar já dominava o Brasil antes do AI-5 e o ato foi a FAVOR do Governo e por ele decretado. Quem implantaria o AI-5 na Venezuela?

      1. Venezuela

        Parabéns, André, por tentar por um pouco as coisas no lugar neste blog que é, infelizmente, apenas o “sinal trocado” da informação mal intencionada da media majoritária. A ideia, aqui, é combater a mentira dos meios de comunicação tradicionais com mentiras do “outro lado”. Dá pena ver no que o Nassif se transformou!

  2. A plutocracia e a máquina de

    A plutocracia e a máquina de guerra imperial estão preparando a tomada do poder na Venezuela. Paraguai, Argentina e Brasil já estão dominados. Sem mobilização da população, não haverá futuro para a América Latina.  

    1. Não há nenhum indicio, nem

      Não há nenhum indicio, nem remoto, de invasão militar da Venezuela por outro Pais e a oposição se queixa que nenhum Pais a apoia DE FATO, so retoricamente, não há nenhum FATOR EXTERNO a ameaçar o regime Maduro na Venezuela.

    2. Não creio em intervenção

      Não creio em intervenção armada. Acredito que algum tipo de golpe do tipo sabotador, ou alguma revolução colorida acontecerá por lá.

      Os golpes planejados pelos EUA se sofisticaram muito e envolvem múltiplos fatores e técnicas difusas.

    1. Sonho

      No Brasil não há como um presidente fechar o Congresso . Nem o Lula no auge do seu prestígio conseguiria. De mais a mais , Dilma e Lula acreditam que a ditadura de esquerda, tanto quanto a de direita não é o melhor para o Brasil.Somos uma democracia – mesmo que capenga- com forças institucionais que desestimulam tais arroubos.  

    2. FIco imaginando essa gente

      FIco imaginando essa gente com poder na mão em que tipo de ditadura nos jogariam?

      Ainda bem que nossas instituições foram suficientemente fortes para aguentar 13 anos de PT e sua ideologia totalitária.

  3. Fatos?

    “Aos fatos, pois! Dois deputados oposicionistas a Maduro vinham sendo investigados por crime eleitoral, desde as eleições de 2015. Terminado o processo, o TSJ – Tribunal Supremo de Justicia, após responsabilizá-los, determinou à Assembleia Nacional as providências para a cessação do mandato.”

    Os fatos?  Interesses políticos  ideológicos  se sobrepõem e a verdade nunca emerge na realidade dos fatos. A política é nobre e só.

  4. Curiosamente nem Cuba está

    Curiosamente nem Cuba está defendendo o regime venezuelano. Acima de ideologia há um fator que se chama “eficiencia

    operacional de governo”, teste pelo qual não passa Maduro mas passa o regime da Coreia do Norte.

    A Venezuela tem a MAIOR reserva de petroleo do planeta, 579 bilhões de barris, como pode não ter pasta de dente?

    1. pasta de dente

      Terá sido porque a Venezuela vive sob tentativa de golpe desde Chaves?

      Será que “la derecha”, alinhada com o governo do North, e partidária da segregação por castas (igualmente a de um grande pais do sul) sacaneia o povo e o governo do povo de todas as formas, dioturnamente?

      Cuba também não defendeu Dilma, a despeito dos médicos cubanos já devidamente repatriados e de Mariel.

      Como iria fazê-lo? Seria com propaganda no intervalo do jornal nacional?

       

       

  5. situação atual da Venezuela

    Por que, a matéria veiculada aqui no GGN, parece tão contraditória com o tom e o conteúdo de reportagem de Carta Capital sobre os acontecimentos atuais na Venezuela?

  6. Novamente, a propaganda

    Novamente, a propaganda midiática se volta contra qualquer coisa que remeta ou faça menção à esqueda.

    Não adianta: a imprensa brasileira vai na onda do resto da mídia ocidental e sempre conotará algo negativo a respeito do governo de Maduro e nunca contará a história completa.

    Com Chavez foi assim e não há qualquer vislumbre de que isso mude.

  7. Se não é o André Araujo

    Se não é o André Araujo tentar por ordem, a bolha do Nassif vira um sanatório.

    A gente lê cada coisa aqui que não pode ser de pessoas normais.

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