O que é preciso para derrotar Bolsonaro, por Vilma Aguiar

Mas parece-me que é preciso antes de tudo encontrar uma ideia motriz, uma forma de responsabilizar o governo Bolsonaro e a ele pessoalmente pela tragédia que causa.

Foto: Brasil de Fato

O que é preciso para derrotar Bolsonaro

por Vilma Aguiar

A ideia da constituição de uma frente ampla foi, até agora, a única solução que intelectuais e políticos de esquerda tiveram, quer para conseguir emplacar um eventual impeachment, quer para derrotar Bolsonaro em 2022. Essa ideia, porém, reciclada de outros momentos históricos como a campanha pelas Diretas Já ou o impeachment de Collor de Mello, parece destinada ao fracasso no Brasil da hegemonia da extrema-direita. 

Vinte e cinco meses e uma montanha de mortos depois, o governo Bolsonaro parece mais forte que nunca. Posso elencar alguns de seus sucessos indubitáveis. Conseguiu a façanha de fazer os presidentes do Senado e da Câmara do Deputados, com votos da oposição inclusive;  domina diuturnamente a agenda pública;  triturou aquele que despontava como um dos seus principais adversários em seu próprio campo, Sérgio Moro; mantem um índice de rejeição bastante baixo (menor que a dos seus não eleitores em 2018), se considerarmos o tamanho do descalabro de seu governo; cooptou amplos setores das Forças Armadas para seu governo; constituiu um corpo de ministros excepcionalmente descomprometido com suas áreas e totalmente alinhado a seus desmandos, vide os mais notórios, Paulo Gudes, Damares Alves, Ernesto Araújo, Eduardo Pazuello, Ricardo Sales .  Além disso, talvez o mais emblemático de seu desempenho, mesmo sendo o presidente, consegue não se responsabilizar por nada. Lava as mãos em praça pública enquanto o barco naufraga e ele repete “não posso fazer nada, pô”, “e, daí?”.

Durante esses mesmos vinte e cinco meses, a oposição não avançou um centímetro em relação à situação em que se viu no segundo turno da eleição de 2018. Continua fragmentada, sem uma bandeira popular, sem uma estratégia que não seja esperar que Bolsonaro se enforque sozinho e, principalmente, se viu na rabeira da direita, como sua dependência em relação a Rodrigo Maia no papel de líder da coluna da defesa da democracia no Congresso.

Enquanto mantem a miragem da frente ampla, na prática, não existe consenso nem sobre no que ela constituiria. É sobre nomes? É sobre estratégia? É sobre programas? É sobre acordos de não tiroteio “amigo”?

Na eleição de 2020, tivemos dois exemplos do que podem e do que não podem frentes amplas. No Rio, especula-se que a união entre o PDT de Marta Rocha e o PT de Benedita da Silva, teria tirado do segundo turno das eleições municipais Marcelo Crivella e, talvez, com isso, derrotado Eduardo Paes. Em São Paulo, a enxurrada de apoios a Boulos contra Bruno Covas no segundo turno, uma espécie de ensaio de frente ampla de esquerda, não foi capaz de fazer a diferença entre a vitória e a derrota.  

Outro exemplo recente. Na eleição para a presidência da Câmara, a formação de uma frente ampla em torno de Baleia Rossi contra o candidato de Bolsonaro explodiu nas vésperas e deu uma lição na oposição quanto a seu real tamanho. Na eleição do Senado, por outro lado, a frente foi tão ampla que incluiu até o próprio candidato do governo. Ou seja, ou a frente ampla é uma impossibilidade ou é meramente inoperante ou ineficaz.

Qual a saída então? Ninguém tem essa resposta porque a política é isso, o jogo concreto das possibilidades e das oportunidades. Mas parece-me que é preciso antes de tudo encontrar uma ideia motriz, uma forma de responsabilizar o governo Bolsonaro e a ele pessoalmente pela tragédia que causa. Algo que tenha força similar ao “a culpa é do PT”, “o PT destruiu a minha vida”. Sem isso, Bolsonaro vai continuar a parecer para muitos como não muito pior que qualquer outro que estivesse em seu lugar. “Não tem tu, vai tu mesmo.”

Se vamos conseguir uma via para derrotar Bolsonaro e tudo o que ele representa, o tempo dirá, mas me parece que, na prática, num cenário de crise extremada e diante de um eterno candidato que baseia sua estratégia de sobrevivência na ideia de ser antissistema, a opção de se contrapor a ele invocando basicamente o sistema na ideia de grandes acordos costurados entre lideranças, que vai parecer a muitos nada mais que conchavos antigos dos velhos políticos, talvez não seja a melhor ideia.

Haverá por certo uma aglutinação anti-Bolsonaro no segundo turno de 2022, mas resta saber se esta se dará em torno de Lula, Haddad, Ciro, ou de Doria, Luciano Huck, Mandetta.  O maior risco hoje é que não haja alternativa que escolher entre dois demônios.

 Vilma Aguiar é socióloga e feminista. Doutora em Ciências Sociais (UNICAMP), Mestre em Filosofia (USP). Fundadora da Escola da Política e idealizadora do site Pandêmicas. Produz e apresenta o podcast Mulheres Públicas.

Redação

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