O progressismo latino-americano e a nova conjuntura mundial, por Lucas dos Santos Ferreira

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por Lucas Dos Santos Ferreira

O PROGRESSISMO LATINO-AMERICANO E NOVA CONJUNTURA MUNDIAL

I

 A ofensiva conservadora comandada por Ronald Reagan e Margareth Thatcher nos anos 1980 potencializou o desgaste do ideário desenvolvimentista que se espraiou pela América Latina sobretudo a partir da década de 1930 (Cardenas, Vargas, Perón, etc.). A imposição de crises das dívidas públicas, juntamente com a debacle do socialismo soviético, garantiu aos setores conservadores latino-americanos as condições necessárias para a implantação do neoliberalismo de forma mais radical que no centro dinâmico capitalista.

Empresas rentáveis foram privatizadas (CVRD, USIMINAS, TELEBRÁS, YPF, COMIBOL, etc.), barreiras alfandegárias desabaram e sobrevalorizações cambiais favoreceram importações predatórias, chegando a situações extremas como a dolarização da economia do Equador (CORREA, 2015) e o Plano de Conversibilidade na Argentina (FERREIRA, 2016). A adoção de taxas de juros escorchantes e flexibilizações institucionais no sentido de garantir o livre fluxo de capitais ajudaram a controlar a inflação e canalizaram capitais produtivos para a esfera especulativa.[1]

O crescimento médio do PIB da América Latina no período de 1980 a 2000 foi de apenas 0,6% ao ano, indicador mais próximo da África Subsaariana (-0,7%) do que do conjunto de países da OCDE (2%). A remuneração dos assalariados igualmente foi estancada, com elevação anual próxima de 0,5% ao ano entre 1990 e 2005. (IBARRA, 2011)

No Brasil, apenas nos governos de Fernando Henrique Cardoso foram destruídos mais de 3 milhões de empregos, com cerca de 19,5% da população fora do mercado trabalho em 1999 e congelamento do poder de compra dos salários. (MATTOSO, 2000) A adoção do plano real para combater a inflação, o que incluiu a paridade do real com o dólar, provocou a destruição, diminuição ou aquisição por estrangeiros de empresas brasileiras de distintos ramos (Mafersa, Villares, Metal Leve, Hering, etc.).

Conforme Moniz Bandeira, “o governo Fernando Henrique Cardoso, mediante o Plano Real, derrubara a inflação para um único dígito anual, mas não de forma rápida o suficiente para evitar substancial alta da taxa de câmbio real durante sua fase de transição, o que tornou os produtos brasileiros mais caros, em termos internacionais, concorrendo, juntamente com a rebaixa de suas tarifas alfandegárias e as barreiras não-tarifárias mantidas pelos Estados Unidos, para enormes saldos negativos. O Brasil, cujo superávit comercial fora o terceiro maior do mundo nos anos 80 (embora muito abaixo do Japão e da Alemanha), passara a acumular, na balança comercial, saldos negativos que, entre 1996 e 2000, alcançaram o montante de US$ 38,1 bilhões, ao mesmo tempo em que sua dívida externa aumentou cerca de 100%, saltando de US$ 123,4 bilhões, em 1990, para US$ 235 bilhões, em 2000. E esse endividamento conjugado com a perda de competitividade e o desequilíbrio da balança comercial produziram um déficit na conta corrente do balanço de pagamentos que, em 1999, representou cerca 60% das exportações, abalando a confiança dos investidores, depois da crise na Ásia, em 1997, e da moratória da Rússia, em 1998. ” (MONIZ BANDEIRA, 2002, p. 137)

O PIB da Argentina foi reduzido pela eliminação de barreiras alfandegárias e pela âncora cambial (conversibilidade) do presidente Carlos Menem de US$ 126,20 bilhões em 1988 para US$ 102,04 bilhões em 2002, segundo dados do Banco Mundial. “La participación de diversos sectores productivos en la generación del PBI se alteró notablemente a causa del fuerte cambio estructural. La contribución de la industria en el PBI – a precios constantes de 1993 – cayó del 23,9% en 1975 al 16% em 2002. Los servicios aumentaron fuertemente su peso relativo, pasando del 60,4% al 68,4 del valor total generado. La construcción sufrió una notable caída, pasando a representar 3,7% del PBI en 2002, mientras en 1975 su participación era del 7,7%. Por ultimo, la agricultura, ganadería, pesca y silvicultura, entre las principales actividades primarias, aumentaron su importancia relativa pasando de 6,7% del PBI en 1975 al 8,7% em 2002.” (FORCINTO; ESTARELLES, 2009, p. 76)

Como resultado dessas transformações, entre 1975 e 2002, o salário médio real caiu 52% e o índice de desigualdade social aumentou 124%. A população em situação de pobreza avançou de 2 milhões (de um total de 22 milhões em 1975) para 21 milhões (de um total de 38 milhões em 2002). Mais da metade dos argentinos passou a não ter condições sequer para adquirir os itens mais elementares demandados pela existência humana. (FERREIRA, 2016)      

A Venezuela, assim como os demais países latino-americanos, avançou em sua industrialização de 1930 a 1980 com apoio de estruturas públicas como a Corporação Venezuelana de Fomento e a Oficina Central de Coordenação e Planificação da Presidência da República. No período, foram constituídas diversas empresas (têxteis, siderúrgicas, etc.) e criada a poderosa Petróleos de Venezuela (PDVSA).

Com cerca de 6,1% das reservas e 4,2% da produção mundial de petróleo, a Venezuela obteve forte conforto fiscal com os choques de preços dos anos 1970 e foi negativamente impactada pelas quedas das duas décadas seguintes, que provocaram maior desemprego e aumento da dívida pública, justificativas para a privataria que atingiria inclusive a própria PDVSA, convertida em feudo pelas elites que ignoravam as hordas de miseráveis do país.

Embora possua difundida reputação por implantar precocemente o neoliberalismo, o Chile é um país com notável trajetória de positivas intervenções estatais no sentido de alavancagem do desenvolvimento econômico, como a precoce criação da Corporación de Fomento Andino (CORFO) em 1939 e da Corporación Nacional del Cobre de Chile (CODELCO) nos governos populares de Eduardo Frei e Salvador Allende.

Mesmo com relação ao general Augusto Pinochet, é mister destacar que seu governo foi apenas em parte comandado pelos famosos “chicago boys” e suas políticas de favorecimento de importações predatórias e altas taxas de juros. Além de não privatizar a CODELCO, atualmente maior empresa exploradora de cobre do mundo, após 1982 as políticas impostas por Washington foram substituídas por novas intervenções estatais em projetos nas áreas de vitivinicultura, fruticultura, pesca, extração florestal e infraestruturas, em tentativa de abertura de novo ciclo de crescimento no país. (MAMIGONIAN, 2005)

Entretanto, o retorno das políticas preconizadas pelos “chicago boys” nos anos 1990 fizeram com que a dívida externa do país saltasse de US$ 18,5 bilhões em 1990 para US$ 39 bilhões em 2000. A taxa de desemprego foi ampliada para mais de 10% em 2000 e quase 1 milhão de pessoas, dentro de um quadro populacional de 15 milhões, vivia abaixo da linha de pobreza. (MONIZ BANDEIRA, 2002)

Assim como na Argentina, é nos anos 1980/90 que acontece o aprofundamento das políticas neoliberais na Bolívia. No período ocorre, após saneamento das dívidas e modernização parcial, a privatização de uma das mais importantes estatais do setor minero-metalúrgico da América Latina, a COMIBOL (Corporación Mineira de Bolívia), num processo que encerrou atividades de boa parte de suas minas e provocou a demissão de mais de 25 mil operários.

Com Sanchez de Lozada, em seu primeiro mandato (1993-97), a política de privatizações atingiu a cadeia produtiva de hidrocarbonetos, que passou a ter todos os seus segmentos controlados por empresas estrangeiras. Tornada o principal motor da economia boliviana, a Petrobrás conseguia petróleo e gás por preços que chegavam a ser até cinco vezes menores do que a cotação dos mercados. A Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB) operava em todos os setores da cadeia produtiva, abastecendo o mercado nacional e exportando gás sobretudo para a Argentina. O Estado regulamentava as empresas estrangeiras, recebendo através de royalties, participações e outros mecanismos cerca de 50% do valor total da produção. Com a privatização, a estatal foi completamente desarticulada e teve suas funções limitadas à administração de contratos. As empresas privadas passaram a dirigir o planejamento e organização do setor, estando dispostas a captar US$ 6 bilhões para exportar gás natural como matéria-prima, mas negando-se a investir em gasodutos para abastecer as populações dos altiplanos ocidentais. (FERREIRA, 2010)

II

Como bem destacou o presidente boliviano Evo Morales Ayma em entrevista concedida ao cineasta Oliver Stone[2], a chegada ao poder pelos setores marginalizados das decisões nacionais em toda a América Latina foi derivada de imensa destruição de forças produtivas pelo neoliberalismo. Obtiveram vitórias eleitorais inicialmente Hugo Chávez na Venezuela e posteriormente Lula no Brasil, Kirchner na Argentina, Morales na Bolívia, Vázquez no Uruguai, Bachelet no Chile, Correa no Equador, Ortega na Nicarágua, Humala no Peru, etc.

Em alguns casos como de Venezuela, Bolívia, Equador e Nicarágua, para além da realização de reformas de base abandonadas no período neoliberal (agrária, educacional, saúde pública, etc.), foi iniciado processo de socialização dos meios de produção e constituição de instancias de democracia direta. Na Argentina o neoliberalismo foi radicalmente abandonado no espectro econômico, enquanto que Brasil e Chile romperam apenas parcialmente com o modelo em questão.

A vitória eleitoral de Hugo Chavez permitiu a execução de reformas políticas democratizantes (Constituição Bolivariana) e de benfeitorias sociais com recursos oriundos dos hidrocarbonetos com preços em alta. A expansão da educação gratuita, postos de saúde nas favelas de Caracas e nas zonas rurais com a presença de 15 mil médicos cubanos e a distribuição de mais de 100 mil lotes aos camponeses, garantiram apoio popular ao governo frente às seguidas investidas reacionárias.

De acordo com A. Mamigonian, “o governo venezuelano foi impondo a soberania nacional na política econômica: 1) estabeleceu o controle do câmbio desde 2003, quando desvalorizou o bolivar pela primeira vez e voltou a desvalorizá-la em 10,7% em março de 2005, ao contrário do que fazem a maioria dos países latino-americanos, como o Brasil e o México, cujas moedas se valorizaram frente ao dólar, diminuindo os saldos comerciais, 2) tomou medidas de recompra dos títulos da dívida de curto prazo (até 2007) e emitiu novos títulos de longo prazo, 3) realizou empréstimos junto do BIRD para custear investimentos sociais e em infra-estruturas, totalizando US$ 2 bilhões em dois anos e 4) adquiriu títulos da dívida pública argentina. O vitorioso referendo democrático (2004), que confirmou o mandato presidencial de Hugo Chavez, aumentou a legitimidade internacional do regime e ampliou as relações internacionais da PDVSA, sobretudo com a América Latina, definindo uma política petrolífera mais audaciosa: 1) revisão de mais de 30 contratos operacionais com empresas estrangeiras de petróleo assinadas desde 1990, 2) ampliação do fornecimento de petróleo para a América Central e para Cuba, como contrapartida dos serviços médicos prestados, 3) fornecimento, por empréstimo, das quotas de exportação de petróleo do Equador, que passou por dificuldades de honrar seus compromissos, 4) proposta para ajudar a dobrar a capacidade de refino do Uruguai e de Cuba, 5) proposta à Petrobrás de construção de refinaria no Recife e de gasoduto cortando o Brasil de norte a sul até Buenos Aires e Montevideo, com conexão no norte até Fortaleza e 6) planejamento de futuras exportações de petróleo à China, diminuindo sua dependência do mercado norte-americano.”(MAMIGONIAN, 2002)

A recente queda do preço do petróleo tem bloqueado Nicolás Maduro, sucessor bolivariano de H. Chávez, provocando forte recessão no país já convulsionado pelas oligarquias revoltadas com a democratização nacional. O resultado mais recente a se apresentar na política nacional foi de acachapante derrota nas eleições parlamentares, que apontam tendência de difícil reversão sem mudanças econômicas internacionais.

No que tange a Bolívia, mais pobre nação sul-americana, medidas drásticas ampliaram a participação do Estado na economia de 7% em 2005 para 19% em 2009, o que incluiu a retomada do controle estatal da YPBF (petróleo e gás natural), que havia sido convertida em mera gestora de contratos por Sanchez de Lozada (1993-97). Investimentos em novas fábricas de cimento, alimentos, plásticos e lítio, assim como aportes financeiros para os setores têxtil de Cochabamba e agronegócio de Santa Cruz de la Sierra, ajudaram a alavancar o crescimento econômico do país, atingindo patamares superiores a 5% ao ano mesmo com a queda do preço das commodities. (LINERA, 2009)

A organização de políticas direcionadas a mitigação da pobreza como o “Bono Juancito Pinto” (manutenção de crianças e jovens nas escolas) e o “Renta Dignidad”, semelhantes aos programas executados pelos governos Lula-Dilma no Brasil, começou a ocupar papel de destaque no governo Morales, auxiliando no desmantelamento de antigos currais eleitorais conservadores. (FERREIRA, 2010)

Este processo viabilizou apoio popular para rupturas históricas em boa parte das instituições bolivianas. A polícia nacional, as forças armadas e até mesmo parte do conservador poder judiciário foram reformados, com cargos de destaque sendo assumidos por aliados políticos do MAS. Convém ainda recordar a criação do Estado Plurinacional como no Equador, decisiva ferramenta de ampliação do poder decisório das numerosas comunidades indígenas locais. (AFONSO; MAGALHÃES, 2011)

Na Nicarágua, dirigida pelo guerrilheiro sandinista Daniel Ortega, amplo programa habitacional apoiado por recursos da Alternativa Bolivariana para as Américas[3] foi efetivado juntamente com política de ajuda financeira para famílias empobrecidas e subsídios para transportes e energia. Objetivando evitar o afastamento de empresas estrangeiras, o que incluía possíveis deslocamentos para outros países da América Central (El Salvador, Guatemala e Honduras), foram ampliadas as isenções fiscais ao passo em que se abria canal de diálogo para reformatação das precárias relações de trabalho existentes.

As sucessivas vitórias eleitorais dos Kirchner explicitam seu brilhante desempenho na condução da vida econômica nacional argentina, superando o inconsequente Plano de Conversibilidade de Menem/Cavallo por intermédio de brusca desvalorização cambial, da criação de barreiras alfandegárias para proteger os segmentos industriais mais sensíveis, do provimento de liquidez às instituições argentinas e da ampliação continuada dos programas de assistência destinados às famílias de baixa renda. Após o enorme desastre de 2001, quando a economia argentina chegou a encolher 14,7% e o desemprego atingiu 25% da população, a trajetória do país sofreu uma grande inflexão, com o PIB chegando a crescer 71,8% entre 2003 e 2012, a uma média de 7,1% ao ano, índice semelhante ao de Cingapura e Vietnã e muito superior ao do Brasil. (FERREIRA, 2016)

A indústria argentina cresceu 234% entre 2003 e 2013, sendo que o setor de bens duráveis alcançou a impressionante marca de 296% de expansão. Em 2011 se atingiu um recorde de investimento de 24,5% do PIB, 50% dos quais (12,2% do PIB) correspondendo a equipamentos duráveis. Ainda no período entre 2003 e 2013, os lucros da indústria argentina foram ampliados em 790% e o salário médio dos trabalhadores fabris em 1258%. (UNION INDUSTRIAL ARGENTINA, 2014)

De acordo com A. Mamigonian, a Argentina passou por “três processos paralelos de recuperação econômica: 1) em decorrência da forte desvalorização do peso argentino frente ao dólar, as importações foram penalizadas, pois ficaram muito mais caras, enquanto as exportações foram favorecidas, o que levou ao aumento da produção pelos dois lados: produtos industriais antes importados (pisos cerâmicos, por exemplo), passaram a ser produzidos internamente, enquanto produtos agrícolas exportados (soja, por exemplo) ficaram mais baratos e tiveram a produção aumentada; 2) o governo argentino, depois de suspender o pagamento dos juros da dívida pública, teve recursos para pagar salários-desempregos de 100 US$ para mais de dois milhões de pais de família, com a contrapartida da prestação de serviços, em gigantesca operação keynesiana, o que estimulou o consumo e conseqüentemente a produção; 3) com a desvalorização do peso argentino, uma parcela da classe média que havia guardado em casa suas economias em dólares, foi favorecida com o barateamento dos custos da construção civil frente aos seus recursos financeiros valorizados e assim aplicou maciçamente em novos imóveis. Por isso, diante do crescimento de 8,4% em 2003, o aumento da produção industrial foi de 16,3% e o da construção civil saltou para 37,6%. O fato é que, em termos reais, o PIB argentino cresceu de 28% nos últimos três anos, puxado, sobretudo pelos 50% de crescimento industrial. Diante da retomada da economia, o desemprego que havia atingido 18,2% em 2001, começou a cair e já era de 12% em 2004. ” (MAMIGONIAN, 2005)

Merecem ser mencionadas ainda importantes medidas que têm ofertado condições para manutenção do desenvolvimento como: 1) tributação das exportações agro-pastoris – largamente beneficiadas por política econômica avançada – para sustentação da desvalorização do peso argentino e ampliação de reservas cambiais (que superaram respeitáveis US$ 50 bilhões em 2010); 2) planificação do comércio exterior (organização do arcabouço jurídico para que cada dólar importado por empresas instaladas na Argentina seja reexportado); 3) utilização do potencial ocioso interno em obras de infra-estrutura de grande envergadura (geradores Pescarmona no complexo hidroelétrico binacional de Yaciretá, obras de saneamento, etc.); 4) estabelecimento de preços mínimos para sustentação do agronegócio; 5) promoção política de expansão salarial; 6) derrubada das taxas de juros; 7) estatização de empresas estratégicas como YPF e 8) ampliação do percentual de investimentos com relação ao PIB. (FERREIRA, 2016)

Mesmo com o acelerado processo de industrialização, as commodities e manufaturas de origem agropecuária eram responsáveis por mais de 60% das exportações argentinas em 2013. A abrupta queda dos preços internacionais sobretudo após 2014 exigiu do governo Kirchner a utilização de suas reservas internacionais e o enfrentamento de poderosos grupos financeiros que queriam pagamentos superfaturados das dívidas do país (fundos abutres).

 O somatório dos impactos econômicos internos da deterioração do cenário internacional com as práticas golpistas de setores alinhados com o imperialismo alçaram o opositor neoliberal M. Macri à presidência da república. A probabilidade de obtenção de sucessos eleitorais futuros contra o peronismo é pequena em razão de continuidades externas e de projetos de intervenção econômica antipopulares (fim de subsídios, etc.).

No caso do Brasil, a alavancagem das commodities no mercado internacional (soja, minério de ferro, petróleo, etc.), derivada principalmente do crescimento da demanda chinesa, permitiu aos presidentes Lula e Dilma (nos primeiros anos de seu mandato) organizarem um dos maiores portfólios de investimentos e programas sociais do mundo (PAC, FIES, Bolsa Família, etc.). O BNDES foi convertido em maior banco de fomento da atualidade, a Petrobrás se agigantou com a camada pré-sal e política de insumos nacionais, 25 milhões de empregos foram criados e o salário mínimo teve aumento real de quase 70%.

Entretanto, a grande operação keynesiana colocada em marcha não foi acompanhada de adequada política industrial, com importações predatórias abastecendo o Brasil e controlando processo inflacionário em razão de âncora cambial e de taxas de juros escorchantes herdadas de FHC. Seguiu em curso desadensamento de cadeias produtivas e nossa balança comercial gradativamente foi deteriorada.

Com a queda das commodities, o governo Dilma, para sustentar o nível de atividade econômica em 2014, manteve expansão do crédito e ajudou o setor produtivo com isenções fiscais, o que protelou a recessão. Essas medidas não foram suficientes para dinamizar o PIB e provocaram crise de arrecadação, gerando inevitável ajuste fiscal em 2015.

Também as investigações da PF e de outras relevantes instituições, não obstante possuírem méritos por buscarem a boa gestão dos recursos públicos, fragilizaram a acumulação de capital no país ao obstaculizarem o funcionamento de muitas empresas (Petrobrás, Odebrecht, etc.). De acordo com dados da consultoria GO Associados apresentados ao portal de notícias G1, apenas a Operação Lava Jato em 2015 gerou perdas de R$ 142 bilhões (2,5% do PIB), eliminou cerca de 2 milhões de empregos diretos e indiretos e diminuiu em quase 10% a arrecadação de impostos.

            Nos últimos meses, com a desvalorização cambial obtivemos os maiores superávits comerciais desde 2007 e levantamos necessária barreira de proteção da indústria nacional. As concessões de serviços públicos à iniciativa privada (Programa de Infraestrutura Logística) e a manutenção dos programas sociais instituídos também devem auxiliar a recuperação da economia ainda em 2016. A turbulência política apenas tenderá a diminuir caso ocorra repactuação das forças sociais ou propostas como de utilização das reservas internacionais em plano de desenvolvimento e emprego, cada vez mais distantes em razão de Golpe de Estado em curso no país.

No Chile, cada centavo de dólar no preço médio anual do cobre reverbera em US$ 40 milhões de dólares em impostos e US$ 91 milhões em termos de balança de pagamentos. No início da presidência de centro-esquerda de M. Bachelet o preço do cobre no mercado internacional foi alavancado de US$ 1,87 por libra em 2005 para US$ 4,05 em 2011, possibilitando ao Estado efetivar investimentos em infraestruturas e políticas sociais, assim como ampliar as linhas de crédito destinadas ao setor produtivo, gerando crescimento do PIB próximo de 5% ao ano.

A vitória eleitoral do conservador S. Piñera em 2010, devida em parte a ilegítima campanha difamatória do governo promovida pelos grandes veículos de comunicação, não redundou em esquecimento dos anos de prosperidade anteriores. A derrocada do preço do cobre no mercado internacional e tentativas de desmonte do Estado de Bem-Estar Social fizeram com que o crescimento médio do PIB caísse para 1,4% ao ano, recolocando no poder institucional o bloco comandado por Bachelet, que hoje igualmente enfrenta problemas com os preços da commoditie.

III

Estamos atravessando um período de retração do nacionalismo popular latino-americano, cabendo destacar vitória de M. Macri sobre o peronismo na Argentina, redução do apoio parlamentar de N. Maduro após pleito eleitoral na Venezuela e inviabilização de nova candidatura presidencial de Evo Morales em plebiscito na Bolívia. O Partido dos Trabalhadores no Brasil enfrentou dura crise fiscal e assim como os todos os demais do campo democrático-popular latino-americano recebeu ataques da imprensa e de outras instancias públicas alheias aos interesses nacionais, o que exigirá flexibilidade maior para garantir bom resultado eleitoral em 2018.

Trata-se, seguindo linha de raciocínio do filósofo italiano Domenico Losurdo para explicar a queda da URSS, de processo induzido sobretudo pelo imperialismo estadunidense visando aumentar as tensões sob as quais terão de atuar os governos populares de modo a produzir tendências que levarão à queda dos mesmos, verdadeiras “rupturas programadas”. (LOSURDO, 2004)

Por outro lado, se os novos governos alinhados de Washington iniciarem desmedido desmantelamento das políticas sociais da última década e não obtiverem efetivo desempenho econômico com sua maior credibilidade com as camadas empresariais (que pouco serve sem adequado arcabouço macroeconômico ou mesmo boas condições internacionais), a tendência a se apresentar será de passagem meteórica pelo poder institucional, como no caso de S. Piñera no Chile.


[1] “A remuneração do capital fictício está constituída pelos juros auferidos e pelos chamados ganhos de capital obtidos nos mercados especulativos. O capital fictício obtém tais remunerações através de transferência de excedente-valor produzido por outros capitais ou por não-capitais. Isso significa que o capital fictício é um capital não produtivo, da mesma maneira que o capital a juros. No entanto, enquanto este cumpre uma função útil e indispensável à circulação do capital industrial e, nessa medida, embora improdutivo, não pode ser considerado parasitário, o capital fictício (quando não é capital a juros) é total e absolutamente parasitário. Não cumpre nenhuma função necessária dentro da lógica do capital industrial, sendo sua remuneração puro ônus para este. ” CARCANHOLO, Reinaldo A; NAKATANI, Paulo. O capital especulativo parasitário: uma precisão teórica sobre o capital financeiro, característico da globalização. Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 20, n. 1, 1999, p. 299.


[2] AO SUL DA FRONTEIRA. Direção: Oliver Stone. Europa Filmes, 2009. 1 DVD (102 min).


[3] A Alternativa Bolivariana para os Povos da Nossa América – ALBA é um mecanismo de integração social e econômica da América Latina existente desde 2004. Atualmente o bloco é composto por Antígua e Barbuda, Bolívia, Cuba, Dominica, Equador, Nicarágua, São Vicente e Granadinas e Venezuela.

Lucas dos Santos Ferreira é Mestre em Geografia Humana pela USP e pProfessor do Departamento de Geografia da UDESC

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