“Únicos derrotados são os que deixam de lutar”, diz Mujica no Brasil

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
[email protected]

A blogueiros e mídia alternativa, o ex-presidente do Uruguai e senador José Pepe Mujica afirmou que a crise política “não é nenhuma catástrofe”, que “é hora de lutar” e que a esquerda deve ter “humildade estratégica”

Jornal GGN – O ex-presidente do Uruguai e senador José Pepe Mujica concedeu entrevista coletiva a blogueiros e mídias alternativas do Brasil na manhã desta quarta-feira (27), em São Paulo. Mujica falou sobre o cenário de crise política no Brasil e na América Latina. O ex-presidente permanece no país até o dia 29 de abril, em agenda com movimentos sociais e participação no Congresso da Confederação Sindical das Américas.

“Primeiro sou latinoamericano, depois uruguaio”, disse Pepe Mujica, afirmando que tem “muitos defeitos”, mas também “autoridade para dizer que me sinto um homem feliz e vou morrer feliz porque vivo o sonho que tenho e vivo para o que penso”. Diante do cenário de crise política, sobretudo no Brasil, o ex-presidente uruguaio conclamou os movimentos de esquerda a não desistirem e não deixarem de lutar.
 
Apesar da avalanche da extrema direita que se vê atualmente na América Latina, Mujica acredita que o cenário é natural e que nem tudo está perdido. “As moedas têm duas caras, as duas caras pertencem a história do ser humano. O ser humano sempre teve uma cara conservadora, e outra solidária, humana. Jesus, Santo Agostinho, São Francisco… Não me alcançaria a manhã inteira para nomear os companheiros de esquerda da história humana”, disse.
 
“Não sei o que passa com a história do Brasil agora, mas não vão perder tudo, não podem perder tudo, porque a próxima direita tem que negociar, tem que ceder. Essa é a história da humanidade. A direita descobriu uma magia. O que passava há dois anos que ganhamos eleições por todos os lados? Obra de uma conspiração? Ou foi uma maturidade da sociedade? Podemos comparar essa diversidade de hoje com a ditadura que vivemos? Acima da terra os únicos derrotados são os que deixam de lutar. A derrota é um serviço importante”, afirmou. “Mas não estamos derrotados. E nunca triunfamos definitivamente, há que ter a humildade estratégica”, completou o ex-presidente.
 

“A sociedade é uma bolha borburando de conflito”, disse Mujica, na mesa de debate, ao explicar “a contradição egoísta do ser humano”. “O homem é um bicho que não pode viver em solidão. Provavelmente a sociedade começou quando uma pessoa em apuro desesperadamente gritou: ajuda-me! Saiu do individuo para reclamar em sociedade. E andamos pela vida, nessa contradição”, resumiu.

“Temos que lutar pela nossa vida, pela vida que queremos, mas como somos um animal sociável, que construímos civilização, a civilização é da solidariedade. A natureza nos presenteou uma coisa que se chama consciência, que permite cobrar do nosso egoísmo até certo ponto e fazer transcender por efeito da cultura e da civilização. Somos bons e maus, somos tudo, andamos com essa contradição”, refletiu Mujica. 
 
“Por isso existe a política. Se fossemos perfeitos, deuses, não precisaríamos da politica. Porque precisamos da sociedade para viver, mas somos conflitivos, temos distintas origens, visões, tradições, religiões, culturas, classes sociais…”, completou.
 
Ao analisar o levante da direita na América Latina, Mujica voltou novamente a exemplos simples para concluir seu pensamento: “Se cada um de vocês analisarem suas vidas, provavelmente vão perceber que a decisão mais importante que já tomaram na vida nada tem a ver com interesse econômico, foram por outras coisas. É mais complexo”, disse para completar que “a política é uma paixão”. “Não quer dizer que não tem interesse, mas é outro tipo, interesse de carinho das pessoas, da sociabilidade, isso não se compra com dinheiro, não é interesse econômico”, disse, expressando que a política é a expressão da maioria e, por isso, “há que viver como viveria a maioria, não a minoria, e é isso que nos apaixona na política”.
 
Para ele, o conflito nesses interesses econômicos da política é que está “trazendo problemas em toda a América Latina”. “É a mesma coisa que você ir ao supermercado e pedir: me dá 5 anos de vida a mais”, explicou. “Nunca deveríamos deixar de esquecer disso para entender que nem tudo se compra com dinheiro neste mundo”, completou.
 
“A crise política alcança a América Latina, mas não é nenhuma catástrofe. Há uma parte de uma crise que é utilizada pela direita e é obvio que cometemos erros, óbvio, não me ponho a ignorar os erros no meio da batalha”, disse o ex-presidente, aconselhando: “A hora é de lutar”.
 
Ao falar um pouco de si, lembrou: “na Universidade, em Moscou, quando muitos de vocês não haviam nem nascido, terminei não me filiando ao partido comunista, porque entrei em um hotel, que tinha um tapete que fazia cócegas, e perguntei: e isso? Por que isso na pátria do comunismo?”, contou, resumindo depois: “Tenho uma somática posição filosófica da vida, onde prima a solidariedade sem o egoismo. Porque a sociedade necessita esses loucos sonhadores”.
 
Para Mujica, a crise econômica no mundo todo mostrou a reação daqueles que “tem medo de cair”. “Sempre na história humana a classe media tem medo de cair. O mundo funciona em ciclos e o Brasil está imerso no ciclo de queda”, analisou. Ao ser questionado sobre o que faria se estivesse no lugar da presidente Dilma Rousseff, respondeu: “Eu não sei como se maneja um país com 20, 30, não sei quantos partidos. É um pais enorme, lindo, tem a fotossíntese tropical, mas tem um preço por isso”, disse Pepe. Ao citar rapidamente os avanços históricos do país, afirmou que pelos pontos positivos “não se pode esperar reconhecimento, agradecimento, isso não existe”. “Pobre Dilma, pobre Dilma. Não posso dizer a vocês o que eu faria, tenho medo de que não me entendam”, concluiu.
 
“O verdadeiro triunfo é caminhar. Não há um premio ao final da vida, o prêmio é o caminho mesmo, a beleza da vida, de viver com causa, com sentimento, com compromisso, distinto do que está programado. No fundo não sabemos de onde viemos, e tampouco sabemos para onde vamos”, disse o ex-presidente uruguaio.
 
Em crítica aos sistemas políticos do Brasil, Pepe Mujica citou as negociações com a oposição para a governabilidade. “A direita tem nos grandes meios de comunicação, os utiliza para criar uma subconsciência, dissimular os efeitos, dentro da sociedade brasileira. Faz muitos anos que o Brasil tem que fazer negócios com um governo local, tecer todo um sistema de aliança, para se ter maioria um governo. Que Cristo faz maioria? Maioria ideológica, isso não tem nada a ver. Um dia, suponho que o Brasil mudará isso, mudará esse contrato social [de governabilidade]”, defendeu.
 
Sobre o golpe em curso no país, com a tentativa de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, Pepe lembrou que “vários deles [parlamentares] tem acusações”. “Fundamentação de terror, baixaram a categoria do Brasil na consciência do mundo. De tudo isso, há muitas lições para aprender”, disse, citando que os partidos progressistas precisam ser ainda mais horizontais.
 
“A crise vai passar. Há que ter coragem de voltar a começar, sempre. Aprender com os erros e voltar a começar, tentar fazer o melhor, ter perserverança. Os únicos derrotados são os que desistem. Mas tem que ter humildade, em momento de triunfo, para que quando nos vamos dessa vida, que tenham outros, por isso o conceito de partido, algo coletivo, e que volte a ter humildade estratégica”, finalizou Mujica: “A causa é preocupar-se um pouco pela sorte dos demais”. 
 
A entrevista coletiva foi transmitida ao vivo pela Fundação Perseu Abramo e pela Barão de Itararé. Também foram responsáveis pela organização do evento a Confederação Sindical das Américas e Central Única dos Trabalhadores – CUT.

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

13 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Mujica  não tem frases

    Mujica  não tem frases vazias. Tudo o que fala tem significãncia, faz pensar.  Uma figura humana admirável, pela história de vida, ações e ideias. Longa vida, Mujica, o mundo precisa de você.

     

  2. Pepe Mujica diz que só perde

    Pepe Mujica diz que só perde quem deixa de kutar , mas como convencer alguem midiotizado de que nao existe triplex de 68 mts, nem de que quem tem 30 milhoes declarados ao fisco iria comprar um sitio de 80 mil que na imprensa vale 800 milhoes e um barco de aluminio vale o equivalente a um iate e principalmente que se um bem material nao esta registrado em seu nome legalmente voce nao é o propietario , as pessoas nao querem usar seu senso critico !

  3. “Humildade” e “PT” em uma mesma frase……..

    … é algo que soaria contraditório…. Nem mesmo críticas vindas da própria esquerda os petistas aceitam, basta ver as barbaridades que passaram a falar do Cristvam Buarque. No mais, Mujica é um exemplo extraordinário para a esquerda da América Latina. Não é um populista demagogo como um Chavez, uma Kirchner ou um Lula. Promoveu avanços sociais e nos direitos civis sem quebrar a economia de seu país, ao contrário dos três que acabo de citar. E também não governou à base do “nós contra eles”, evitando a polarização incontornável que os três que citei criaram em seus respectivos países. Será que a esquerda brasileira realmente tem humildade para aprender com seus erros?

    1. Felipe Lopes

      Você esqueceu que o Lula elevou todos os índices econômicos do país? Se elegeu mesmo com o mensalão em curso? Saiu da presidência com 80% de aprovação? Para o povo é considerado o melhor presidente que o país já teve? Que mesmo com a mídia em cima diariamente está em primeiro lugar nas pesquisa para presidente da República?

    2. robô?

      Felipe Lopes existe ou é robô?

      Ele diz que Lula quebrou a economia do Brasil. Verdade? Ao que eu saiba, o Brasil está quebrando agora, 5 anos depois de Lula ter deixado o governo, ocasião em que estávamos tão de boa, mas tão de boa, que Dilma, desconhecida, foi eleita com facilidade por ser apoiada por ele, que saiu com mais de 80% de aprovação, o que não ocorre com os que quebram o país. Se estamos quebrados agora isso se deve em parte à crise internacional, em parte ao ajuste de Levy e em parte à sabotagem dos golpistas, que apostaram no “quanto pior, melhor” para derrubar Dilma (pautas-bomba etc.). Vai pra conta de Lula? 

      Ele diz que Lula promoveu a polarização quando todos sabem que um dos maiores erros que Lula cometeu foi conciliar demais. Antes ele tivesse deixado claro, quando estava no auge da popularidade e tinha a plataforma de presidente da república, que, de fato, “eles” sempre estiveram e sempre estarão contra “nós”. 

      Felipe, me desculpe se vc for de fato uma pessoa, mas vc não sacou nada de Lula. E muito menos de Mujica, que está à esquerda de Lula e que, num país complexo como o Brasil, teria sido massacrado, se é que conseguiria chegar à presidência. 

    3. Foram 12 anos de pleno

      Foram 12 anos de pleno emprego e crescimento econômico e dois anos de crise na gestão do PT. Como assim quebrado? Além disso, o Brasil deve ser o único país do mundo que, mesmo “quebrado” detém reservas externas de 380 bilhões de dólares, cerca de 60 bilhões de dólares anuais de investimento externo e grande diversidade de fontes de energia e de produção. Ora, quebrou nada. Passa por uma crise muito mais associada – na minha opinião – às políticas de ajustes neoliberais do segundo mandato da presidenta Dilma, que só produziram desemprego e queda de receitas dos governos. Isto sem falar nos fatores externos, como queda no preço do petróleo, do minério de ferro, etc., coisas que não dependem somente do Brasil. Mas, mesmo nesse particular, a Petrobras conseguiu desenvolver alta tecnologia barateando o custo da retirada de petróleo do pré-sal. A corrupção na Petrobras foi de 1% dos investimentos gigantescos realizados com o complexo de indústrias da construção civil e naval. Ora, ainda que seja correto apoiar o combate a essa corrupção, é um gigantesco equívoco considerar a corrupção seja a causa de todos os males do Brasil e especialmente do PT, partido que é sócio minoritário da coalização PMDB + PP + PTB além do PSDB e do DEMO, estes sim, mestres em matéria de corrupção, propinas e caixa dois com impunidade. O PT pagou duas vezes: por entrar nesse jogo sujo e por colocar a polícia federal e a justiça para combater apenas o PT – os caciques do PSDB e do PMDB estão totalmente impunes, todos eles com milhões em propinas, com contas na Suiça, e inúmeras outras provas de terem participado de vários escândalos. Contra Dilma, zero de acusação. Contra Lula, um pedalinho no sítio de um amigo e um triplex que ele chegou a declarar no imposto de renda e abriu mão posteriormente.

  4. ô mujica, mas pelo menas

    ô mujica, mas pelo menas noutras terras ninguém tem que voltar a zero e começar tudo de novo. 1954, 1964, 2016…

    as batalhas lá fora mudam de forma com os tempos.

    o patropi é pior qu cancer … não evolui

    abraços

  5. admirável mujica.
    quando

    admirável mujica.

    quando falou que moeda tem duas caras, lembrei de sua célebre

    expressão relacionada ao anjo benjaminiano…

    – carrego uma mochila de cicatrizes nas costas mas smpre olhando para o futuro…

    exemplar esse cara…

  6. URUGUAI

     Mujica, o marxista que abriu mão das regalias da presidência  e preferiu viver uma vida simples, um crítico ferrenho do capitalismo.  Reduziu a pobreza de 37% para 11% no Uruguai. O Pepe é a ruptura do político velho, representa o novo e a filosofia política.

    “O Deus mercado organiza a economia, a vida e financia a aparência de felicidade. Parece que nascemos só para consumir e consumir”. Discursso de Mujica na ONU

    “Sou do sul e carrego milhões de pessoas pobres na America Latina”.

    “Nós políticos temos que viver como vive a maioria e não como vive a minoria”

    “Quem gosta de dinheiro deve ser tirado da política”.   frase filosófica profunda

  7. Grande Mojica

    Mojica, líder e estadista,  coerente, nunca se deixou levar pelo feitiço do deus Mamon, do dinheiro. O erro das lideranças do PT foi rasgar o programama do partido  e aderir a governabilidde monetária e à tese de que os fins justificam os meios. Toda a esquerda está pagando por isto hoje. É preciso uma profunda auto-crítica. Ainda hoje não posso acreditar que governos petistas tenham, por exemplo, privatizado a Petrobrás em sua forma mais vil, transformando-a numa máquina de corrupção. Apesar de todos os problemas defendo a Lava Jato. Se queremos construir uma República é preciso combater o câncer da corrupção que faz metástase no Brasil. Como defender a democracia com os abutres bicando o bem público?  reforma política com constituinte, reforma ampla do Estado combatendo privilégios, reforma tributária, um novo pacto social no país exige a manifestação das ruas com eixos determinados. Nenhuma mudança virá do sistema representativo, isto estamos carecas de saber. Revolução republicana é possível com o grau de politização do país hoje. 

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador