Os políticos e os corruptores: o problema é só do sistema político?

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Foto: Agência Estado

Por Ivan Mardegan e Arthur Fisch

No CEPESP (CENTRO DE POLÍTICA E ECONOMIA DO SETOR PÚBLICO – FGV)

Existe um sentimento generalizado e globalizado de descontentamento com os
governantes. Não é possível dizer que exista uma única causa. Contudo, aqui no Brasil, existe um componente especial: a corrupção. Passamos os últimos anos imersos em manchetes com escândalos de corrupção, os maiores de que se tem notícia no país. Praticamente todos os partidos políticos relevantes estão envolvidos e parece que não existe solução dentro do sistema. Vivemos em uma árvore de maçãs podres.

O quadro atual do Rio de Janeiro torna essa percepção mais viva, na medida em que todos os governadores eleitos desde 1998 estão presos (Anthony Garotinho, Rosinha Garotinho e Sérgio Cabral), além dos últimos presidentes da Assembleia Legislativa (como Jorge Picciani), seis dos sete conselheiros do Tribunal de Contas do Estado, e um dos deputados federais eleitos pelo Estado (Eduardo Cunha, do PMDB).

A partir dessa realidade, é fácil vender a ideia de que o sistema político, em si e por natureza, é corrupto e nunca esteve tão corrupto. A única solução para ele seria sua destruição, ou seja, trocar um sistema político por algo parecido à gestão de empresas privadas. Essas, símbolos do progresso, da eficiência, da meritocracia, seriam avessas à corrupção e a implementação de suas práticas ajudariam a “limpar” a política nacional.

Isso, no entanto, não faz sentido.

A ideia de que a corrupção é um fenômeno exclusivamente público é errônea. Para existirem corruptos é necessária a figura do corruptor. É fácil verificar que praticamente todos os casos de corrupção investigados nos últimos anos envolviam grandes empresas privadas. Existem inúmeras evidências de que o setor privado é bastante responsável pela sonegação de tributos, evasão de divisas, lavagem de dinheiro, dentre outros crimes que envolvem íntimas relações com o poder estabelecido. Sem entrar no mérito dessa questão, ignorar que a corrupção é um fenômeno social e jogar toda a culpa na política e no Estado configura uma visão simplista sobre o papel do Estado em um problema complexo com múltiplos atores. Além disso, é uma leitura reducionista sobre a atuação dos governos na sociedade e economia. Estado não significa necessariamente corrupção e suprimir funções estatais não leva a menos crimes de corrupção. Pode ser exatamente o contrário.

Afirmar que a corrupção no Brasil está em seus níveis mais altos da história ou que
nunca na história do país se roubou tanto, apesar de ter apelo popular, é no mínimo
equivocado para não dizer irresponsável.

Sobre o tamanho da corrupção, qualquer afirmação é difícil de ser feita, afinal, como qualquer outro crime, ela tem natureza oculta. Ninguém sabe ao certo quanta corrupção existe ou existiu no país. Temos apenas os indícios e as investigações como dados. As investigações, a imprensa livre e a experiência da população somente dão subsídios para a percepção do nível de corrupção por parte dos cidadãos. Essas evidências apontam que o que vem ocorrendo é um aumento substancial na capacidade de se descobrir e desmantelar esquemas de corrupção no Estado brasileiro. Se algo pode ser afirmado é que os Tribunais de Conta, Controladorias, Receita Federal, Polícia Federal e Ministério Público nunca tiveram tanta autonomia e recursos para exercer suas funções. A imprensa tem liberdade para noticiar os escândalos e nunca ganharam tanta audiência com isso. Leis como a de acesso à informação aumentaram a transparência das atividades governamentais. Mais corrupção descoberta não significa necessariamente mais corrupção, mas pode representar um aumento na percepção da corrupção pelo cidadão.

Talvez o que faça com que nenhum desses avanços sejam sentidos é a sensação de impunidade que permeia a sociedade quando falamos sobre políticos investigados por
corrupção. Mas até nesse ponto o país avançou substancialmente. Em 2013, vimos pela
primeira vez o Supremo Tribunal Federal condenar altos dirigentes do partido que estava no poder. De 2014 para frente, com a operação Lava-Jato, tivemos inúmeros casos de autoridades e dirigentes partidários que acabaram atrás das grades. Um senador foi preso em exercício do mandato; O presidente da Câmara dos Deputados foi afastado e também preso; Pela primeira vez, um presidente da República foi processado por crime comum no exercício do mandato.

Sem contar os grandes nomes do setor privado que tinham acesso direto ao poder, mas que também acabaram presos, algo inimaginável há poucos anos. Alguns deles se safaram, é verdade, mas impossível negar que houve uma mudança com relação à certeza da impunidade. Esses avanços não podem ser negligenciados.

Com certeza há muito o que melhorar no combate à corrupção no Brasil. Sem dúvidas
esse ainda é um problema muito grave da nossa sociedade e precisa ser encarado com
seriedade. No entanto, é equivocada a ideia de que a corrupção seja a causa de todos os
nossos problemas e que ela está descontrolada. Esse tipo de sugestão promove o caos e é
perigosa. A espetacularização dos escândalos, os justiçamentos de figuras públicas e a falta de informação trazem consequências negativas. Estamos assistindo um aumento perigoso das arbitrariedades cometidas por agentes do Poder Judiciário e do Ministério Público que vem se sustentando através do convencimento da opinião pública de que essa é a única maneira de combater a corrupção no país. A seguir por esse caminho, podemos acabar perdendo liberdades que custaram muito caro.

Olhemos para os avanços que já tivemos no combate à corrupção e vamos defender o
que se tem como melhores práticas para diminuí-la. Em alternativa ao punitivismo e a
completa desmoralização dos agentes públicos, podemos aperfeiçoar nossos mecanismos de controle; dar transparência aos atos da administração pública e de todas as organizações que recebem recursos públicos, principalmente os partidos políticos; simplificar a burocracia e agilizar o julgamento dos processos são medidas mais eficazes e que respeitam o Estado de Direito e as garantias constitucionais de qualquer cidadão.

É através do controle social e da participação política que poderemos avançar ainda mais no combate à corrupção.

 

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Texto de Ivan Mardegan e Arthur Fisch, pesquisadores assistentes do CEPESP, na FGV em São Paulo.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

2 Comentários

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  1. os….

    Voltaram com este argumento já caduco de transformar a vítima em criminoso? Tentaram isto no começo das investiuigações e não colou. O problema não é nem a corrupção. É a absoluta falta de controle e de representatividade da Sociedade. É a farsa de Democracia, que temos. É o Estado Absoluto. Caso fosse somente a corrupção, Tribunais de Contas pegariam a contabilidade. Não? Então Sistemas de Controle Financeiro como Receita Federal? Não !! Então Organismos de Controle Comercial como CADE? Não !! Então a Estrutura de Controle, uma das funções do Legislativo, sobre o Poder Executivo, que ordena obras e compromissos que podem corrompidos? Não !! Então MP e Poder Judiciário, que tem poder policial sobre as ações de todo Estado? Não !!!!! Então, quem foi extorquido, não tinha como se livrar da extorsão do Estado. E não o contrário. Corruptos e Corruptores são o Estado, que não controlamos. 

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